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Discurso de recepção

Discurso de recepção por Ivan Lins

Senhor Hermes Lima,

Nascido na Bahia, estava à vossa espera nesta Casa a Cadeira que parece especialmente reservada aos vossos conterrâneos. Patrocinada por Castro Alves, foi um de seus ocupantes Euclides da Cunha, filho de baiano, ao qual sucedeu Afrânio Peixoto, representante característico da poliforme inteligência de vossa terra. A Afrânio substituiu Afonso Pena Júnior, mineiro ilustre, cujo magnífico perfil, como homem e escritor, acabais de traçar com mestria, e ele frequentemente declarava dever grande parte da felicidade de sua vida ao seu matrimônio com uma baiana.

NASCIMENTO E ADOLESCÊNCIA

Nascestes – perdoai-me a vossa juventude a indiscrição – a 22 de dezembro de 1902, em Vila Velha, hoje Livramento do Brumado, ao pé da Serra das Almas.

Dentro de um vale, opulentado pelas águas que descem das montanhas, Vila Velha, terra ubérrima, é bem diferente das caatingas, pois a banha o Brumado, principal afluente do Rio das Contas, de curso permanente e caudaloso, que, precipitando-se da serra numa cachoeira de mais de oitenta metros, irriga o município inteiro, todo ele muito verde e fértil. Quem aí compra uma terra, compra-a com a água: uma noite, um dia, horas de água.

Ficava, entretanto, Vila Velha insulada do litoral e das cidades: em vossa infância precisáveis de quatro, cinco e seis dias a cavalo para tomardes o trem rumo ao colégio na capital.

Que diferença entre essa Bahia e a de hoje, quando a estrada de rodagem, o avião e o rádio, senão a televisão, enlaçam, quase instantaneamente, pessoas, interesses e ideias! Com que emoção, em 1937, afastando-vos do Rio, ao alvorecer do Estado Novo, ouvistes, certa noite, nesse longínquo sertão, música de uma emissora europeia! No vosso tempo de adolescente, nessas paragens, “além das vozes locais, a única voz de fora, que se podia escutar, era a que o fonógrafo emitia”.

Foram vossos pais Manoel Pedro de Lima e D. Leonídia Maria de Lima. Ele viveu 85 anos, mas bem cedo tivestes a desventura de perder vossa Mãe, falecida, muito moça, em 1912, quando ainda não havíeis completado dez anos.

Comerciante e depois coletor estadual no Sertão, Manoel Pedro de Lima era homem nativamente fino. Gostava de ler, caracterizando-se pela sobriedade nas palavras e atitudes. Conta o Ministro Oswaldo Trigueiro que indo, certa vez, convosco à Bahia, a fim de examinar um concurso, lá vos encontrastes com o vosso pai, já aposentado e entrado em anos. Estáveis os três no hall do hotel, quando se aproximou velho amigo dele. Embora já fôsseis professor famoso, escritor e político de prestígio, ao fazer as apresentações, limitou-se a dizer: “Este é meu filho, que mora no Rio...”

Fostes criado em casa de vosso padrinho, Leopoldino José de Lima, casado com vossa avó materna. A ele, “em testemunho de imperecível gratidão”, dedicastes o vosso primeiro livro – Introdução à Ciência do Direito.

Era um homem típico das virtudes sertanejas. Apenas por seis meses, frequentara a escola, e, para o nível econômico da região, possuía grandes cabedais. Até serdes internado na Capital, em dia nenhum vos havíeis separado do vosso padrinho, e ao vos despedirdes na sala de visitas do Colégio, doeu-vos, como nunca, o coração.

Em Livramento frequentastes a escola primária do Professor Alfredo José da Silva, ainda hoje vivo, morando em Caiteté. Tão bem vos preparastes nessa escola que, ao chegardes ao Colégio Antônio Vieira, em Salvador, fostes logo admitido no primeiro ano ginasial.

Contáveis apenas nove dias quando Rui Barbosa entregou à Comissão de Redação do Código Civil, no Senado Federal, a sua Réplica às censuras de Carneiro Ribeiro às emendas que fizera ao projeto daquele Código.

Data, pois, de vosso nascimento a revolução ocorrida entre os nossos escritores, preocupados, desde então, em escrever certo, colocando bem, não só as ideias, mas ainda, e sobretudo, os pronomes.

Desde os vossos primeiros dias quase todos os nossos jornais passaram a abrir seções para tratar as mazelas do idioma: “Como se deve e como não se deve dizer ou escrever”...

AS REMINISCÊNCIAS DE ALIOMAR BALEEIRO

Se as impressões da infância fortemente influenciam as tendências intelectuais de um escritor, este é, sem dúvida, o vosso caso, conforme se conclui das reminiscências de vosso coestaduano e amigo, Ministro Aliomar Baleeiro, acerca de vossa personalidade. Apresentam o mais alto valor, devendo um dia constituir importante capítulo das Memórias que todos esperam sejam publicadas por vosso eminente colega no Supremo Tribunal Federal. Dessas reminiscências cabe-me o privilégio de ter tido as primícias por nímia gentileza de seu autor e delas passo a valer-me para retraçar o ambiente da Bahia de vossa infância e juventude até a formatura na Faculdade de Direito.

Testemunhastes, na infância, as sangrentas lutas de famílias pela posse das terras ou pelo predomínio político-partidário. Os coronéis, chefes de clãs, mobilizavam os seus pequenos exércitos privados e à frente deles, winchester 44 a tiracolo, empreendiam correrias guerreiras. Certa vez, presenciastes um dos mais valorosos condottieri dos sertões, o coronel Doca Medrado, passar ao lado da vossa cidadezinha, à frente dos seus comandados, para prestar assistência ao genro, Coronel Chiquinho Brasil, de Paramirim, ameaçado de ataque pelas tropas do belicoso Coronel Horácio de Matos, das Lavras Diamantinas, o qual seria mais tarde comparado, pelo conselheiro Rui Barbosa, aos sargentos transformados por Bonaparte em generais.

A realidade brasileira de uma economia ainda colonial, pelos seus rudimentares métodos de produção; de um feudalismo inerente ao domínio das terras por poucas famílias que, através de antepassados, as haviam recebido em sesmarias; de pugnas eleitorais resolvidas em atas simuladas; de um misticismo fanático das populações pobres e analfabetas; do papel do Estado reduzido ao coletor, ao senhor cabo, comandante do destacamento, ao juiz, ao promotor e ao delegado de terras, enfim todos os aspectos desoladores do hoje chamado subdesenvolvimento perpassaram pela vossa retina, atenta, de menino, plantando-vos no espírito as sementes que germinariam em vosso pendor para os estudos sociológicos com forte sentido realístico.

No começo do século não havia, no sertão baiano, ginásios e rareavam as escolas primárias. Os rebentos das famílias mais abastadas ou mais esclarecidas, quando se aproximavam da adolescência, eram levados para os colégios da velha cidade do Salvador e ali permaneciam em regime de internato, com saídas, aos domingos, para o almoço na casa do “correspondente”, em geral um negociante ou um doutor patrício da capital.

Muitos desses estabelecimentos educacionais ficaram célebres pelos discípulos ilustres ou pela cultura humanística dos seus fundadores e diretores, como o Colégio Abílio, do futuro barão de Macaúbas, o Colégio Carneiro, do sábio Ernesto Carneiro Ribeiro, o Colégio França, o Colégio Florêncio e o Colégio Ipiranga.

OS JESUÍTAS LUSOS E OS AGNÓSTICOS BAIANOS

Motivando a Proclamação da República em Portugal o êxodo dos jesuítas lusos, estes, em grande número, se refugiaram na Bahia, fundando, no Portão da Piedade, ao lado da antiga Faculdade de Direito, o Colégio Antônio Vieira, numa chácara cedo acrescida de velhos sobrados com frente para a rua. A simpatia para com os exilados e a fama do valor intelectual de alguns deles, como os Padres Antônio Ferreira e Luís Gonzaga Cabral, festejados oradores, ou do Padre francês Camilo Torrend, conceituado naturalista, consagraram o novo instituto de ensino, que passou a concorrer com os antigos.

Cursastes as humanidades com esses jesuítas e tivestes, como colega, Anísio Spínola Teixeira, outro jovem de vetusta cepa dos sertões, gente do patriarcado guerreiro, mas que deu políticos de renome, como César Zama, o orador hoje mais recordado pelo discurso de retorção de Rui Barbosa, em 1896, do que pelas suas monografias, ainda agora reeditadas, sobre os grandes capitães e os grandes oradores da Antiguidade.

Os jesuítas esmeravam-se no ensino e estimulavam o gosto literário de seus alunos, ministrando-lhes boas doses de Vernáculo, Latim e Francês. Incentivavam a leitura dos clássicos e dos filósofos e captavam os mais inteligentes para a Igreja, despertando-lhes vocação para o apostolado e o sacerdócio. Alguns, como o próprio Anísio Teixeira, chegaram a pensar em ingressar na Companhia de Jesus.

Mas, ao cabo de alguns anos, os agnósticos, que eram então muitos na Bahia e se haviam alarmado com a fundação do Colégio Antônio Vieira, observaram que suas legiões se enriqueciam pelo alistamento de ex-alunos dos jesuítas.

Muitos intelectuais da velha província não escondiam a sua descrença, numa atitude polidamente irreverente, na qual havia matizes voltairianos num consórcio um tanto confuso e anárquico de ingredientes vários – Augusto Comte, Darwin e Haeckel, Spencer, Renan e Anatole France.

