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Artigos

 
  • Viajar, viajar

    O GLOBO em, em 24/03/2002

    Estou em Paris e sou um fenômeno. Pagaram minha passagem, deram-me ajuda de custos e aqui estou eu. Dirão vós: que há de tão fenomenal nisso? Afinal, alguns brasileiros, talvez em número bem maior do que estimamos, já estiveram ou estarão em Paris. Verdade, verdade, mas meu caso é raro, pois que sou o único que se queixa de viajar a uma cidade sem rival e, com perdão da má palavra, imperdível, ainda por cima sem gastar praticamente nada do parco dinheirinho que ganho escrevendo coisas sem as quais o mundo permaneceria tal e qual. Verdade, verdade, mas encaro minhas viagens como uma sina, porque detesto viajar e cada vez detesto mais. Conto-vos por quê, na esperança de encontrar alguma compreensão.

  • O diálogo contra a Cruzada

    Jornal do Comércio (RJ) em, em 15/03/2002

    Realiza-se neste começo de março o primeiro diálogo entre o Islã e o Ocidente, na resposta com que a Academia da Latinidade acolheu o pedido do presidente Khatami, para descompressão do fechamento das fronteiras da cabeça no mundo contemporâneo.

  • Cenário reinaugural

    Jornal do Comércio (SP) em, em 12/03/2002

    Tudo não passou, como disse, com uma ponta de cinismo, o presidente da República, de uma gota d'água, e vai se arranjar, com o tempo. É o clássico dar tempo ao tempo. Não deixa de ter razão e os próceres do PFL, também, de sua parte, têm razão. Não podem viver longe do poder, e vão deixar passar o tufão Roseana, tufão que sempre tem nomes de mulheres para se acomodarem de maneira a serem e não serem adeptos de FHC, nestes últimos meses de seu governo.

  • Ovinos pela própria natureza

    O Globo em, em 10/03/2002

    Longe de mim aceitar a velha tese de que o Brasil é um país onde os conflitos sociais são resolvidos em paz, na base do jeitinho e assim por diante. Nossa História, de Canudos ao Contestado, está aí mesmo e não me deixa mentir. Ao mesmo tempo, é óbvio que nos comportamos - nós, a chamada classe média - como uma carneirada sem rival. Resignamo-nos a tudo, até mesmo a sermos governados de maneira condescendente e, ao mesmo tempo, autoritária, entre mentiras, fraudes, hipocrisia e falsas alegações. Fico assim achando que, no fundo, estamos é satisfeitos com o que ocorre em nosso destino coletivo. Acostumamo-nos, por exemplo, à violência urbana e até aceitamos a tese de que ela tem exclusivamente raízes econômicas. Não é inteiramente correto. Tem raízes econômicas, certo, mas também tem raízes culturais muito fortes, eis que, se pobreza e miséria gerassem necessariamente criminalidade, a Índia e Bangladesh, para ficar somente em dois exemplos, seriam matadouros humanos, onde se assaltariam até templos religiosos, como já aconteceu aqui no Brasil - e vive acontecendo, com os geralmente chiques ladrões de imagens enriquecendo suas coleções à custa da pilhagem de igrejas.

  • Aprender para a vida

    Jornal do Comércio (SP) em, em 09/03/2002

    Uma das características do taylorismo era o trabalho até os limites permitidos pela fadiga. Quando ela se pronunciava, trocava-se o trabalhador por outro, sem a menor contemplação. Não havia jornada de trabalho, aposentadoria, licença-maternidade, nada disso. E não foi há tanto tempo assim (menos de 100 anos).

  • A palavra no poder

    Tribuna da Imprensa em, em 06/03/2002

    O uso da palavra pelos que estão no poder - isto é, da palavra que influi, que muda uma comunidade e abre caminhos - é um de seus aspectos em que às vezes menos prestamos a atenção. Dos políticos recentes - a partir da Revolução de 30, digamos - lembro-me sempre de Otávio Mangabeira, não só o parlamentar, mas também o acadêmico. Quem quer haja estado presente à sessão solene promovida pela Academia Brasileira de Letras em 1958, para comemorar o cinqüentenário da morte de Machado de Assis, não terá esquecido a mistura de leveza e força que Mangabeira utilizou, ao falar, de improviso, sobre nosso maior escritor, cuja cadeira Otávio ocupava.

