Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira

Editorial
Rosiska Darcy de Oliveira
Ocupante da Cadeira 10 na Academia Brasileira de Letras.
Ventanias e tempestades, terremotos e tsunamis, verão no inverno e outono sem primavera, para tudo isso há um conceito novo: eventos extremos, mudanças climáticas — maneiras elegantes de dizer que a Natureza tomou a palavra e entrou com força na agenda política em escala global. De cenário passivo da predação humana ela passou a fator relevante de soluções para os problemas de um planeta imerso em uma policrise ambiental, geopolítica e econômica.
O transe que convulsiona a Terra confronta a humanidade a catástrofes anunciadas que pareciam longínquas, e que vão se incorporando ao dia a dia, como um estilo de vida. Apesar da evidência desses desastres, as medidas necessárias para contê-los, com a urgência que exigem, avançam em ritmo lento. O tempo da Natureza não acerta o passo à complexidade das negociações diplomáticas.
Em novembro próximo, em Belém do Pará, a COP 30, conferência de aflições planetárias, tentará uma agenda mais eficaz. Na Presidência, o Embaixador André Corrêa do Lago falou à Revista Brasileira, ajudando a medir a gravidade do que estará em jogo.
Outras vozes influentes, como a de Izabella Teixeira, acentuaram a relevância do Brasil e seus recursos naturais, alguns bem conhecidos, como a Floresta Amazônica, outros invisíveis, como os minerais raros, essenciais às tecnologias contemporâneas. Com tantos trunfos, são grandes as oportunidades que se abrem para um país que é provedor de soluções. Saberemos, como nação, aproveitar essas oportunidades, pergunta Fernando Gabeira?
A força anunciadora da arte já denunciava nas esculturas de Frans Krajcberg ou nas fotos de Claudia Andujar o fatal desacordo do projeto humano com a Natureza. Reinventar essa convivência é a inescapável exigência do nosso tempo.
Edmar Bacha resume as interrogações de um mundo globalizado, em que a inteligência artificial invade a sociedade e a economia, guerras e outras misérias jogam nas estradas hordas de migrantes, e o aumento da longevidade redesenha a forma piramidal da demografia. Radiografia de um contemporâneo ameaçador.
Ilustrando a relevância do Brasil no mundo, a trajetória do imortal Cacá Diegues, de Maceió a Cannes, conta um momento maior da cultura brasileira, quando pela primeira vez “nosso cinema era definido por seus próprios critérios, éticos e estéticos... Uma nova geografia humana ganhava as telas. A luz dos trópicos estourava o negativo e nos traduzia”, diz o texto de Walter Salles. O Retrato de Cacá Diegues registra a vida vivida e sonhada pelo Cinema Novo em um país até então periférico.
Não é um fato banal que um jornal faça cem anos. Quando O Globo comemora seu centenário, Merval Pereira, que lá viveu boa parte de sua carreira, testemunha e protagonista dessa façanha que é colocar um jornal nas bancas todos os dias, espelha na história do jornal as tensões, emoções e a dramaticidade que são a vida mesma do jornalismo, uma forma de literatura confrontada com o enredo da vida real.
Na escrita de Ana Maria Gonçalves, em seu romance Um defeito de cor, uma história familiar que começa na África precede os porões dos navios negreiros e neles se prolonga, desnuda a abjeta escravização. Como Ana Maria não escreve sozinha, essa história chega com ela, na excelência de sua escrita, à Academia Brasileira de Letras.
É do Brasil que se trata, e de um momento agudo de sua História, quando seus contornos como potência ambiental e cultural são cada vez mais nítidos.