A Faculdade de Direito era um foco de ceticismo, muito embora nela pontificasse também o velho Desembargador Felinto Bastos, romanista e penalista, que todos os dias, antes da aula das 8 da manhã, ouvia missa na vizinha Igreja da Piedade.

Quando lá penetrastes como calouro em 1920, já não lecionavam Moniz Sodré, Almáchio Diniz e Eduardo Espínola, que haviam emigrado para o Rio. Mas os alunos das últimas séries ainda se recordavam das ideias deles absorvidas. Afrânio Peixoto também deixara, havia vários anos, a Bahia, onde, então, circulavam exemplares do seu poema Rosa Mística e sua Medicina Legal era livro de texto para os estudantes de Direito, que o consideravam o maior romancista baiano, pondo-o acima de Xavier Marques, levado, pela Política, para o Rio.

VIRGÍLIO DE LEMOS

O exame vestibular, além de três línguas – Latim, Inglês e Francês –, exigia uma prova de História da Filosofia, Psicologia e Lógica. No último ano dos “preparatórios parcelados”, o candidato à Faculdade de Direito matriculava-se no curso particular de Filosofia do Professor Virgílio de Lemos, no sobrado da residência deste, à Rua do Caquende. No salão de cima, onde se rasgavam três sacadas batidas pela brisa da tarde, o mestre sentava-se numa escrivaninha coberta de livros, revistas, papéis amarelecidos, bolsa de fumo desfiado e cinzeiros sobrecarregados. A seus pés, dois cães: Baccarat e Rocambole. Os ouvintes instalavam-se, em círculos, nas cadeiras de palhinhas. As quatro paredes cobertas de estantes de livros, tendo, como decoração única, retratos de Augusto Comte, Spencer, Kant e outros indivíduos “de grandes barbas e bigodes” – frisa Aliomar Baleeiro.

As aulas eram informais, antes conversas do que exposições sistemáticas. Virgílio, nessa época, professor e só professor, tinha as tardes livres e gostava do convívio dos jovens. Discorria duas, e, às vezes, três horas. Tirava um livro da estante e lia um trecho. Entremeava pormenores biográficos de algum filósofo ou cometia irreverências em paralelo com figuras da atualidade brasileira. De Spinoza, Descartes, Kant, Leibniz vinha até Augusto Comte, Darwin, Spencer e os evolucionistas. Ao filho deu o nome de Haeckel de Lemos. Na parte do tempo destinada à Psicologia, familiarizava os rapazes com Janet, Bechterew, Josefa Joteyko e Pavlov, então grandes novidades. Suavemente, degrau por degrau, a crença na alma imortal e todas as conquistas dos jesuítas nos espíritos juvenis iam caindo aos pedaços, enquanto o vento da tarde sacudia os cortinados da sala de Virgílio de Lemos, e, com eles, a fé dos discípulos embevecidos.

Mas, ao mesmo tempo, escritor correto, claro, simples e elegante, alimentava nos alunos o gosto literário. Para ilustrar as emoções do medo, abria A Corja, de Camilo, e lia, em voz cadenciada, as angústias do Cônego Justino, na caçada, antes de matar o lobo.

O Gabinete Português de Leitura, a 150 metros da Faculdade, registrava excepcional frequência dos estudantes de Direito. A opulenta coleção de clássicos da língua pátria e da francesa, inclusive os mais raros, contribuiu notavelmente para a pureza vernácula das gerações que, por esses tempos, cursavam a Faculdade.

Virgílio adorava as polêmicas, muito do gosto baiano da época. Travou-as com padres, filólogos, políticos e intelectuais na imprensa local. Mas pregava, pela palavra e pelo exemplo, a tolerância e a objetividade.

Não há exagero em dizer-se que esse humanista, desde o seu curso particular até o convívio na Faculdade, onde lecionava Filosofia do Direito, exerceu sobre vós influência não ultrapassada por qualquer outro contemporâneo, talvez, não tanto pelo que vos ensinou, quanto pelos problemas, caminhos e perspectivas que acenou à curiosidade de vossa inteligência, acendendo, em vós, uma chama intelectual que não mais se apagou. Cerca de vinte anos depois, morto o mestre, havia muito, a ele dedicastes o vosso belo estudo sobre Tobias Barreto com palavras expressivas: “Á memória de Virgílio de Lemos, o mestre de minha geração na Faculdade de Direito da Bahia.”

OUTROS PROFESSORES

Em janeiro de 1920, vencido o vestibular com galhardia, já éreis calouro da Faculdade, onde, ao lado de Virgílio de Lemos, ensinavam no primeiro ano Homero Pires – jornalista, político, grande entusiasta de Rui Barbosa e conhecedor dos clássicos, bibliófilo apaixonado; o velho Conselheiro Carneiro da Rocha, antigo ministro de Pedro II – alto, corado, olhos verdes, croisé até os joelhos; Desembargador Felinto Bastos, o mestre de Direito Romano, extremamente religioso e conservador.

Então com 30 e poucos anos, Homero Pires era um dos professores mais jovens. Pertencia ao grupo dos agnósticos, e, em política, fazia áspera e assídua oposição a J. J. Seabra em O Imparcial, matutino conservador sob a sua direção. Costumava convidar, para redatores, os estudantes que despertavam a sua atenção na Faculdade. Com Pedro Calmon, fostes admitido à Redação em 1920, quando não havíeis completado 18 anos. Pedro Calmon assinava os seus artigos com as iniciais P. C., o que provocou o protesto do professor Pinto de Carvalho, médico brilhante, catedrático de Neurologia, orador dos maiores da época e que, de quando em quando, em assuntos literários ou de Crítica musical, também usava daquelas iniciais. Consequência: a atenção do público se fixou no jovem estudante que merecera a reação do professor e intelectual já consagrado.

No jornal de Homero Pires, os jovens gozavam de enorme liberdade. Assinavam seus artigos, atacavam o Governo e permitiam-se epigramas e sátiras contra imponentes figuras da intelectualidade baiana. Quando a audácia se mostrava mais desenvolta, o Governo fazia penhorar as bobinas de papel para cobrança do imposto de indústria e profissões, sempre em atraso.

Virgílio de Lemos abria o curso de Filosofia Jurídica com o que ele chamava “Propedêutica Sociológica”, iniciando os calouros em Augusto Comte, F. Giddings, Renó Worms, Gabriel Tarde e Émile Durkheim. Depois, vinham os figurões do Direito, com marcada ênfase em von Ihering. Mas o contato com Virgílio não se limitava às aulas na Faculdade, onde nem sempre era assíduo. Convocava os estudantes para sua casa e muitos, como vós, lhe ficaram profundamente afeiçoados.

Homero Pires, por outro lado, sempre vos dedicou grande simpatia e viria a ser colega de Pedro Calmon na Câmara dos Deputados, de 1935 a 1937. Um dos oradores à beira do seu túmulo há poucos anos, no Rio, foi Pedro Calmon, que lhe fez um necrológio veraz, sóbrio e justo, com o brilho e a eloquência de sempre.

Outra colmeia de jornalismo boêmio fervilhava no Diário da Bahia, o mesmo do moço Rui Barbosa, meio século antes. Dirigia-o, então, Henrique Câncio.

Depois de aprovado no 2.º ano, resolvestes cursar o 3.º na Faculdade de Direito do Rio e trabalhastes na Redação de A Noite, com Euricles de Matos, enviando artigos para O Imparcial, de Homero Pires, e servindo-lhe de correspondente na capital do País.

Voltastes à terra natal em 1923, passando a integrar o grupo de Câncio, no Diário da Bahia, onde já se encontravam o hoje ilustre Senador Aloísio de Carvalho Filho, Clemente Mariani, Nestor Duarte e outros. Lá estava também um rapazinho de 15 anos, que é, em nossos dias, o grave Governador Luís Viana Filho, o qual logo passaria a redator da Seção Infantil de A Tarde, de Simões Filho. Por essa ocasião, saudastes Júlio Dantas numa recepção a ele oferecida pela sociedade da Bahia.

A PRESIDÊNCIA DE ARTUR BERNARDES

A vitória de Artur Bernardes na órbita nacional iria operar muitas transformações na política baiana. A campanha presidencial fora lá comandada por Aurelino Leal, que entregou a Virgílio de Lemos a direção de A Imprensa, fundada especialmente para exaltar o candidato mineiro e malhar de rijo não só Nilo Peçanha, mas também J. J. Seabra, seu companheiro de chapa na Vice-Presidência.

O quatriênio de Seabra deveria terminar em março de 1924. No ano anterior, apoiada por Bernardes, já Presidente da República, a oposição baiana, depois de doze anos de ostracismo, preparou-se para subir ao poder, segundo os métodos políticos da época. A fim de dividi-la, Seabra, no ocaso do seu governo, adotou a candidatura de Goes Calmon, irmão de Miguel Calmon, então Ministro da Agricultura. Mas, depois, desconfiado das intenções de Bernardes, abandonou ruidosamente Goes Calmon e fez seu candidato Arlindo Leoni. Cada facção deu, como eleito, o seu candidato. Instalaram-se duas Assembleias, sendo que a da Oposição obteve medida possessória para ocupar o edifício do Legislativo. Mas com a do Governo ficou o mais importante – os funcionários e os subsídios. Ofereceram-se então voluntários, gratuitos, para a Assembleia da Oposição, e, entre eles, figurastes, Sr. Hermes Lima, pois sempre havíeis militado nas hostes oposicionistas. Estas elegeram Virgílio de Lemos e Homero Pires para a Câmara Federal e, em março de 1924, a tropa federal ocupou Salvador, sendo empossado Goes Calmon, enquanto Seabra, precipitadamente, embarcava para a Europa. Servistes como Secretário e Oficial de Gabinete de Goes Calmon e lhe indicastes o jovem Anísio Teixeira para Secretário da Educação.