  • A cor da nossa febre

    Folha de São Paulo em, em 03/03/2002

    Na véspera do acidente que levou o "Titanic" para o fundo do oceano, houve uma reunião no salão nobre do navio a fim de que se escolhesse a cor que deveria predominar no baile que os passageiros estavam programando para a noite anterior à chegada a Nova York. Na antevéspera do naufrágio, a sociedade local, ou seja, os passageiros da primeira classe, estava dividida: havia um grupo a favor do amarelo, outro a favor do azul-turquesa. Os debates foram prolongados e registrou-se um empate técnico. Chamaram o comandante do navio para desempatar. Àquela hora, seguramente, o iceberg que arrebentaria o navio já estava em rota de colisão com o casco do "Titanic". Mas o velho lobo-do-mar adotou a posição que nós, brasileiros, muito conhecemos: ficou em cima do muro (embora estivesse em cima de águas geladas). Disse que, ouvidas as consciências de cada qual, os passageiros podiam vir de amarelo ou de azul - ali reinava a tradicional democracia, o decantado liberalismo do Império Britânico. Não é o caso de compararmos o Brasil a um navio condenado. Por mais pessimista que eu seja, não chegaria a tanto. Mas nosso ufanismo infanto-juvenil tem alguma coisa a ver com a confiança que depositamos num colosso insubmergível. Garantem que isso jamais acontecerá - o Brasil jamais cairá no abismo, porque é maior do que o abismo. Muito bonito. Folgo que assim o seja. E, se dependesse de mim, tudo faria para que continuasse assim, maior do que o abismo. Mas fico desconfiado quando constato a mediocridade de nosso debate político. Perdemos espaço e tempo discutindo a cor de nossas fantasias cívicas, se devemos eleger mulheres ou não, se os prefeitos do PT foram mortos por motivos políticos ou pessoais. Enquanto isso (ou "entrementes", como nas histórias em quadrinhos), um mosquito vagabundo com nome em latim nos remete ao tempo da febre, essa sim, amarela.

  • Morrer sonhando

    Correio Braziliense em, em 03/02/2002

    Sempre me sinto entra e vida e a morte, mais para a morte do que para a vida, neste calor medonho do verão do Rio. Um calor de boca do inferno, um ar pesado que pode ser tirado às colheradas. Em plena praia do Leblon, mesmo com o pé na água, se você riscar um fósforo, ele queima sem tremer até lhe sapecar o dedo. E, nesse ambiente de forno, a gente, talvez por associação, sonha com um iglu, daqueles dos esquimós, todo armado em tijolinhos de gelo, no feitio dos fornos de barro, do sertão. Dentro do iglu, em vez desse suor viscoso que nos gruda a roupa à pele, uma gotinha de água gelada de vez em quando nos pinga no rosto, ou pousa, feito uma pérola, nos pelos de nosso agasalho de couro. O iglu é, assim, uma visão de paraíso, miragem de viajante derrubado pela insolação na areia ardente do deserto.

  • Fratura social apavorante

    Estado de São Paulo em, em 02/02/2002

    Como já é do conhecimento comum, nas últimas décadas do século passado, sob a pressão das mudanças operadas no plano das idéias e dos processos tecnológicos, deu-se o que se convencionou chamar "revolução da mulher". Esta consistiu não apenas no acesso da mulher a postos de trabalho antes exercidos apenas por homens, como no surgimento de novas entidades familiares, como, por exemplo, a "união estável", criada pela Constituição de 1988.Ao lado desses fatos, ocorreu também uma queda relevante no plano moral, crecendo o número de pais que não hesitam em abandonar os filhos havidos no matrimônio e outras uniões familiares, quer para constituir outras, quer para fugir às responsabilidades que resultam da paternidade.

