A fila para ver Fernanda Montenegro começava dentro da sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), no Centro do Rio, e se estendia para fora do prédio, quase dobrando a esquina da Avenida Presidente Wilson. Nesta quarta-feira (12), a atriz e acadêmica abriu as atividades culturais da casa em 2025 com um recital em que leu contos e crônicas de seus colegas de fardão.
O público lotou os 314 lugares do auditório do Teatro R. Magalhães Jr. Dezenas de pessoas ainda estavam do lado de fora quando o evento começou e tiveram que acompanhar o recital por um telão. A entrada era gratuita.
No dia anterior, a atriz de 95 anos havia apresentado o seu novo filme, "Vitória", em São Paulo. Ela voltou ao Rio de carro para o recital e driblou cansaço ao apresentar textos de Ailton Krenak, Ana Maria Machado, Antonio Carlos Secchin, Antônio Torres, Domício Proença Filho, