Essa publicação faz parte da coleção Revista Brasileira
Editorial
Rosiska Darcy de Oliveira
Que tempo cheio de História, este segundo semestre do ano de 2022! Celebramos, neste número, a emergência de vozes ancestrais que, ao longo dos séculos, geraram uma cultura original feita do encontro e mistura de uma gente de origens tão distantes para dar vida a quem somos nós, os brasileiros. Essas vozes, ainda que abafadas por séculos de abandono, escravidão, preconceito e discriminação, sempre estiveram presen- tes em quem somos, embora ainda tenham, hoje, que lutar para se fazer escutar. A Revista Brasileira dá a palavra a essas vozes que hão de ser, cada vez mais, influen- tes na nossa identidade.
Comemoramos o bicentenário da Independência, tema de alta complexidade, que suscita controvérsias: há, sim ou não, o que comemorar? Sobre que bases jurí- dicas foi proclamada a Independência? Em nome de que interesses políticos e econômicos? Onde e como se foi dando esse processo que culminou na ruptura dos laços com a Metrópole e deixou como herança muito do que hoje é o país?In- dependência que os historiadores, duzentos anos depois, ainda inter- pretam colocando um bemol no entu- siasmo. A História do Brasil pede um largo vitral de opiniões que permita uma visão mais clara de quem somos.
A fundação da Academia Brasileira de Letras, há 125 anos, fechando o século XIX, é também um marco que merece comemoração, já que ninguém conta melhor a verdade de um país que a sua literatura. Ao longo de sua história, a ABL, reunindo os grandes ficcionistas, historiadores, pensado- res e cientistas, guarda em seus anais e nas obras de acadêmicos e acadêmi- cas um formidável registro da História do Brasil, contada em forma de ficção, poesia, ensaio, ciência e arte.
Por 125 a nossa ABL foi palco de debates que, parecendo, ao primeiro exame, dedicados a assuntos internos, de fato refletiram tensões que estavam presentes na efervescência da sociedade. Foi assim com a crítica ao suposto con- servadorismo da Casa, que levou um jovem rebelde, de nome Jorge Amado, a fun- dar, com outros rapazes inquietos, em um centro espírita de Salvador, a Academia dos Rebeldes para opor-se à ABL. Anos mais tarde, ainda e sempre rebelde, ao tomar posse na Academia, o grande Jorge evocou com carinho, em seu discurso, essa insólita aventura.
Arrastou-se por oito décadas o debate sobre a não elegibilidade de mulheres, tão longo quanto a sobrevida dos preconceitos e tão anacrônico quanto a visão do mundo de que se inspiravam.
Mais duradoura ainda, persiste a interrogação sobre a exclusividade das Letras como fronteira da Academia. A ampliação do campo da literatura a outras formas de expressão como teatro, cinema, poesia cantada, televisão, dilui essa fronteira e complexifica a resposta.
A Revista Brasileira, comemorando a diversidade dos brasileiros, põe em cena essa pluralidade de vozes que, dissonantes, exprimem a riqueza de um país mul- ticultural que se vai fazendo mais e mais democrático. Comemorando a Inde- pendência, celebra nossa Nação como uma comunidade de destino que se faz à medida mesma em que se vai cumprindo.
Nos 125 anos da Academia Brasileira de Letras, a Revista presta tributo aos bra- sileiros, à Literatura e aos criadores em língua portuguesa que a ABL abriga, e à liberdade, o ar que respiramos. Esse tributo é o nosso fervoroso elogio à Demo- cracia, quando ela tanto precisa de nós.