DEPUTADO E LIVRE-DOCENTE

Formado em 1924, no ano seguinte, com 23 anos incompletos, éreis eleito deputado à Assembleia Legislativa da Bahia e brilhantemente vencestes o concurso para livre-docente de Sociologia no Ginásio, hoje Colégio da Bahia, com a tese “Conceito contemporâneo de Sociologia”, onde transparece, forte, a influência de Durkheim.

No mesmo ano, obtivestes, ainda por concurso, a livre-docência de Direito Constitucional na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Bahia, apresentando uma tese sobre a Intervenção Federal. Por esse tempo, duas influências marcaram os vossos trabalhos: a de Alberto Torres e a de Vilfredo Pareto. O Padre Torrend, vosso antigo e afeiçoado professor no Colégio dos Jesuítas, fizera, a vosso pedido, vir da Europa a tradução francesa da Sociologia do sábio economista e sociólogo italiano, que, involuntariamente, se tornou um dos inspiradores intelectuais do Fascismo. Pareto era, então, desconhecido dos brasileiros e fostes entre nós o primeiro de seus divulgadores na tese de 1925 e noutra de 1926, assim como em artigo publicado na Revista Jurídica da Faculdade do Rio, em 1935.

Em Alberto Torres vos arrimastes para conceituar a intervenção federal, não como medida punitiva ou corretiva de meras distorções constitucionais, porém como medida visando à orientação e ajuda para os problemas da terra e do homem. Tanto vos impressionou Alberto Torres que, durante o vosso curso na Faculdade, fundastes, com o seu nome, um Centro Acadêmico.

Apesar desses triunfos, ou talvez mesmo, por causa deles, deixastes a Bahia, onde ainda escrevestes duas teses para disputar a cátedra de Direito Constitucional nas velhas Arcadas de São Paulo, em 1925. Naquela época, o candidato ao magistério superior deveria apresentar uma tese sobre tema fixado pela Congregação e outra de livre escolha. Na primeira versastes os “Princípios Constitucionais da União”, e, na segunda, o “Direito da Revolução”, tema que, em 1881, também havia sido escolhido por Afonso Celso Júnior para a sua tese de doutoramento, em São Paulo, e nela o futuro Conde do Papa, ao referir-se às teorias sociais inovadoras de Augusto Comte, chama a este “o Cristo do século XIX”.

O vosso concurso em São Paulo foi ruidosíssimo, porque, baiano desconhecido de 23 anos, tínheis, como competidor, Sampaio Dória, já consagrado por longo tirocínio no foro e nas Letras jurídicas, e docente livre havia vários anos. Sampaio Dória venceu, mas a vossa agilidade mental, a vossa intimidade com sociólogos então quase desconhecidos no Brasil, como Durkheim e Pareto, a vossa própria juventude irreverente, a vossa personalidade descomplexada – la plume au feutre et l’orgueil sur le front – conquistaram os estudantes, que vos carregaram nos ombros, cercando-vos de delirantes ovações.

Data de São Paulo, a partir de 1926, o vosso contato com o pensamento de Karl Marx. Influiu, para isso, a vossa aproximação com Leônidas de Rezende, cuja tese de concurso tentou lançar uma ponte entre o Positivismo de Augusto Comte e o Marxismo.

Levado por Fernando Azevedo, conhecido pela segurança com que sempre soube descobrir os verdadeiros valores, lecionastes, em 1932, Sociologia no Instituto de Educação Caetano de Campos, em São Paulo.

O JORNALISTA

Aos 17 anos, como vimos, ingressastes no Jornalismo, “a Arte da vida moderna”, no conceito de Medeiros e Albuquerque.

Trazíeis uma mensagem e os portadores de mensagens não podem deixar de ser atraídos pelo jornal. Sustentou, em nossos dias, o Sumo Pontífice Pio XI que São Paulo, se vivesse no século XX, seria jornalista.

O vosso objetivo era a elevação do nível mental de nossa gente, através da cultura de sua inteligência e do aprimoramento de seus sentimentos. A fim de transmiti-la, fostes ainda, em São Paulo, a partir de 1925, redator do Correio Paulistano, da Folha da Manhã e da Folha da Noite. No Rio de Janeiro, em 1933, também como redator, estivestes no Diário de Notícias e em 1937 começastes a colaborar no Correio da Manhã.

Diante do Golpe de que resultou o Estado Novo, achastes de bom aviso sair do Rio, passando uns dias no sertão, em casa de vosso pai. De volta, ao embarcar em Salvador, vos encontrastes, a bordo, com Edmundo Bittencourt e D. Amália, que retornavam de Caldas do Cipó e se tornaram vossos amigos, convidando-vos, então, Edmundo Bittencourt para colaborar em seu jornal. E assim o destino parece que vos havia levado ao sertão unicamente a fim de vos propiciar o momento de emergir à tona da publicidade num grande órgão como o Correio da Manhã, justificando a observação popular de que “Deus escreve certo por linhas tortas”...

Tão notáveis foram os vossos artigos que de dezenas deles, mais de trinta anos passados, ainda guardo, em meu arquivo, os respectivos recortes.

Há, em vossa vida de jornalista, um episódio verdadeiramente romanesco, referido por Haryberto Miranda Jordão. Em 1927, ao chegardes certa noite, ao Correio Paulistano, de cujos quadros também faziam parte Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Cândido Motta Filho e Oswald de Andrade, havia lá um convite da Aeropostal (antiga Latecoère) para que um jornalista brasileiro fosse de avião até Paris na tentativa de um record, devendo, depois, seguir um argentino e um chileno.

Éreis moço e desejáveis conhecer a cidade que, desde Dante e Santo Tomás de Aquino, tem sido um foco de atração das inteligências mais agudas. Nesses tempos de pioneirismo, as viagens aéreas ainda apresentavam grandes riscos. Mas éreis fatalista, e, como aquele inglês das Minas do Rei Salomão, que dizia: “Se for minha sina morrer nas montanhas de Sulimã, lá morrerei ainda que lá não vá”, também pensáveis que, se fosse vosso destino morrer de desastre de aviação, dele morreríeis, atingido, de qualquer modo, por uma aeronave, não hesitastes em partir, rumo a Paris, num frágil avião de um só motor de 600 cavalos.

De São Paulo a Natal tudo correu bem. Prosseguistes para Dakar em pequeno navio, que gastaria cem horas na travessia, mas, por falhas de seu motor, consumiu oito dias. Permanecestes perto de uma semana na África Equatorial Francesa até tomardes de novo um avião em S. Luís do Senegal, às oito da noite, com bonito luar. Na altura do Cabo Juby, forte vento impeliu o avião para o mar, obrigando o piloto a afastar-se do litoral e sobrevoar o deserto. E às duas da manhã, sem combustível viu-se forçado a aterrissar em pleno Saara, fazendo-o com tanta felicidade que não se quebrou um só parafuso. Ao amanhecer, verificando que o rádio de bordo, com a bateria descarregada, não podia transmitir, traçou um plano para alcançar Vila Cisneros, possessão da Espanha nessa parte da Mauritânia. O intérprete árabe, integrante da tripulação, vetou, porém, energicamente, esse plano, por ser a travessia extremamente perigosa, correndo todos os riscos de serem aprisionados pelos árabes do deserto. A situação era angustiante, quando, à tardinha do dia seguinte, surgiu um avião para o qual fizestes, com os vossos companheiros, sinais desesperados. E ele desceu e vos salvou com os outros passageiros. Foi uma ocorrência extraordinária, que robusteceu o vosso fatalismo, pois o avião pousara no deserto sem ferir ninguém, e, naquela vastidão ondulada, foi encontrado por mero acaso.

CASAMENTO

Em 1929 tivestes a felicidade de contrair núpcias com D. Maria Moreira Dias, de origem nordestina pelo pai, e, pela mãe, de velha estirpe paulista. Desde então, pudestes contar, no recesso do lar, com a dedicação de uma esposa inigualável, que preservou a vossa tranquilidade e a vossa vida interior para as altas elucubrações do espírito, permitindo-vos o pleno surto de vossa carreira.

Em termos kantianos, costumais dizer que vossa esposa é a vossa razão prática, enquanto guardais convosco a razão pura. E dessa convergência tendes vivido num esplêndido equilíbrio, que nem os dias de tempestade têm conseguido romper. Por três vezes atravessastes, amparado por vossa esposa, dias muito duros, sem haverdes, um e outro, perdido as razões de viver, porque, como dissestes no artigo “Homens e Mulheres”, publicado há muitos anos no Correio da Manhã, “afinal nossa felicidade repousa, não em riquezas, posições ou poder, mas no dom de amar e ser amado”.

O CONCURSO DE 1933 NO RIO

Concurso espetacular vos empolgaria em 1933, no Rio, quando disputastes a cátedra de “Introdução à Ciência do Direito” com vários candidatos de prol, dentre os quais Alceu Amoroso Lima, Mecenas Dourado, José Maria Belo, Pedro Batista Martins e Alcides Bezerra.

Raramente concursos universitários lograram, como esse, interessar o público. A fama dos competidores de tal modo encheu o edifício da Faculdade – o mesmo onde hoje funciona a Faculdade de Direito da Guanabara, que a Congregação resolveu transferir as provas para local mais vasto, o Colégio Pedro II.

