Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira
Editorial
Rosiska Darcy de Oliveira
O sertão é dentro da gente”, já sabia e nos ensinou Riobaldo. Sim, tinha razão. A cada um a travessia do seu grande sertão, suas veredas. Mas há um “dentro da gente” que é comum a todos nós e a isso se chama Cultura. É ela que faz um povo. É ela, a que nasce do povo, e que, viva, o mantém vivo. É ela, a cultura que toma a palavra para falar de si, de nós, nesse número da Revista Brasileira.
Uma cultura viva que nos dá forma e identidade. “Brasileiro que nem eu. Que nem quem?”, pergunta então Bia Lessa, fustigando Mario de Andrade, em uma uma de suas exposições. Bia que pôs em cena e na tela a obra grandiosa de Guimarães Rosa. Afinal, somos tantos e tão diversos!
João Ubaldo em seu Viva o povo brasileiro dá as pistas para uma resposta. Um retrato de Ubaldo, pintado com vários textos dele e sobre ele, evoca uma das obras literárias mais expressivas e multifacetadas de nossa cultura.
A cultura está viva nos versos do cordel e nas xilogravuras de J. Borges. Na ArteNatureza, em Inhotim, onde se inaugura a primeira simbiose entre flores e jardins de infinitos tons de verde, e Hélio Oiticica, Adriana Varejão, Lygia Pape e Tunga. A morte ronda os humanos, mas a cultura sobrevive ao fogo que matou Zé Celso. O teatro encontrou as palavras de Fernanda Montenegro para garantir sua imortalidade e a voz do Oficina para dar continuidade à montagem da “Queda do céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert.
A morte levou José Murilo de Carvalho, mas não apagou a história que ele decifrou com os olhos da lucidez e da inteligência. Zé Murilo iluminou zonas de sombra de um passado sem o qual não se entende o presente. Na cultura vivem esse passado e o presente, os que a fizeram e os que continuam a fazê-la.
Entender quem somos nós, assumir a autoria do ser brasileiro é o desafio de cada página da Revista Brasileira.
Perguntem ao Dr. Drauzio Varella sobre os brasileiros e as brasileiras que vivem no mundo subterrâneo dos presídios e de quem ele trata sem julgamento ou preconceito. O que terá feito a Dra. Nise da Silveira descobrir a arte que se esconde na loucura e cura? Presidiários, loucos, a miséria da condição humana, brasileiros que nem nós.
Perguntem a Clayton Nascimento quem são os “Macacos” que vivem e morrem nas favelas e ressuscitam em revolta, na sua pele seminua no palco de teatros lotados? São brasileiros.
A ficção, a literatura é a arte de se aproximar, infiltrando-se por mil brechas, do insondável ser humano. Escrever tem um porquê, segundo Mia Couto. Ana Miranda se aproxima de si em uma biografia sonhada. Denominador comum, a intimidade com o mistério e a língua portuguesa.
Todos foram, são, veredas dessa Cultura Viva, todos presentes nesse número da Revista Brasileira.