Salvando a pátria
O Globo (Rio de Janeiro), em 30/10/2005
Sobrolho franzido, ar tão grave quanto lhe permitem os bermudões e as sandálias velhas, o escritor abandona de supetão o teclado e resolve descer à rua. Está difícil escrever hoje, nesta primavera londrina que o Rio de Janeiro tem vivido, com o céu sempre carregado e o sol foragido. Paradoxalmente, o que aflige o escritor não é o que, pelo menos de acordo com o folclore do ramo, volta e meia se abate sobre os que escrevem com obrigação e prazo, ou seja, a famosa falta de assunto. É justamente o contrário, é o excesso de assuntos. E, na distante juventude, tempo em que se estudava latim, ele aprendeu que quod abundat non nocet - o que abunda não faz mal. (Carece de suporte linguístico a tradução, corrente nessa época, por “quando a bunda não é nossa”.) Portanto, não teria razão de queixa.