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Artigos

  • Funciona ou é vigarice?

    A expressão “snake oil”, óleo de cobra, é geralmente usada nos Estados Unidos para designar substâncias supostamente medicamentosas que na verdade não passam de ilusão, de fraude. “Snake Oil Science”, “A ciência do óleo de cobra”, foi o título que o pesquisador norte-americano R. Barker Bausell escolheu para dar a um livro recentemente publicado pela importante editora da Universidade de Oxford. O autor examina aquilo que é conhecido como medicina alternativa, uma enorme variedade de procedimentos e de medicamentos que inclui, a propósito, o próprio óleo de cobra, há muito tempo usado na China para tratamento de reumatismo. Vigarice? Mas o óleo de cobra é rico em ácido eicosapentaenoico, que seria uma substância anti-inflamatória. Surge daí a pergunta básica: como podemos saber que um determinado tratamento funciona e não é vigarice?

  • O intelectual como goleiro

    Albert Camus, cujo cinquentenário de falecimento ocorreu ontem, era um grande escritor, autor de O Estrangeiro e de outras notáveis obras, e um intelectual atuante, conhecido pela coragem e pela independência. Nascido na Argélia, Camus formou-se em filosofia, foi por um breve período membro do Partido Comunista, emigrou para a França, participou na resistência contra a ocupação nazista e viveu aquele extraordinário, e tumultuado, período que se seguiu à II Guerra, marcado pela ascensão da esquerda, e, na França, pelo apogeu do existencialismo. Camus era amigo de Jean-Paul Sartre, mas acabaram rompendo. Sartre aderiu ao comunismo, tornou-se maoísta e justificava os excessos cometidos pelo regime com o argumento de que mais vale sujar as mãos do que ficar em cima do muro: não por acaso, é autor de uma peça chamada Les Mains Sales, As Mãos Sujas, que fala exatamente disso, dos dilemas dos intelectuais. Camus defendia a independência destes; na guerra de independência da Argélia, manifestou-se sobretudo contra o terrorismo usado pelos guerrilheiros. Posição controversa, portanto.

  • A medicina como uma causa

    Participei com a doutora Zilda Arns Neumann, que era médica, em atividades da área de saúde pública; mais recentemente, integramos, junto com os doutores Adib Jatene, Cesar Victora e Paulo Buss, entre outros, a Comissão Nacional dos Determinantes Sociais em Saúde, que elaborou um diagnóstico sobre a situação de saúde do Brasil. Formada em Medicina, a catarinense Zilda Arns trabalhou como pediatra e sanitarista. Não era, no entanto, o caráter técnico de sua atividade que impressionava, e fascinava, os que a conheciam. Era, sim, a extrema generosidade que demonstrou na coordenação da Pastoral da Criança, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (a propósito, era irmã de dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo emérito de São Paulo). Mais de 150 mil voluntários colaboraram com a Pastoral em 30 mil comunidades paupérrimas. Por seu trabalho, Zilda Arns foi indicada, durante três anos seguidos, ao Prêmio Nobel da Paz. Ela representava, melhor do que ninguém, aquilo que, desde tempos remotos, tem sido um característico essencial da atividade médica: a compaixão, o desejo de ajudar os outros. A medicina é hoje uma profissão em grande parte regida pela tecnologia, o que é compreensível, pois as novas tecnologias, aplicadas ao diagnóstico e ao tratamento, salvam vidas sem conta. Mas, ao fim e ao cabo, a prática médica, aí incluída a prática de saúde pública, expressa-se numa relação entre seres humanos, e a compaixão (que não significa ter pena, mas sim refere-se àquela empatia essencial para compreender o sofrimento alheio) é aí um elemento essencial. Foi a compaixão que levou a doutora Zilda ao Haiti, onde veio a falecer.

  • Clone

    Como muitos, tive meu cartão de crédito clonado. Felizmente, o Banco do Brasil foi rápido em detectar o problema e em adotar as providências (obrigado, gerente Marisa Giareta), e assim o aborrecimento durou pouco. Mas quando recebi o extrato com as despesas feitas por Mr. Clone fiquei impressionado.