A este propósito, Evandro Lins e Silva honrou-me com o seguinte depoimento: na época em que fizestes esse concurso, contou-se que o velho mestre Castro Rebelo, acusado frequentemente pela imprensa de proteger candidatos esquerdistas, tomara a resolução de influir no sentido de que, daquela vez, o escolhido pela congregação fosse um elemento conservador. Para tanto, teria procurado um antigo colega, então desembargador, que fora aluno distinto na Faculdade, convencendo-o a escrever tese e a inscrever-se no concurso. Apresentado o trabalho, verificou o professor Castro Rebelo que, ou pelos afazeres de juiz, ou por qualquer outro motivo, seu antigo colega ficara em atraso relativamente aos estudos teóricos do Direito. Sua tese era fraca e os concorrentes muitos (dez ao que parece). Entre eles figurava, como assinalei, Alcides Bezerra, que apresentara boa tese e não era “suspeitado” de professar “ideias heterodoxas”. Segundo se disse, então, mestre Castro Rebelo, que exercia real influência, resultante de seu indiscutível e reconhecido valor pessoal e de sua dedicação aos assuntos da Faculdade, passou a atuar em favor desse candidato, tanto quanto era admissível essa atuação. Éreis, então, um jovem livre-docente em São Paulo, desconhecido no Rio, e havíeis apresentado uma tese de pouco mais de trinta páginas com o título: “Material para um conceito de Direito”. Militava ainda contra vós aquele motivo que inspirava o professor Castro Rebelo a lutar por um candidato conservador: éreis apontado como homem de ideias socialistas, avançadas. As provas principiaram, tendo seu trâmite normal, e, ao terminarem, havíeis conquistado o primeiro lugar. Brilhastes na defesa da tese, usando ao máximo os vossos dons para o debate – a presença de espírito, a réplica fácil, a translúcida exposição das ideias, em palavras – como nota Aliomar Baleeiro – “límpidas, simples, dessas que penetram no espírito do ouvinte em um segundo, sem qualquer resistência de dentro para fora”. Destacastes-vos, especialmente, na prova didática. A vossa aula, sobre “O Direito segundo Kant”, provocou em toda a assistência, não apenas admiração, mas vibrante entusiasmo. A congregação acolheu-a com palmas e os estudantes regozijaram-se, pois vos havíeis tornado o candidato de suas preferências.

O exercício do magistério evidenciou haver sido a vossa escolha mais do que justa: fizestes de vossa cátedra um ponto alto do ensino do Direito no País. E, assim como Afrânio Peixoto cerca de trinta anos antes, vós, ainda desconhecido no plano nacional, conquistastes, de assalto, o Rio de Janeiro, ao conquistardes a vossa cátedra.

ADVERSÁRIOS

Tão vertiginosa carreira não podia deixar de suscitar-vos adversários, pois, como salienta Byron, aquele que, pelo talento, se eleva acima dos outros homens, tem de contar com o seu ódio. Nada mais fatal, na verdade, do que encontrar o mérito obstáculo. E, se, por acaso, se associa a ideias novas, raros os que conseguem não serem esmagados pelos despeitados que, de toda parte, se lhes antepõem.

Precisamos, na vida, de amigos com os quais afinemos moral e intelectualmente, mas é inevitável despertarmos inimizades.

“Não ter inimigos” adverte, com experiência própria, o Padre Antônio Vieira, tem-se por felicidade; mas é uma tal felicidade, que é melhor a desgraça de os ter, que a ventura de os não ter. Pode haver maior desgraça que não ter um homem bem algum digno de inveja? Pois isso é o que se argue de não ter inimigos.

Não é simples paradoxo a máxima de Hobbes: homo homini lupus e em todos os tempos tem a maldade humana buscado vítimas em que se saciar, agrupando-as sob rótulos odiosos.

Nos primeiros séculos de nossa era foram os cristãos, acusados de incredulidade, responsabilizados por todas as desgraças então ocorridas. Na Idade Média, os judeus, tidos como deicidas, passaram a ser os bodes expiatórios: se sobrevinha uma peste, eram eles que haviam envenenado as nascentes. No século XVII, aos católicos, chamados papistas, se atribuíam, nos países protestantes, os incêndios e quaisquer desastres. No século XVIII, em França, os réprobos foram os enciclopedistas, acusados de libertinagem e ateísmo. Em nossos dias, quando se quer perder alguém, envolvendo-o numa atmosfera de desconfiança e insegurança, diz-se que é “comunista”.

Foi o que aconteceu convosco em novembro de 1935 e com tantos outros homens do mais alto gabarito cultural.

Diante da intentona de 27 de novembro daquele ano, havendo sido nomeado, no ano anterior, por Pedro Ernesto, Diretor da Escola de Economia e Direito da Universidade do Rio de Janeiro, fostes apontado como um dos mentores intelectuais do comunismo indígena, quando éreis apenas, e sempre com desassombro timbrastes em afirmá-lo, um “socialista”, situado talvez entre o Socialismo de cátedra e o fabianismo britânico. E sendo o socialismo, na definição de Proudhon, toda aspiração para o melhoramento da sociedade, não há, em nossos dias, quem, em sã consciência, contra ele se levante. Mas isto de nada vos valeu, como a outros nada valeu serem filiados ao Positivismo, exatamente o credo filosófico e social que o seu fundador dizia haver construído para opor-se ao anárquico transbordamento do Comunismo.
 
Até hoje não conseguistes apurar quais os vossos delatores. Mas estes, além dos adversários que vos invejavam, podiam ter sido, inclusive de boa-fé, alguns de vossos próprios alunos. E o digo pelo que pude pessoalmente observar como professor de História da Filosofia no Curso Pré-Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Por indicação do saudoso Filadelfo de Azevedo, fui convidado para reger essa cátedra em 1937. A propósito da Filosofia antiga, narrei, em minhas aulas, que Pítacus, legislador de Lesbos, incluíra, em suas disposições penais, o princípio segundo o qual seria a embriaguez uma agravante dos crimes praticados sob a sua ação. E, a propósito da metempsicose, sustentada por Pitágoras, li, aos meus alunos, a bela exposição de Ovídio, nas Metamorfoses, onde ele faz o filósofo exclamar: “Que horror alimentar um corpo com outro corpo!”

Pois bem, caindo, em prova escrita, esses dois pontos, um aluno escreveu textualmente: “Pítacus era um ébrio habitual, que se valia da lei de Lesbos, segundo a qual a embriaguez constituía uma dirimente, para praticar, nessa ilha, os maiores desatinos...” E outro, filho de um fazendeiro e hoje conceituado advogado no sul de Minas, escreveu: “Ao sustentar a metempsicose, e, por causa dela, a alimentação vegetariana, Pitágoras exclamava: ‘Que horror alimentar um porco com outro porco!’”

Ao corrigir as provas, declarei aos meus alunos que no ano seguinte não aceitaria mais reger a cadeira, porque, se eram capazes de deturpar tanto o que ouviam em aula, poderiam, se eu fosse, como vós, denunciado como comunista, dizer que, de fato, eu lhes propiciava, em minhas preleções, o credo de Moscou, apesar de serem a ele diametralmente opostas as minhas convicções sociais e filosóficas.

E tanto maior razão tinha de não aceitar mais a regência da Cadeira quanto, no mesmo ano, havendo citado, num curso de conferências comemorativas do tricentenário do Discurso do Método, um sermão do Padre Antônio Vieira sobre Nossa Senhora do Ó e um juízo de Descartes sobre as tropas de Maurício de Nassau, nas quais servira na Holanda, fui acusado por um vespertino extremista e pelo O Apóstolo, órgão da matriz do Engenho de Dentro, de ter, em minhas conferências, na qualidade de agente do Komintern, injuriado a Virgem Maria e o glorioso Exército Nacional!

Tempos perigosos! Neles, o pensamento não era menos torturado do que os corpos.

Professor de pouco mais de 30 anos, falando língua diferente da dos velhos mestres, sobreviventes de um passado insepulto, não podíeis deixar de ser objeto da curiosidade, da devoção e até da deformação, por exagero, de jovens ansiosos por algo novo e diferente, na antiga e incurável esperança humana por algo de melhor.

NA PRISÃO

O epílogo foi dramático para vós, Sr. Hermes Lima. Sobreveio, como raio em céu azul, o desastrado motim comunista de fins de novembro de 1935, apoiado por alguns oficiais do Exército. Os mais velhos de hoje nunca se esquecerão da catástrofe. A Nação acordou siderada pela notícia insólita. O morticínio, a que já nos desabituáramos desde a revolta de 1893 a 1894, abalou profundamente a opinião pública. O horror do povo encorajou toda repressão dentro e fora da lei. Debaixo da pressão militar, o Congresso, em uma das piores horas de nossa História, votou certas medidas, então constitucionais, infinitamente piores do que aquelas outras inconstitucionais de Abraham Lincoln nos dias negros da Guerra de Secessão.

Em resumo, suspeitado, como outros professores e intelectuais, percorrestes a via crucis da prisão em lugares diferentes: o Quartel da Polícia, o navio “Pedro II”, a Casa de Detenção, a Casa de Correção e o Quartel de Cavalaria.

Os presos políticos, ou melhor, os presos por opinião, não eram processados, nem mesmo inquiridos. Eram apenas presos e continuavam presos indefinidamente, sem o menor contato com um magistrado. Graciliano Ramos, nas Memórias do Cárcere, descreve bem o quadro e a dinâmica dessas prisões.

