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Artigos

  • A demência do Quixote

    Dificilmente uma obra de ficção terá tido mais repercussão em nossa cultura do que o Dom Quixote, que, em matéria de número de traduções, só é superado pela Bíblia. E no entanto o propósito de Miguel de Cervantes Saavedra ao escrever o livro era relativamente modesto; não pretendia mais do que satirizar os romances de cavalaria então muito populares.

  • Não para a escola,mas para a vida

    Se o jovem médico de saúde pública que um dia eu fui lesse a manchete da Zero Hora do dia 28 de agosto, “IBGE alerta para obesidade de adolescentes na Capital”, simplesmente não acreditaria; rotularia o anúncio como algo do gênero ficção científica. Porque, durante muito tempo, o problema básico do Brasil foi a desnutrição, não a obesidade.

  • Olha, mamãe, sem as mãos

    Esses dias, o ator Francisco Cuoco, da Globo, levou um tombo de bicicleta. Nada grave, ele teve só escoriações, mas seu orgulho provavelmente ficou abalado. Ciclista que se preza não cai da bicicleta nem se acidenta; este é um veículo que, mesmo tendo só duas rodas, a gente consegue controlar, e existe até quem faça nele arrojadas acrobacias.

  • Ovo de Colombo

    Simbolismo é coisa que ao ovo não falta. Por causa de sua forma, lembra-nos o próprio planeta que habitamos. O ovo contém a semente da vida, e é por isso um símbolo de fertilidade, da potência até (o ovo de codorna é particularmente famoso neste sentido), do ciclo vital. Não por outra razão se tornou um emblema da Páscoa, a festa da ressurreição de Cristo. Finalmente vamos lembrar que, quando Colombo colocou um ovo de pé sobre a mesa, quebrando um pouco da casca, criou uma metáfora para lembrar que dá para fazer coisas inesperadas mediante a inteligência.

  • Falemos de flores

    O paraibano Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo, Geraldo Vandré, que neste mês completou 75 anos, é uma das figuras mais fascinantes da música popular brasileira.

  • Cinema e Contestação

    Neste domingo, às 18 horas, graças ao dinâmico Santander Cultural e à fantástica Aliança Francesa, terei uma missão gloriosa: participarei de um debate com o grande cineasta israelense Amos Gitai e seu produtor, Laurent Truchot. Gitai veio de um festival sobre sua obra, realizado no Rio, e aqui encerrará a Mostra Especial que reúne vários e importantes filmes, marcos de uma carreira marcada pelo talento e pela coragem.

  • Agora, é sem sorrisos

    Até ontem, o DMLU já tinha recolhido mais de 80 toneladas de cartazes, de santinhos, de panfletos diversos, um reflexo do peso do marketing político na campanha eleitoral. Pode ser um alívio, mas algumas coisas talvez deixem saudade. Por exemplo: as fotos dos candidatos sorrindo.

  • A polêmica do e-book

    Em primeiro lugar porque, ao que tudo indica, será um sucesso de vendas. Segundo recente matéria do The Wall Street Journal, os e-books já respondem, nos Estados Unidos, por cerca de 8% do faturamento total da venda de livros, o dobro do ano passado. Especialistas no mercado editorial acham que poderão representar 20% a 25% do total de vendas até 2012. Paralelamente, caem as vendas de livros de papel: nos Estados Unidos foram vendidos, em 2008, 1,63 bilhão de unidades (excluindo volumes educativos e técnicos), mas neste ano de 2010 o total deve diminuir para 1,47 bilhão (e para 1,43 bilhão em 2012). Pergunta: como vai repercutir esta tendência no meio editorial? E em relação aos autores? Questão complexa. Para começar, temos o assunto dos direitos autorais. Tradicionalmente, o autor recebe uma porcentagem que pode variar entre 5% e 15% do preço de capa (10% é a cifra mais comum). Mas isso vai mudar.

  • Voz e emoções

    Depressão é um dos problemas mais frequentes em nossos tempos, afetando cerca de 6% das pessoas, sobretudo as mulheres, 20% das quais enfrentarão ao menos um episódio depressivo em suas vidas. O diagnóstico em geral não é difícil e se baseia nos sintomas relatados pela pessoa, que se sente triste, perde o prazer pelas coisa da vida, pode experimentar insônia ou sonolência.

  • A ilusão dos antibióticos

    As notícias sobre a rápida disseminação da superbactéria Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC) teve pelo menos um mérito: trouxe à baila a questão do mau uso de antibióticos. O que não é um problema novo, e apareceu já com o lançamento dos primeiros antibióticos, à época da Segunda Guerra. Assim, a penicilina, que ao surgir era 100% eficaz contra o estafilococo, teve essa eficácia reduzida em algumas décadas para 10%. Nos anos 90, um levantamento mostrou que, em apenas quatro anos, a porcentagem de enterococos (bactéria intestinal) resistentes à vancomicina aumentou 20 vezes. A cefalexina, que, quando apareceu, era eficaz contra todas as infecções urinárias, agora só pode ser usada em 30% dos casos. Também a ampicilina perdeu muito de sua utilidade. Um estudo publicado no “New England Journal of Medicine” mostrou que, em três anos, dobrou a resistência dos estreptococos causadores de pneumonia. Assim como compromete o ambiente, o ser humano está comprometendo os recursos que poderiam ser usados contra doenças. Isto resulta, antes de mais nada, de um uso excessivo desse tipo de medicamento. Nos Estados Unidos, cerca de 25 mil toneladas de antibióticos são administradas anualmente. E de forma equivocada: 75% dos casos, tratam-se de infecções respiratórias. Destas, a maioria resulta de vírus, contra os quais os antibióticos não têm efeito. Ao problema da prescrição equivocada, temos de associar a automedicação. As pessoas se veem rodeadas por inimigos invisíveis, que é preciso combater; e aí, dê-lhe antibiótico. Uma verdadeira mania. Mais um fato: 70% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos e provavelmente em outros países são dados a animais, também em caráter “preventivo”. Com isso, aumenta a quantidade de germes resistentes. Resolver esse problema vai nos melhorar como sociedade. Precisamos tomar consciência de que nosso ato imprudente, ainda que no curto prazo não nos prejudique, resultará num risco geral: atualmente, as infecções por germes resistentes matam mais de 70 mil pessoas por ano nos Estados Unidos. A ilusão dos antibióticos custa caro. Perguntem à superbactéria.