  • Meio-dia em Porto Alegre

    Jornal do Commercio em, em 01/02/2002

    É só vermos os jornais europeus, e a força da primeira página dos cotidianos franceses, para nos darmos conta do impacto que a reunião de Porto Alegre ora ganhou, muito para além das escaramuças do anti-Davos inicial, no ano passado. É quase como se invertessem as posições. A capital gaúcha parece dar o tom da temática de um primeiro encontro sobre o "que fazer" mundial, espicaçado pelo 11 de setembro, e pelos riscos que uma "civilização do medo" antepõe ao clássico confronto Norte-Sul e à oratória exangue dos ricos e pobres. Ou do palavreado fóssil com que os senhores do mundo debruçam-se sobre as ditas periferias, quando, hoje, uma subversão cultural nasce dos ossos da miséria e da exclusão sem volta.Os cenários se transportam. E é, sobretudo, como multibusca às saídas do neoliberalismo que vai à rinha a capital rio-grandense.

  • Horizonte infinito

    O Globo em, em 25/01/2002

    Estamos vivendo os tempos da chamada "rodada do milênio", cuja maior característica é a eliminação de barreiras de toda sorte. No mundo da educação, complexo e fascinante, busca-se uma solução global, com a escola multicultural de que carecemos. O comércio eletrônico está na pauta de todas as negociações da Organização Mundial do Comércio, e por uma razão objetiva: representou um movimento de 300 bilhões de dólares na virada do século.

  • Aqui me tens de regresso

    O GLOBO em, em 13/01/2002

    Tenho um fã aqui no Leblon, sobre quem só sei que o apelido é Gugu e que freqüenta botecos na Rua Humberto de Campos, e que, toda vez que me vê, junta as mãos, curva-se para a frente numa atitude de veneração meio oriental e o mínimo que faz é me chamar repetidamente de “mestre”. Às vezes ele também me beija as mãos. Trata-se de um homem meio careca, aparentando, acho eu, 40 e poucos anos. Pois bem, estou eu na Bartolomeu Mitre, aqui pertinho de casa, esperando um táxi passar, quando Gugu surgiu não sei de onde e começou a mesma rotina, só que desta vez com abraços e me beijando fervorosamente as mãos. Eu já tinha acenado para um táxi, que parou, e consegui fazer um sinal para o motorista para que ele esperasse que Gugu acabasse seus ritos de saudação. E Gugu, num rompante entusiástico, disse que não queria atrapalhar, porque estava vendo o táxi à minha espera e me tacou um beijo na bochecha. Agradeci atabalhoadamente, entrei no táxi e contrariando, como sempre faço, o lema de Henry Ford III ( never explain, never apologize - nunca explique, nunca peça desculpas), dei uma explicação ao motorista.

  • Machado e o realismo cético

    Tribuna da Imprensa em, em 09/01/2002

    Vive a literatura brasileira sob a inarredável presença de Machado de Assis, que nos empurra de um lado para outro, exige que o decifremos e analisemos, que o neguemos várias vezes antes de curvarmos a cabeça diante de sua força. Quem foi na realidade o Bruxo, de que maneira se apossou ele da inteligência e das emoções de um País? Conquistou um estilo que não se confunde com nenhum outro, compreendeu-nos como ninguém e até zombou de nós todos que vivemos neste vale de ciúmes.

  • A fábula do homem e seu garrafão

    Correio Braziliense em, em 07/01/2002

    Pelo interior do Brasil é comum a presença de um cara que é chamado de "propagandista". Aqui pelo estado do Rio, antes da camelotagem desenfreada, ele era chamado também de "camelô".

  • Leopold Senghor, o poeta do socialismo africano

    Tribuna da Imprensa em em, em 02/01/2002

    A morte de Leopold Senghor foi um dos maiores desfalques sofridos pela humanidade em 2001. Perdemos, com seu desaparecimento, o poeta e o estadista, mas também o pensador que lutou para tornar compreendidos os fundamentos ontológicos do pensamento africano.Professor, parlamentar (representou o Senegal no Congresso francês), criador de um país, intérprete de um povo, defensor de um socialismo africano, isto é, um socialismo que respeitasse a realidade e a "situação da África", na linha do que ele chamou de "humanismo negro-africano", tinha Senghor consciência de que o primeiro desafio, a que os africanos precisavam responder em nosso tempo, era o do idioma.