Permanecestes sob custódia desde novembro de 1935 até dezembro de 1936, enquanto vossa dedicada esposa movia céus e terras, sem resultado, junto às autoridades displicentes e a uma Justiça algemada.

Nos vários cárceres, convivestes com figuras marcantes, desde o próprio Graciliano, Castro Rebelo, Maurício de Medeiros e Leônidas de Rezende, até o comunista argentino Rafael Ghioldi e o famoso capitão Agildo Barata.

SERENIDADE

Uma de vossas mais salientes características é a serenidade. Esta não se desmentiu nem mesmo no cárcere.

E quem o diz é o inteiriço Graciliano Ramos ao registrar que “a demorada reclusão mudava os caracteres. A princípio um homem apenas me surgira tranquilo, usando os modos e a linguagem usuais lá fora, na cátedra: Hermes Lima.

E Graciliano continua: “Hermes Lima foi a pessoa mais civilizada que já vi. Naquele ambiente, onde nos movíamos em cuecas, meio nus, admitindo linguagem suja e desleixo, ele vestia pijama – e parecia usar trajo rigoroso. Amável, polido, correto, de amabilidade, polidez e correção permanentes.”

NA ADVOCACIA

Meses depois de haverdes saído da prisão, estabeleceu-se no País outra estrutura jurídica, política e institucional. Implantado o Estado Novo, já não era necessário aos seus construtores o terrorismo de cima, cultivado pertinazmente desde novembro de 1935. Estávamos pura e simplesmente na ditadura, em meio à resignação quase geral.

Na quase totalidade da população, cada qual adotava a filosofia do inevitável e irremovível, buscando tirar os benefícios que a nova ordem de coisas poderia assegurar no plano material. Os verdadeiros, impenitentes, democratas indagavam a si mesmos se não pertenciam a um passado irrecuperável.

Voltáveis à sociedade despojado de vossa cátedra, visto de esguelha pelas classes dominantes, jubilosas com a ditadura, que, se não resolvia, pelo menos continha as reivindicações da massa enorme dos destituídos de quase tudo.

Foi nessas condições que, como advogado, reconstruístes vossa vida, para ganhar o pão de cada dia, enfrentando a hostilidade natural da maioria privilegiada, capaz de suportar as delongas, incertezas e, sobretudo, os dispêndios das demandas judiciais. Até então, fôreis sempre homem de pensamento e estudo, sem inclinações para a destreza, o dinamismo e os jogos sutis e astutos da advocacia.

Assim passastes o “curto período de tempo”, a que se referiu Getúlio Vargas, até serdes, por sentença do Supremo Tribunal Federal, em 1945, com Castro Rebelo, Leônidas de Rezende, Maurício de Medeiros, reintegrado em vossa cátedra.

O DESCER E O SUBIR

Observa o Padre Antônio Vieira “não haver coisa que mais mude os homens do que o descer e o subir e o subir muito mais do que o descer”.

Desmentis, porém, essa observação, porque sempre que desceis, imaginais, serenamente, que podereis vir a subir de novo, e, ao subirdes, admitis que podereis, ainda uma vez, descer.

Dotado de qualidades adequadas aos mais altos lugares e ao trato das matérias mais relevantes, nunca vos ofuscastes ao ocupar grandes cargos e ao decidir assuntos de importância. Tão à vontade vos sentistes sempre nessas posições que jamais fostes atingidos pelo espírito de suficiência, enfermidade contra a qual não valem drogas, por mais heroicas.

Ao contrário daquele sábio de que nos fala Fontenelle, possuís não só um grande fundo de bondade, mas ainda a sua agradável superfície. De trato lhano e amável, passais grande parte do vosso tempo entre os livros, e, evitando a pressa e as emoções, dizeis, com graça, que “vos esforçais em envelhecer devagar”.

Leitor de Voltaire e de Montaigne, sois um causeur magnífico, dizendo as coisas com espírito e elegância. Encantais na conversa do dia a dia, porque tendes sempre uma história interessante a contar, e o saudoso Ministro Ribeiro da Costa, que vos ouvia com especial deleite, comentava: “O Hermes é formidável, engraçado no que fala, e sabe coisas do arco-da-velha...” E, à vossa facilidade de contar saborosos casos, juntais uma aptidão não menos apreciável: a de saberdes ouvir, não pretendendo nunca monopolizar os assuntos e as atenções.

Conhecendo, tanto quanto Pascal, a odiosidade do eu, jamais seguistes o exemplo dos que desafinam o coro de aplausos, que recebem, misturando nele, a sua própria voz. Se assim procedeis, é por saberdes não constituir a glória o rumoroso estrondo em torno de um nome em manifestações publicitárias de encomenda.

E a vossa carreira, quer como jornalista e escritor, quer como homem público, é das que mais justificariam o alarde em torno de vossa personalidade.

De 1957 a 1959 ocupastes o cargo de Diretor da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil e, no estrangeiro, desempenhastes, anos a fio, importantes missões.

NA POLÍTICA

Eleito, em 1925, na Bahia, deputado estadual, representaríeis, em 1946, o antigo Distrito Federal na Assembleia Nacional Constituinte.

Desde 1945, vos havíeis incorporado na federação de partidos locais inconformados com o Estado Novo e fundidos na União Democrática Nacional. Integráveis a pequena ala socialista – a chamada Esquerda Democrática, comandada por João Mangabeira, que, aliás, não conseguiu eleger-se pela Bahia, de onde se ausentara havia quase três decênios. Lograstes uma Cadeira pela seção da UDN, no Rio, recolhendo votação expressiva.

O Presidente da UDN e seu líder na Constituinte de 1946 foi Otávio Mangabeira, tendo, como vice-líder, Prado Kelly. Ambos vos designaram como um dos representantes da corrente oposicionista na Grande Comissão elaboradora do projeto constitucional. Ciosa de suas figuras intelectuais, a UDN timbrou em selecionar seus elementos naquela Comissão.

Ao instalar-se esse órgão da Assembleia, no longo salão nobre do andar superior, às 9 da manhã, aclamado Presidente o Senador Nereu Ramos, figurastes entre os primeiros oradores e sustentastes a tese de que a tarefa da Comissão não consistia em conceber e redigir uma estrutura nova, mas, pelo contrário, restaurar as instituições suprimidas em 1937. A tarefa – dissestes –  era humilde.

Certamente era isso, mas, em realidade, havia fatos novos, frutos do tempo. Dentro da Assembleia, pela primeira vez no Brasil, sentavam-se quinze deputados e um senador, comunistas declarados e extremamente ativos. Luís Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperança, lá estava pálido, triste, cabeça apoiada na mão, distante e cerimonioso. Mas, comandava, de fato, um grupo disciplinado e agressivo.

Tomastes parte ativa e fecunda na ala esquerda da Grande Comissão, formada de deputados adversários entre si, como Agamenon Magalhães, Café Filho, Caires de Brito e Aliomar Baleeiro. Uniam-se nas medidas de amparo ao trabalhador, na tributação drástica, pessoal e progressiva, das classes opulentas, no parcelamento da propriedade e sua sujeição ao interesse social, etc. A extrema direita contava com Artur Bernardes, Duvivier, Mário Mazagão e outros – a maioria, porque, na Grande Comissão, preponderavam homens de mais de 40, e, sobretudo, mais de 50 anos, geralmente proprietários, fazendeiros, enfim titulares de cabedal, oriundos das classes médias superiores. Com exceção de um ou dois, todos eram doutores, ministros de religião e um general.

A Constituição de 1946 foi um compromisso entre essas correntes opostas e, bem ou mal, assegurou-nos vinte anos de liberdade e inaudita expansão econômica. Possibilitou, aos solavancos, milhares de quilômetros de rodovias asfaltadas, pontes, centrais elétricas, unidades escolares, universidades, hospitais, indústrias novas, milhões de empregos, ainda que à custa da inflação e das sequelas companheiras inevitáveis dessas rápidas modificações da estrutura econômica. Devolvido à cátedra, como já assinalei, em 1945, depois da Constituinte permanecestes na legislatura ordinária até 1950, inclusive.

Nesse período, o feixe de partidos constitutivos da UDN desagregou-se. Artur Bernardes, sequioso de chefia, separou logo o Partido Republicano. A ala autonomista da Bahia – Otávio Mangabeira com seus jovens turcos –, Aloísio de Carvalho, Luís Viana, Nestor Duarte, Josafá Marinho e outros – fez secessão para integrar-se no Partido Libertador, aliás velho, constante e leal aliado da UDN. João Mangabeira, talvez iludido pelo fascínio que esperava exercer sobre as massas com a bandeira do “Partido Socialista”, apartou seus poucos deputados para fundar esse partido e disputar as eleições em 1950. Erro tremendo, porque essas cisões foram tão prejudiciais à UDN quanto à democracia brasileira, a “plantinha tenra” da frase comentada na época. Todas as correntes partidárias resultantes e a própria UDN se enfraqueceram, dando alento aos partidos herdeiros do Estado Novo e engendrando uma volta ao passado.

Em consequência, fostes derrotado em 1950, como candidato do Partido Socialista, em contraste com a votação expressiva alcançada, na legenda da UDN, em 1945. E o Partido Socialista decompôs-se lentamente, não passando de unidade nominal. Nem por isto, porém, haveríeis de abandonar a política, porque, sendo esta, para vós, “a forma suprema da atividade humana, confundindo-se com a própria história da sociedade, quando inspirada por um grande sentido ideológico”, continuou sendo uma constante em vossa vida.

