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Revista Brasileira nº.117 (2023. 184 pp.)

Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira

Editorial

Rosiska Darcy de Oliveira

Um país em busca de si mesmo encontra vestígios de civilização encobertos pela densidade da Floresta Amazônica. Eles contam, graças ao olhar ultravioleta dos arqueólogos, a história antiga da Amazônia, história milenar de uma gente que pisou o chão da Terra Incógnita bem antes que o grito de “terra à vista” partisse o tempo em séculos. Essa epopeia não escrita vive um momento luminoso quando a então Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Presidente da Biblioteca Nacional vão ao Vale do Javari, onde morreram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.

Desse encontro com o povo marubo resulta uma tradução da Constituição Brasileira em nheengatu, a língua familiar ao maior número de etnias da região. Simbolizando o reconhecimento dos direitos e deveres dos indígenas como cidadãos brasileiros, as mesmas autoridades voltam lá, para entregar essa tradução, em mãos, aos indígenas. Depois de séculos de uma realidade de esquecimento e exclusão, é então que a ABL elege um escritor indígena na vaga de um historiador, homenageando um Brasil ancestral. Que romance grandioso escreve o tempo!

Nesse romance trágico, tantas vezes violento, a opressão dos colonizadores sobre os povos originários tem sua metáfora perfeita na saga dos mantos de caciques tupinambá, objetos sagrados que, não se sabe por que meio, tornaram-se presentes “exóticos” entre casas reais europeias. Expostos hoje em museus do continente europeu, testemunhos da rara beleza que esses “selvagens” teciam com plumas de pássaros multicoloridos, todos habitantes de um território longínquo chamado Brasil.

Essa epopeia em curso apresenta novas tramas, surpreendentes, sempre que alguém se pergunta para onde vamos, instalando uma antena que capta os futuros possíveis e os que nos cabe inventar. Invenção e memória se alternam e se fundem na tentativa de responder aos enigmas de que estamos cercados: a chuva que cai assassina, polos que derretem em icebergs à deriva, florestas amputadas e rios que agonizam, envenenados.

Invenção e memória estão presentes também na construção de casas em que mora a história, um processo contemporâneo de contar o passado com os instrumentos e a linguagem do futuro. Quem visita a Casa de Jorge Amado e Zélia Gattai no Rio Vermelho ou a Cidade da Música da Bahia, encontra um registro da história contemporânea contada com o melhor das artes visuais. É a invenção contando a memória.

Memória, uma palavra fundadora da ABL. Os que passaram por aqui reverberam além da morte; é a promessa de seus sucessores. O retrato de Lygia Fagundes Telles é traçado por múltiplos olhares, única maneira fiel de reviver um diamante multifacetado. Assim também Ivo Pitanguy, um homem que foi tantos, cuja aventura existencial se nutriu da ciência como arte nas mãos de um cirurgião escultor. Lygia e Ivo, nascidos no mesmo ano, ambos acadêmicos, contemporâneos na ABL, tinham um encontro marcado nas páginas da Revista Brasileira para a celebração de seus cem anos.

Livros, livrarias, bibliotecas, onde mora a literatura, os livros que lemos e os que escrevemos, com arte e ciência, são os donos da casa na revista de uma academia de letras.

Sim, a arte salva, Adriana Calcanhotto tem certeza. Fernanda Montenegro e Nelson Rodrigues a ela dedicaram suas vidas – é Fernanda quem conta essa história, com a convicção que lhe deram setenta anos de palco.

Um país em busca de si mesmo prosseguirá escrevendo sua epopeia, guiado pelos ventos da arte e da boa sorte – queiram todos os deuses do Brasil que assim seja.

A todos os brasileiros, Feliz Ano Novo.

Ficha da Obra

Ano: 
2023
Páginas: 
184
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