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A fórmula da arte

 

Em matéria de computação ele era, todos o reconheciam, um gênio, dessas pessoas cujo cérebro parece estar diretamente conectado a todos hardwares e softwares do mundo. Poderia, se quisesse, ganhar milhões com seus conhecimentos e suas habilidades. Qualquer firma de computação o contrataria a peso de ouro. Mas não era isso o que ele queria. O que queria, mesmo, era ser pintor. À pintura dedicava-se desde a juventude, com uma paixão impressionante. Produzia um quadro por dia. Oferecia suas obras a museus, a galerias de arte, a colecionadores. Anunciava-as no jornal e, claro, na internet.

 

Só que ninguém queria aquilo. Porque, e nisto também havia unanimidade, todos o consideravam um pintor absolutamente medíocre, sem nenhum futuro. "Você nunca será um Van Gogh", disse-lhe um amigo, com aquela franqueza que só os bons amigos se podem permitir.

 

Opinião que ele, contudo, não aceitou. Considerava-se um gênio não reconhecido, exatamente como Van Gogh, aliás, que não conseguira vender seus quadros, mas que, depois da morte, tornou-se uma presença obrigatória nos grandes museus. A seus olhos a única diferença era a seguinte: Van Gogh tinha descoberto uma fórmula para fazer obras de arte; ele ainda não o conseguira. Mas um dia isso aconteceria; e então o mundo se curvaria diante dele. Era só questão de tempo. E questão de sorte. E a sorte o favoreceu. Um dia leu sobre um novo programa de computador que permitia diagnosticar, por assim dizer, o processo criativo de cada pintor. Aquilo fez o seu coração bater mais forte. Não teria a menor dificuldade em criar um programa similar. E iria mais adiante: instalaria o programa numa máquina capaz de, como pintores, manejar pincéis. Isto permitiria clonar (não copiar, clonar) obras de arte. Pôs mãos à obra e em poucas semanas tinha a máquina de pintar comandada por um programa de computador. Este teria de ser alimentado com dados fornecidos pela leitura óptica de uma obra de arte autêntica. E aí estava o problema: como obter, por exemplo, um Van Gogh?


Resposta: roubando-o de um museu. Melhor dizendo, tomando-o por empréstimo. Sim, porque uma vez examinado pelo programa, o quadro poderia ser devolvido. E ele então exibiria publicamente o clone artístico, mostrando que a arte está ao alcance de todos.


Subtrair o quadro do museu (um Van Goh, naturalmente) não foi difícil: ele contou com a ajuda de um segurança. Também não foi difícil fazer funcionar o programa e o mecanismo de pintura que ele acionava. O quadro resultante era igual, absolutamente igual, ao Van Gogh que ele copiara.

 

E este é o problema. Terminada a tarefa, ele, um tanto atrapalhado, misturou os quadros e já não sabe mais qual é o original, qual é o clone. O que lhe cria um problema de consciência. Quer devolver o Van Gogh para o museu, mas qual é mesmo o Van Gogh? Só há uma pessoa a quem ele poderia perguntar, um artista chamado Vincent Van Gogh. Mas este, infelizmente, está fora de alcance. E não há nenhum programa de computador que o possa localizar.


Folha de S. Paulo, 11/1/2010