NO PTB E NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

E, vendo confirmada, em nossos dias, a observação feita desde o Império de “nada haver, neste País, mais semelhante a um político do que seu adversário”, uma ponta de realismo e pragmatismo, que tem raízes em vossa própria formação filosófica, vos fez ingressar levado por Santiago Dantas, no Partido Trabalhista, onde o clima interno era o avesso do ambiente intelectual em que sempre respirastes. Mas emergistes no meio a que éreis estranho e não fostes mal sucedido, porque fruindo da confiança e apreço do Presidente João Goulart, chegastes a Chefe de Estado – pois a tanto se equipara o cargo de Primeiro-Ministro no regime do Governo de Gabinete do Ato Adicional de 1961, ocupando a pasta do Exterior.

Após a restauração do Presidencialismo, em 1963, fostes ainda, num período agitado e de extrema delicadeza, o chanceler à frente do Itamarati.

Durante nove meses dirigistes a Política internacional do Brasil e tivestes ocasião de defender o princípio de autodeterminação dos povos no caso concreto de Cuba, sustentando que tinha pleno direito à sua nova experiência de regime. Isto, entretanto, a vosso ver, não significava que a nossa Política externa estivesse desligada de seus tradicionais compromissos. Tanto assim que, de acordo com a vossa orientação, o Brasil votou, ao mesmo tempo, pelo embargo de armas a Cuba e contra a intervenção em seu território. E, por solicitação do Embaixador norte-americano, Lincoln Gordon, enviastes àquele País um representante especial do Brasil, General Albino Silva, a fim de fazer sentir ao seu Governo que também não podíamos concordar com a presença, em território cubano, dos armamentos nucleares, que ali se estavam instalando.

NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Acredita Aliomar Baleeiro “que uma aura de respeito e veneração cerca o Supremo Tribunal Federal neste País irreverente por excelência”, e narra como, aos 13 anos, tomou consciência da missão de sentinela das liberdades públicas desempenhada pela nossa mais alta Corte ao conceder, em 1919, a Rui Barbosa e seus correligionários, ordem de habeas-corpus para que se pudessem locomover e reunir em comício na Bahia seabrista.

No Pretório Excelso, que “não tem sido apenas o passivo defensor da Constituição, mas ainda o construtor da unidade do Direito Nacional, através de ação silenciosa e serena, sem fricções com o Congresso, que sempre o reverenciou”, vindes, desde junho de 1963, impecavelmente exercendo as funções de juiz.

Tendes sido, como Ministro do Supremo, o jurista e o homem de notável saber, em tudo à altura do cargo. O traço marcante da vossa figura de juiz tem sido a preocupação com o aspecto moral das causas em lide. Tranquilo, ouvindo mais do que falando, inflamai-vos, no entanto, quando há uma nota ética no problema em julgamento. A lei – a vosso ver – há de inspirar-se na moral social, no bem comum, no respeito à dignidade de todos. Fora daí, não julgais válida a interpretação por faltar-lhe o conteúdo moral vivificador da própria norma.

Ainda há pouco tempo – no testemunho de Evandro Lins e Silva – fostes veemente ao conceder um mandado de segurança a funcionários que haviam feito concurso e que o Executivo se recusava a nomear. O sacrifício imposto aos requerentes, que haviam obedecido a todas as instruções ao inscreverem-se, submetendo-se às provas, tendo muitos vindo de Estados distantes, não podia, na vossa opinião, ter, como epílogo, a pura, simples e arbitrária decisão de não preencher os cargos. Acentuastes que essa atitude não estava nas regras da decência e da moral, e imaginastes um concurso para professor catedrático em que o candidato aprovado não viesse a ser nomeado, depois dos esforços e prejuízos na preparação para as provas.

Nos casos civis e criminais, a tônica de vossos votos está frequentemente no consórcio moral-direito e o acento ético tem sido sempre predominante em vossos pronunciamentos de magistrado.

O ESCRITOR

Costumava Roquette-Pinto comentar ser a humanidade ainda muito jovem e, por isto, os poetas e romancistas guardam o seu antigo prestígio. Mas, sempre há, nesta Casa, lugar para todos os outros altos valores do espírito e este é o vosso caso, Sr. Hermes Lima. Formado na Bahia de Carneiro Ribeiro e Rui Barbosa, sois um escritor primoroso, e, ao eleger-vos, a Academia observou aquela norma que lhe traçastes, em 1940, em delicioso artigo, publicado no Correio da Manhã, com o título “Saudades de Spinoza”.

Nesse artigo dizíeis:
Confesso que me impressionou o fato de terem as saudades de Spinoza inspirado a Viriato Correia a moção de pesar que, pela morte do filósofo, apresentou na última sessão da Academia, em que se devia discutir a reforma dos seus estatutos [feita para facilitar a eleição de Getúlio Vargas]. Por onde anda o nosso querido Viriato – fiquei pensando. Pensando e admirando. Anda longe, é verdade, mas em boa companhia!

E, depois de recordar o que, no domínio do pensamento, representa Spinoza, concluístes:

A Academia está no dever de honrar-se a si mesma, de manter-se fiel ao ideal que a criou, não perdendo jamais oportunidade de acentuar o seu caráter de associação de escritores, dos maiores escritores do País. Que Spinoza inspire a Academia!

Pois foi o sábio filósofo judeu-holandês, de origem portuguesa, quem inspirou esta Casa levando-a a eleger-vos. Possuís, no mais alto grau, o espírito filosófico, que ressalta, a cada instante, de vossas lições e escritos. Em qualquer assunto, procurais sempre o ângulo mais geral, e, cartesiano nato, a vossa exposição se reveste de cristalina limpidez, brotando-vos dos lábios ou da pena metodicamente, como se vos coubesse fazer uma demonstração geométrica. Longe de pactuar com as brumas da metafísica germânica, incidindo, como muitos dos filosofantes de nossos dias, no solipsismo em que nem eles mesmos se entendem, adotastes a máxima de Vauvenargues segundo a qual “a clareza é a boa fé dos filósofos”.

INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E PROBLEMAS DO NOSSO TEMPO

Em 1932 publicastes, num estilo sóbrio, firme e preciso, a vossa Introdução à Ciência do Direito. Obra notável na arte de tornar fácil o difícil, continua atual e está consagrada por dezessete edições – caso raro em nossa bibliografia especializada.

À Introdução seguiu-se, em 1935, o esplêndido volume Problemas do Nosso Tempo, livro de grande alcance pelas opiniões que emite sobre o Estado-leigo, a Religião, a Moral, a Ciência e o valor da Filosofia, e também pela coragem de externar tais opiniões em pleno apogeu de ideologias extremistas que então, como hoje, se mostravam intolerantes e violentas.

A propósito da reforma eleitoral, afirmáveis com clarividência: “Um Código Eleitoral, por mais perfeito que seja, não possui a força de modificar a consciência política e a cultura dos homens. Tais modificações resultam de transformações profundas, estruturais do próprio regime social e não da mudança dos rótulos e fachadas.”

E, de fato, as nossas principais dificuldades não são apenas políticas. Sem uma reformulação de estruturas, que proporcione base econômica razoável ao nosso povo, permitindo-lhe atingir, por meio da Educação, nível moral e mental mais elevado, de nada adiantará qualquer reforma eleitoral. Sem adquirir maior discernimento, como esperar dele boa escolha de candidatos? A grande massa ignara continuará a ser indefinidamente um joguete da demagogia e da corrupção enquanto não for estabelecida outra organização social em que se modifique profundamente o próprio homem, melhorando-o sob o ponto de vista econômico, físico, moral e intelectual.

Com acuidade diagnosticastes, no mesmo livro, o fracasso da Revolução brasileira de 1930:

O desastre geral da política nova que, com o apoio das forças armadas, se tentou realizar, deve-se, sem dúvida, à falta de uma teoria revolucionária. A posse de uma teoria revolucionária representa o único instrumento capaz de galvanizar o poder revolucionário em torno de um programa definido. Sem a teoria, sem programa, o poder revolucionário cairá em hesitações e contradições mortais; faltar-lhe-á a decisão característica dos seus atos, porque, até no momento de agir, não sabe ainda ao certo o que deseja. Sem teoria revolucionária, a revolução vai fatalmente perdendo o seu sentido, misturando-se a outras coisas; não se sabe o que ela tem de essencial a defender, a realizar; e, por isso mesmo, as perspectivas diminuem, restringem-se os horizontes da ação política e os chefes passam a viver a vida das transações, dos conciliábulos. Tudo perde a grandeza de sua vocação histórica ou idealista.

Definindo o Estado-leigo, dizíeis:

A Religião hoje é coisa “privada” e não “pública”. Seguramente trata-se de um fato social. Mas, o social, como ensina Dewey, pode ser “privado” e “público”. “Privado” quando se refere a interesses individuais, consciências individuais, acha-se submetido a critérios e medidas subjetivas ou ditadas pelos particulares. “Público” quando se refere à coletividade no sentido de que a disciplina e a solução dos seus problemas são asseguradas, até coativamente pelo Estado.