  • Rugas & sorrisos

    Existe um tipo peculiar de ruga, conhecido desde a antiguidade como o “ômega melancólico”. Fica no meio da testa e tem a forma da letra grega ômega. É uma evidência da melancolia, aquela tristeza filosófica que no passado caracterizava os espíritos superiores (hoje, falamos de depressão, que não é a mesma coisa). É muito curioso que a ruga faça alusão a uma letra e que é, a propósito, a última do alfabeto grego. Porque podemos dizer que as rugas são, em parte, a vida escrita na nossa face. ***

  • Uma bipolaridade brasileira

    Nesta época do ano, Porto Alegre, à semelhança do que acontece com muitas cidades brasileiras, se esvazia: vai todo o mundo para a praia. Só ficam os autoproclamados membros da Sapa, Sociedade dos Amigos de Porto Alegre, êmula das sociedades existentes nas praias do litoral gaúcho: a Sociedade dos Amigos de Tramandaí, a Sociedade dos Amigos de Torres, e assim por diante. Os afiliados da Sapa podem contar com um trânsito ameno, com restaurantes nunca lotados, com ausência de filas nos cinemas (mas, em compensação, precisam enfrentar um calor infernal. Nem tudo é perfeito).

  • Símbolos em discussão

    Como era de esperar, o Programa Nacional de Direitos Humanos está provocando controvérsias. As questões envolvidas são delicadas, para dizer o mínimo; às vezes, mobilizam antigos ressentimentos e têm inegável conotação emocional. Por outro lado, controvérsia é uma coisa boa, e faz parte do debate democrático. Pior ocorre quando a controvérsia é suspensa, sobretudo pela força. Uma experiência pela qual o país passou e que quer, com toda a razão, evitar.

  • Os brasileiros e seus nomes

    Quais são os nomes preferidos dos pais brasileiros? Para responder a esta pergunta foi feita uma pesquisa abrangendo 28 mil bebês filhos de usuários cadastrados no portal BabyCenterBrasil.com, um site que proporciona informações acerca de saúde infantil, gestação etc. É uma amostra significativa da nossa população? Não, não é. A maior parte desse público vive na Região Sudeste e é de classe média e alta. Mas vale a pena conhecer as preferências de um grupo que funciona como verdadeira caixa de ressonância do país, o grupo em grande parte responsável pela chamada opinião pública. A lista inclui os cem nomes mais comuns de meninos e os cem nomes mais comuns de meninas.

  • A fórmula da arte

    Em matéria de computação ele era, todos o reconheciam, um gênio, dessas pessoas cujo cérebro parece estar diretamente conectado a todos hardwares e softwares do mundo. Poderia, se quisesse, ganhar milhões com seus conhecimentos e suas habilidades. Qualquer firma de computação o contrataria a peso de ouro. Mas não era isso o que ele queria. O que queria, mesmo, era ser pintor. À pintura dedicava-se desde a juventude, com uma paixão impressionante. Produzia um quadro por dia. Oferecia suas obras a museus, a galerias de arte, a colecionadores. Anunciava-as no jornal e, claro, na internet. Só que ninguém queria aquilo. Porque, e nisto também havia unanimidade, todos o consideravam um pintor absolutamente medíocre, sem nenhum futuro. "Você nunca será um Van Gogh", disse-lhe um amigo, com aquela franqueza que só os bons amigos se podem permitir. Opinião que ele, contudo, não aceitou. Considerava-se um gênio não reconhecido, exatamente como Van Gogh, aliás, que não conseguira vender seus quadros, mas que, depois da morte, tornou-se uma presença obrigatória nos grandes museus. A seus olhos a única diferença era a seguinte: Van Gogh tinha descoberto uma fórmula para fazer obras de arte; ele ainda não o conseguira. Mas um dia isso aconteceria; e então o mundo se curvaria diante dele. Era só questão de tempo. E questão de sorte. E a sorte o favoreceu. Um dia leu sobre um novo programa de computador que permitia diagnosticar, por assim dizer, o processo criativo de cada pintor. Aquilo fez o seu coração bater mais forte. Não teria a menor dificuldade em criar um programa similar. E iria mais adiante: instalaria o programa numa máquina capaz de, como pintores, manejar pincéis. Isto permitiria clonar (não copiar, clonar) obras de arte. Pôs mãos à obra e em poucas semanas tinha a máquina de pintar comandada por um programa de computador. Este teria de ser alimentado com dados fornecidos pela leitura óptica de uma obra de arte autêntica. E aí estava o problema: como obter, por exemplo, um Van Gogh?