  • O poder das pontas

    "Será que precisamos de regiões hegemônicas, de figuras hegemônicas?" Quando eu estudava física, no colégio (isso mais ou menos na pré-história) falava-se de algo chamado o poder das pontas, ou seja, a capacidade que têm objetos pontiagudos de atrair e de concentrar energia, o para-raios sendo disso um exemplo clássico. Mas o poder das pontas pode servir de metáfora para muitas situações, inclusive na política, coisa que pode ser lembrada nos 80 anos da Revolução de 1930, que, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, colocou o Brasil no rumo da modernidade. O movimento teve início num estado que era, e é, a ponta do Brasil, o Rio Grande do Sul, uma ponta encravada, por assim dizer, no Cone Sul da América Latina, no antigo domínio hispânico, do qual na verdade fazia parte de acordo com o Tratado de Tordesilhas. A região foi conquistada a ferro e fogo, e isso inaugurou uma tradição guerreira que se prolongaria por séculos, simbolizada na figura do gaúcho e expressa numa forte tradição. Por sua história, e por sua posição geográfica, o Rio Grande do Sul sempre teve uma forte consciência de sua identidade, o que aliás gerou, em 1835, um movimento de rebeldia contra o governo central, a Revolução Farroupilha, que, a rigor, foi derrotada, mas que até hoje é celebrada no dia 20 de setembro. Por outro lado, e por causa da enorme distância que o separa do centro do país, as elites gaúchas sentiam-se marginalizadas nos grandes processos decisórios que, nos anos 1920, dependiam sobretudo da política café-com-leite, da união entre São Paulo e Minas Gerais.

  • Morte gloriosa

    Neste Dia de Finados pensamos na morte. E pensamos na morte como uma coisa triste, melancólica, o fim da nossa existência ou da existência de pessoas que foram importantes para nós e que desapareceram para sempre de nossas vidas.

  • Aprendendo a conviver com a morte

    Numa semana que teve em seu início o Dia de Finados a pergunta até que cabe: como aprendem os médicos a conviver com a morte? De forma gradual, é a resposta. Coisa que constatei por experiência própria. Nosso curso começava, classicamente, com a disciplina de anatomia. Depois de algumas aulas teóricas, fomos um dia levados para o necrotério da faculdade, que ficava no andar inferior do prédio da Rua Sarmento Leite. As portas se abriram; sobre as mesas de alumínio, estavam cerca de 20 corpos, rígidos, à nossa espera. O cadáver que tocou a nosso grupo era o de uma mulher, ainda jovem, fisionomia inexpressiva. Muitas vezes interroguei-me a respeito de quem, afinal, teria sido essa pessoa; mas nunca consegui pensar nela como um ser humano, mesmo porque, preservado pelo formol, o cadáver adquiria uma aparência de coisa sintética. Algo, se não benéfico, pelo menos pragmático: à entrada do necrotério, bem poderia estar inscrita uma paráfrase de Dante: “Deixai de lado todas as emoções, ó vós que aqui entrais, e pensai exclusivamente no aprendizado da profissão.” A morte agora tinha penetrado em nossas vidas e delas não mais sairia. Na fase clínica do curso estagiávamos na Santa Casa, onde casos graves eram a regra. Muitas vezes chegávamos de manhã e víamos, sobre o leito que até a noite anterior havia sido ocupado por nosso paciente (uma pessoa com a qual não raro estabelecíamos laços de amizade), o colchão enrolado. Cena tão eloquente como desanimadora. Como desanimador, apesar de instrutivo, era proceder à necropsia desses pacientes. Obedecendo a uma necessidade interior, íamos construindo nossas defesas contra a angústia, resultantes do conhecimento técnico e científico, que condicionava nosso modo de pensar, e até o de falar, o jargão médico: “Ele fez um edema agudo de pulmão...” Ele fez: era o paciente que tinha feito o edema agudo de pulmão, o seu corpo. Desse corpo era a responsabilidade do óbito que aliás raramente presenciávamos. A mim, particularmente, o momento da verdade chegou quando eu já era residente em Medicina Interna. Uma noite atendemos, no Hospital São Francisco, uma mulher que havia sido internada por grave insuficiência renal. Seu estado era absolutamente desesperador, e ali estava o grupo de médicos lutando para salvar a pobre criatura. Esforço inútil porque, como previsto, a paciente acabou morrendo. Curvado sobre ela, presenciei o momento exato do óbito: o relaxamento da musculatura facial, uma súbita e impressionante palidez, e pronto, a vida a deixara, dissolvera-se nas trevas da noite lá fora.

  • O novo livro de Scliar

    Leitor compulsivo até os 40 anos, lendo tudo o que podia e não podia, comecei a esmorecer quando meti na cabeça que eu próprio podia escrever livros. Nos últimos tempos, prefiro reler - daí que não estou atualizado com a literatura que agora se fabrica. Mesmo assim, tive um momento de verdade ao ler o último romance de Moacyr Scliar, 'Eu vos abraço, milhões'.