A Religião era pública, protegidos e assegurados os seus mandamentos pelo Direito, quando subsistia a crença generalizada da intervenção do sobrenatural nos negócios da Terra. A dissolução dessa crença foi determinada pelos conhecimentos das leis da Natureza, pelos progressos da Técnica e da Ciência. Sem dúvida, principalmente os males humanos continuam a ser atribuídos pelos interessados à cólera divina. O pagão Símaco atribuía a invasão dos gotas no Oriente e a ofensiva dos germanos contra a Gália à falta imperdoável de não se terem sacrificado alguns bois a Júpiter. O Cardeal Mercier reputava a indiferença religiosa como a causa principal da guerra europeia. Segundo o Cardeal Andrieu, os sofrimentos da França, de 1914 a 1918, foram devidos às leis sobre as congregações e ao ensino leigo.

Mas a diferença, quanto a essas explicações, entre o tempo em que a Religião era coisa pública e o nosso tempo em que a religião é coisa privada, resume-se no seguinte: 1.º) estas explicações hoje não são oficiais; 2.º) não somos por isso obrigados a aceitá-las; 3.º) não se baseiam, como na Idade Média, numa unanimidade de sentimentos, aos quais se pediam argumentos morais para justificar o emprego da força na imposição delas.

Trata-se apenas de opiniões a serem consideradas entre outras opiniões.

Esse progresso notável deveu-se ao Estado-leigo. Estado-leigo é aquele em que as crenças e as Igrejas não podem pôr a serviço de seus dogmas pontos de vista e explicações, o prestígio e a força da autoridade pública. A religião passa a ocupar no Estado-leigo nova posição: pertence ao foro íntimo.

A Religião não é mais coisa pública, porque o conhecimento das leis da natureza, o progresso da Técnica e da Ciência, a racionalização da produção e dos meios de vida mostram que os fracassos e triunfos humanos e nacionais, na guerra, na lavoura, nas indústrias, não dependem da intervenção nem direta, nem indireta, do sobrenatural nos negócios da Terra.

Concordáveis, assim, com Augusto Comte, cujos alunos na Escola Politécnica de Paris diziam haver ele posto Deus em equação, só lhe encontrando raízes imaginárias, o que levou Pierre Laffitte a ponderar haver o Estado-leigo aposentado Deus por supressão de emprego, agradecendo-lhe os serviços provisórios...

Na mesma corrente de ideias, continuáveis:

Se, do ponto de vista individual, a Religião funciona como fonte de consolação, do ponto de vista social, sobretudo internacional, tem antes separado que unido. A proteção do mesmo Deus foi invocada no mesmo dia, em Berlim, Londres, Petrogrado, Paris e Viena para abençoar a guerra e assegurar o triunfo de povos cristãos sobre povos cristãos.

Acerca da tão apregoada falência da Ciência decorrente das relações de indeterminação de Heisenberg, observáveis com grande bom senso:

Concluir, portanto, a favor do livre-arbítrio, porque não controlamos a conduta dos átomos, é concluir no escuro, sem base científica alguma; trata-se de conclusão sentimental, mais nada. Não há motivo para supor que esta ignorância seja definitiva. Se assumíssemos tal atitude diante do que não sabemos, renunciaríamos ipso facto ao esforço intelectual de que tem dependido e dependerá sempre o progresso da Ciência. Que nos poderia assegurar que a conduta dos átomos não se subordina a lei alguma? Ao contrário, só podemos supor que essas leis existem, ainda que desconhecidas.

Antecipastes-vos, destarte, ao que, em 1956, sustentaria Louis de Broglie em suas Nouvelles perspectives en Microphysique:

“As incertezas de Heisenberg são apenas ‘incertezas de previsão’ e não acarretam, de nenhum modo, verdadeira indeterminação na posição e no estado do movimento do corpúsculo”.

A propósito dos atributos vulgarmente considerados inseparáveis de Deus, dizíeis:

“Para um homem medianamente civilizado, é impossível ou é opressor pensar que há um Deus infinitamente poderoso, infinitamente misericordioso e que, entretanto, assiste impassível a coisas, fatos e acontecimentos que não sucederiam se estivesse em nossas mãos evitar que ocorressem.” Sem que talvez soubésseis, estáveis na boa companhia do Padre Antônio Vieira quando pondera no sermão proferido nas exéquias de D. Maria de Ataíde:

Casos sucedem no mundo que parece se descuida Deus do governo dele... Se repararmos com atenção quem vive neste mundo e quem morre, é necessário muita fé para crer que há providência... Tirar a vida a uns tão tarde, e a outros tão cedo, deixar os que são embaraço do mundo, e levar os que eram ornato dele, que desigualdade maior... Que a vida mais digna de viver seja a mais sujeita à morte! E que haja império superior que domine este tirano! Que haja providência no mundo que o governe! Domine, non est tibi curae?

No capítulo “Progresso e Cultura” assinaláveis o paradoxo do mundo contemporâneo: o nível moral e intelectual não corresponde ao nível da riqueza material. E antevendo os anseios dos moços de hoje, que exigem outra estrutura universitária, livre da rotina e onde se adquiram conhecimentos e não somente pergaminhos, acentuáveis:

Defender as garantias da liberdade intelectual e política equivale a defender a Cultura e o seu futuro. A Universidade não seria mais que uma casa de mortos, um velório imenso e triste no dia em que a enfeudassem a uma doutrina e sobre ela baixassem a mão de ferro da intolerância e dos juramentos de fidelidade pessoal como condição para bem servir à Ciência e à Pátria. O amor da verdade, a imparcialidade e a serenidade; a pesquisa dos fenômenos sem temor e sem ameaças, a liberdade para estabelecer hipóteses, para discutir conclusões, para afastar preconceitos para discernir novos rumos, estabelecer novas afirmações – eis a atmosfera moral indispensável ao exercício das atividades intelectuais fecundas e corajosas.

A propósito do conceito e valor da Filosofia, sustentáveis, e o vosso ponto de vista permanece até hoje inalterado para os que não fazem da Filosofia um obscurantismo místico:

A Filosofia abandonou a pesquisa das causas últimas e finais, porque esse problema não tem sentido, ensina Dewey, desde que adotamos como caminho, medida e base do conhecimento, o método experimental. Libertando-se dessa preocupação metafísica, a Filosofia não tem hoje por objeto revelar verdades, isto é, revelar fatos e relações, mas revelar e apurar os sentidos, os valores e os significados que os conhecimentos científicos, repercutindo em nossa vida, influindo sobre a nossa sensibilidade, despertam e fecundam. Com as noções de espaço e tempo, de matéria e forma que as matemáticas, a Física, a Química hoje nos ministram, que imagem podemos fazer do universo? Cabe à Filosofia responder.

A Filosofia aparece deste modo como reflexão crítica sobre os dados do conhecimento; como uma lente em cuja chapa se reunissem as relações e os fatos conhecidos, e, depois, focalizasse, numa grande tela, a imagem geral daí resultante.Vede bem que a imagem não seria arbitrária, não poderia originar-se da fantasia, ou da razão romanceada num sistema puramente especulativo. Ela se apoiaria em bases firmes, as bases do conhecimento positivo, experimental. O filósofo da nossa época tem de levantar as suas construções sobre o terreno sólido das pesquisas científicas. Ele não interpreta, não conclui, não estabelece uma atitude diante do mundo, não procura uma maneira de compreender o Cosmos, não adota um ponto de vista em relação à vida e à totalidade da experiência humana partindo de entidades, princípios ou abstrações irreais e gratuitos, senão se apoiando na soma dos conhecimentos positivos. A Filosofia não é mais recurso para dissimular o que não sabemos, reduzindo a fórmulas esotéricas a insensata pretensão de dominar e possuir verdades permanentes e eternas. Sua posição mudou.

TOBIAS BARRETO

Em 1939 nos destes Tobias Barreto, retrato de corpo inteiro do publicista sergipano, onde, pintando-o com justiça e isenção, ressaltais os seus reais méritos sem precisardes fazer dele um filósofo original e profundo. Concordais, a este propósito, com o agudo ensaio, cheio de verve, que, em 1934, a ele consagrou Gilberto Amado. E, em 1956, adotaria integralmente vossa tese o Professor Cruz Costa em sua admirável História das Ideias no Brasil. Tão fiel e completo foi o vosso estudo, que Paulo Mercadante e Antônio Paim o reproduziram, em 1963, na Introdução Geral das Obras Completas de Tobias, editadas pelo Instituto Nacional do Livro.

NOTAS À VIDA BRASILEIRA

Em 1945 publicastes Notas à Vida Brasileira. Aí, a propósito de Farias Brito, que alguns têm pretendido transformar em extraordinário filósofo, escrevestes:

A originalidade do pensamento de Farias Brito é menos que escassa. É nenhuma. Por exemplo, à sua concepção de que “Deus é luz”, verdade a que chegara através do seu famoso sonho e da observação dos efeitos de um eclipse de sol, falta até procedência filosófica. Demonstrou-o, já em 1897, Clóvis Beviláqua, no ensaio que dedicou à Finalidade do Mundo, publicada em 1895, com este argumento decisivo: “Não é possível, em boa lógica, teologista ou não, denominar Deus um fato, um fenômeno tal. Faltam-lhe os atributos elementares da divindade, pois que a luz é resultante, e não causa, criatura e não criador.”