  • Os casais e o ar-condicionado

    Na Porto Alegre da minha infância era comum a gente passar pelas ruas tranquilas de um bairro e ver – a altas horas da noite – gente debruçada na janela das casas. Não era curiosidade pelo que podia estar acontecendo lá fora. Era o calor. Aquelas pessoas ansiavam por um pouco do ar fresco que não encontravam em seus pequenos e abafados dormitórios.

  • O triunfo de Clarice

    Não sei se existe uma Bolsa de Valores literária, mas, se existisse, as cotações variariam nela tão amplamente quanto variam na Bolsa propriamente dita. Coisa que podemos facilmente constatar: existem autores hoje escassamente lembrados mas que, em sua época, faziam enorme sucesso, de público e/ou de crítica. Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos (1968) foi um best-seller fantástico, mas hoje, quando se pergunta aos jovens sobre esse livro, constata-se que muitos não sabem do que se trata. Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, vendeu 40 milhões de cópias em 70 países, mas, de novo, é escassamente lembrado.

  • Medicina e ficção

    “Sherlock Holmes”, de Guy Ritchie, com Robert Downey Jr. vivendo Sherlock, e Jude Law no papel de Dr. Watson, é o mais novo lançamento numa longa série de filmes. O que não deixa de surpreender. O personagem foi criado há mais de um século – e sobrevive. Por quê? Em primeiro lugar, é preciso dizer que Holmes é um produto da Inglaterra vitoriana, uma sociedade em que a repressão, sexual, inclusive, era a regra. Os instintos reprimidos emergiam sob a forma de violência física e de crimes misteriosos, como aqueles de Jack, o Estripador. Diante disso, o raciocínio passava a ser a principal arma do detetive. E este raciocínio, por sua vez, tinha uma base científica.

  • Melhorando Picasso

    Ela não entendia nada de arte, não gostava de arte, e sobretudo detestava museus. Mas estavam fazendo turismo em Nova York e, como disse o marido -ele sim, um homem culto, familiarizado com a obra dos grandes artistas- ir a Nova York e não visitar o famoso Museu Metropolitan era um verdadeiro absurdo. Coisa da qual ela acabou se dando conta; a última coisa que queria era voltar para o Brasil e ouvir de uma de suas metidas e arrogantes amigas um comentário do tipo: "Mas como, você foi a Nova York e não visitou o Metropolitan?"

  • Política & afrodisíacos

    Uma noite, em Havana, eu estava assistindo à tevê estatal, quando de repente a programação normal foi interrompida (o que não era raro) para uma intervenção de Fidel Castro. Como de hábito, ele falou horas, sob vários assuntos, mas à certa altura começou a dar conselhos sobre como criar gado. Eu o ouvia, intrigado – será que ele entendia mesmo daquele assunto? – quando de repente me dei conta: não era a informação em si o importante, era o papel que ele estava desempenhando, o papel de uma figura paternal, amistosa. O que faz parte, aliás de um paradigma, nesse tipo de liderança: lembrem o recente exemplo de Hugo Chávez, tecendo considerações sobre a duração do banho no chuveiro. Agora é a vez da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, dar recomendações. Algo surpreendente porque, em primeiro lugar, ela não faz exatamente o tipo Chávez ou Fidel (Eva Perón talvez estivesse mais próxima disso). Depois, o tema que abordou. Era a cerimônia de assinatura de um convênio governamental com representantes da indústria de produtos suínos, e na sua fala a mandatária resolveu elogiar a carne suína. O que era de se esperar. Insólito foi o ângulo que escolheu para fazer o elogio. “Comer carne de porco melhora a atividade sexual”, disse , acrescentando: “Além do mais, acho que é muito mais gostoso comer leitãozinho assado do que tomar Viagra”. E aí um depoimento pessoal: no fim de semana o casal presidencial havia jantado leitão assado. O resultado “foi impressionante”. A plateia, predominantemente masculina, ficou surpresa e um tanto constrangida, mas, por motivos óbvios, aplaudiu. O titular da Associação de Produtores Suínos, Juan Uccelli, assegurou que os dinamarqueses e japoneses, grandes consumidores de carne de porco, “têm uma sexualidade muito mais harmoniosa que os argentinos”.