Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira
Editorial
Rosiska Darcy de Oliveira
A Revista Brasileira volta à cena e acende as gambiarras sobre a cultura brasileira em suas múltiplas expressões. Escritores que contam suas escritas, a vida nos palcos e o ofício do ator, os sons, palavras e imagens do Brasil, tantas linguagens brotadas do mesmo chão, confirmando quão imenso e complexo é esse país, eivado de imperfeições e desigualdades, assim como de talentos e ideais. E que resta amado por seu povo, como afirmam seus artistas maiores, os fazedores de uma cultura viva e original, capaz de inspirar um mundo incompreensível, opaco e sombrio, onde se digladiam potências, modelos cuja validade expirou.
Com sobressaltos, ameaças e emoções desencontradas, o ano de 2023 no Brasil começou tempestuoso, deixando a sensação de muitas vidas vividas em três meses. Um governo democraticamente eleito, uma semana depois de empossado, sofre e resiste a uma tentativa de golpe canhestra, mas sinistra. A intolerância quer destruir tudo em sua fúria fanática. Devastadora, deixou cicatrizes, analisadas neste número por alguns dos melhores intérpretes do país contemporâneo.
A democracia, como redefinir essa aspiração de tantos, exposta ao assédio de tecnologias que permitem sua corrosão e vertebram comportamentos criminosos? Na era virtual, que forma tomará?
O campo da ciência, também crivado de interrogações, habita um universo de inovações, que mais parecem futuro, mas já convivem conosco, infiltradas no cotidiano.
A biotecnologia acena com o fantasma da Criatura nascida da imaginação de Mary Shelley numa noite de tempestade do século XIX sob raios e trovões que iluminavam as águas do lago Leman, assombrando os convidados de Lorde Byron. A Criatura de Frankenstein, então um delírio literário, ronda o mundo em nossos dias, quando a audácia com que a ciência transforma a natureza se exerce agora sobre a natureza humana. Um chip no cérebro muda uma personalidade, suscitando questões éticas, e a ética é a mais nobre evolução da selvagem natureza humana. Tão arriscada quanto a biotecnologia é a inteligência artificial, nossa rival incorpórea que transforma a memória quase infinita em raciocínio e promete criar como qualquer artista. Escreverá livros como nós escrevemos, apropriando-se do mistério da criação? Poemas? Debaterá questões éticas, como fazemos aqui a propósito dela mesma?
O tempo é de perguntas em forma de imaginação, de pensamento, de conhecimento, de sensibilidades. Tudo com que se faz uma cultura. E é dessa multifacetada cultura que se trata aqui.
O passado guarda segredos, e há felizmente quem o preserve. São achados que contam o Brasil com o mesmo talento dos que falam de hoje e de amanhã. Um melômano audaz que segue e grava Stravinsky, clandestinamente, nos anos 1960, durante um ensaio na Igreja da Candelária; a ópera no Rio de Janeiro do século XIX; as heroínas que mereceram a homenagem dos selos; o fado, quem diria, que nasceu no Brasil com destino transgressor. Tudo isso é a história não contada do país que visita as páginas da Revista Brasileira.
Escrevemos em português, nossa língua. Língua portuguesa, ou língua brasileira, é em português que debatemos, qualquer que seja a posição do autor. Os diferentes pontos de vista ampliam o raio de visão e injetam mais vida nessa que, por si, já é matéria viva.
Passado, presente e futuro se encontram na Revista Brasileira. À imagem mesma da Academia Brasileira de Letras.