LIÇÕES DA CRISE

Em 1955 nos proporcionastes Lições da Crise, onde, em páginas antológicas, registrastes o impacto tremendo, na opinião nacional, da morte de Getúlio Vargas. Vale a pena reproduzi-las aqui em homenagem também ao presidente que pertenceu a esta Casa:

Mal me havia sentado à mesa de trabalho, na manhã de 24 de agosto, minha mulher irrompeu no escritório comovida e exclamando: “Getúlio suicidou-se!” Fiquei chocado, mas não tive espanto. A possibilidade de algum gesto trágico já me havia ocorrido. Como espectador do drama que vivíamos, eu me perguntara se o presidente não seria compelido a marcá-lo com a nota solene de seu deliberado sacrifício. Minha reação imediata foi observar: “Ele morreu bem.” Após ouvir pelo rádio, pouco depois, a mensagem que deixara, concluí que havia morrido ainda melhor do que esperei. Realmente, sua morte revestiu-se de inopinada grandeza, grandeza que ninguém pensaria lhe atribuir. Era velho, de mais de setenta anos, e a velhice dispõe ao amolecimento.

Na imaginação dos últimos tempos, trabalhada por seus adversários, sua figura evocava uma tradição de condescendências, e não de atos de bravura. Era o homem acomodatício, sinuoso, sibarita do poder, e, portanto, amante da vida. Mais uma vez, ele negociaria e contemporizaria, e, não podendo ficar, renunciaria na esperança de novas urdiduras maliciosas. Eis que, de repente, estoura a notícia de seu suicídio. O País não terá memória de haver recebido impacto emocional mais profundo. Nem a abdicação de Pedro I, nem o desterro de Pedro II. Assombro e mágoa. Nada mais que assombro e mágoa. Aqueles que esperavam, às portas do Catete, um governante deposto, achavam-se agora diante de um morto, que se agigantava e que a Nação estarrecida parou para escutar. Erguendo-se sobre si mesmo, ao revés de deixar-se sepultar como um escorraçado, ele projeta-se no plano da vida nacional para identificar-se com uma mensagem política e humana, e com o que de mais nobre pôde fazer, ou sonhar ou desejar nos longos anos de seus governos.

Traçando-lhe, na Câmara, o perfil, o líder da maioria Gustavo Capanema contou que, na última vez que lhe falara, ouvira do presidente: “O problema não é renunciar ou não renunciar. Isso é secundário. O que não posso é sair daqui sem honra”.

Ele sentiu, com espantosa lucidez, que aquela hora poderia não ser a final de sua existência, porém lhe marcaria a personalidade de um traço eterno. A tremenda arremetida contra ele desencadeada, a maior de quantas a memória do País se recorda, batia-se a todo preço para ligá-lo a um sujo crime comum e a torpezas cometidas por elementos de sua guarda pessoal.

 Apresentavam a Presidência da República descendo, em suas mãos, à indignidade de um couto de assassinos e ladrões. A ululante onda tentava apagar nele o melhor que pudera, de algum modo, ter encarnado neste último quartel de século da Política brasileira: o ideal de representação, de emancipação econômica, de justiça social. Visava-se fixá-lo na retina do País como o patrão de Gregório, somente como o cúmplice de Gregório. Ele sentiu seguramente a implacabilidade dessa ofensiva. Pensou, com certeza, ter direito a melhor tratamento mesmo dos seus adversários. Embora magoado, mas tomado pelo cansaço e pelo tédio, pudera ter renunciado e se recolhido ao ostracismo, confiando aos dias futuros o julgamento de sua pessoa e de seus atos.

Prodigiosa foi, porém, a reação de sua sensibilidade ao ímpeto desmoralizador em que seu viu colhido. Aparou-o no peito ferido sem vacilar no extremo do gesto, em defesa de seu nome e de sua honra de chefe de Estado. Quis assim que o primeiro ato, e o mais importante, de repulsa ao achincalhamento, partisse dele próprio, com o estrondo do testemunho da morte.

Não. Aquilo a que ele vinculara seu destino fora a causas populares, a reivindicações nacionalistas, a problemas da justiça social, à presença do povo na vida pública, à participação do povo nos benefícios da civilização e da riqueza. Fossem quais fossem as opiniões em torno desse ideário político, fossem quais fossem seus erros e hesitações, o presidente expressou, antes de tudo, pelo seu gesto trágico, que governara em função de pensamentos nobres e não em função dos subalternos interesses carregados na vaza em que o tentaram submergir e dissolver. Não é de ódio a mensagem do presidente, nem a desdoura o ressentimento. É a mensagem de um ideário político, a que o presidente imprimiu a nota candente da sinceridade que lhe queimava a alma. Pela primeira vez, na hora de morrer, o presidente identificou-se totalmente com a grandeza da missão nacionalista a que servira. É a significação política suprema de seu gesto.

Ninguém fez mais pela ideia nacionalista do que ele. Vargas lançou-a mais profundo que qualquer outro no coração do povo. Seu sacrifício pessoal constitui extraordinária contribuição à incorporação dessa ideia na consciência popular. Sejam quais forem seus erros e suas limitações, Vargas tornou-se um símbolo, o símbolo dos ideais nacionalistas neste País.

IDEIAS E FIGURAS

Em Ideias e Figuras, que publicastes em 1957, enfeixastes magníficos ensaios sobre Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Sílvio Romero e Rui Barbosa. E, a propósito deste, havereis de permitir que vos apresente embargos por lhe atribuirdes haver resolvido, “em meio ao contentamento geral, a tormentosa questão da separação da Igreja relativamente ao Estado”.

A realidade é que o Decreto de autoria de Rui ainda era fortemente regalista, mantendo a legislação dos bens de mão morta, como regalistas foram o artigo 72 e seus parágrafos, do projeto de Constituição por ele submetido, em nome do Governo Provisório, à Constituinte Republicana, e no qual não só conservava aquela legislação, mas também proibia a fundação de novos conventos ou ordens monásticas, e, mais do que isto, excluía, do Brasil, a Companhia de Jesus.

A prevalecer tais dispositivos do projeto de Constituição, todos da lavra de Rui, então ainda muito imbuído das ideias maçônicas de Saldanha Marinho, não teríeis tido, em Salvador, os ótimos educadores que encontrastes no Colégio Antônio Vieira. Foram as emendas do positivista Demétrio Ribeiro que, na Constituinte, derrubaram as medidas regalistas de Rui. Aliaram-se, na Constituinte, os positivistas com os católicos e a liberdade da Igreja somente passou pela insignificante maioria de seis votos, conforme registrou, em artigo em O Jornal de 8 de outubro de 1925, o líder católico Dr. Antônio Felício dos Santos.

Lamento não deter-me aqui na análise de outros de vossos livros e artigos. Há supérfluo em vossa glória de escritor, Sr. Hermes Lima, e posso dizer deste discurso o que de um dos seus advertiu Cícero: foi mais fácil começá-lo do que concluí-lo, visto precisar mais condensar do que diluir-lhe a matéria – Hujus orationis difficilius est exitum, quam principium invenire. Itaque mihi non tam copia, quam modus in dicendo quaerendus est.

A BAHIA

Vindes da Bahia, berço da nacionalidade, terra de heróis, jurisconsulto, oradores, cientistas, poetas, romancistas e artistas da mais alta categoria. Foi na Bahia que a suave religião de nossas mães lançou, através da primeira missa, a sua benéfica sementeira; foi nela que, de início, aportaram os denodados filhos de Santo Inácio, aos quais, sob tantos aspectos, tanto deve o Brasil. Foi da Bahia que começaram a ser definitivamente expulsos do solo pátrio os holandeses e também o foram as últimas tropas lusas, que intentavam opor-se à nossa Independência. Na Bahia se formou o Padre Antônio Vieira e na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda pregou, em 1640, “o discurso mais veemente e genial jamais ouvido em púlpito cristão”. Foi da Bahia que, estando no exílio, recebeu José Bonifácio o conforto de ver-se três vezes eleito para a nossa Assembleia Geral. Da Bahia nos veio Teixeira de Freitas, o maior jurisconsulto pátrio; na Bahia, em 1844, através de uma tese do Dr. Justiniano da Silva Gomes, pela primeira vez repercutiu, no Brasil, a filosofia de Augusto Comte, que tão grande influência exerceria em nosso evolver político e cultural. À Bahia deve o Brasil Castro Alves, “a mais pura flama poética que ainda palpitou no País” – nas vossas palavras, Sr. Hermes Lima. Na Bahia nasceu o nosso maior filólogo, Carneiro Ribeiro, e nela viu a luz e forjou as suas armas intelectuais o titã que, em si, encarnou o que de mais puro e idealista teve jamais o nosso civilismo – Rui Barbosa. Na Bahia se formaram e militaram alguns dos maiores representantes da nossa Ciência e da nossa Medicina – Silva Lima, Francisco de Castro, Manoel Vitorino, Nina Rodrigues, Alfredo de Brito, Juliano Moreira, Pirajá da Silva e Oscar Freire. À Bahia deve o Brasil um romancista como Xavier Marques, políticos e oradores como os dois Paranhos, Moniz Sodré, João e Otávio Mangabeira, heroínas como Joana Angélica, Maria Quitéria e Ana Nery. E da Bahia recebeu esta Academia um dos seus mais brilhantes e eficazes colaboradores – o polígrafo Afrânio Peixoto, para só mencionar alguns baianos que, “por obras valerosas se foram da lei da morte libertando”...

É da Bahia que agora nos vindes, Sr. Hermes Lima. Se lá houver outros homens de letras, como vós e os nossos encantadores confrades de vossa terra, a começar por esse admirável Clementino Fraga, que, na glória dos seus 88 anos, nos enriquece com o seu inteligente e doce convívio, gentleman no espírito e nas maneiras, venham até nós, certos de encontrarem abertas as portas da Casa de Machado de Assis. Mas não venham tantos que ocupem todas as Cadeiras e deixem algumas também para os mineiros!...

Sede bem-vindo, Sr. Hermes Lima!

18/12/1968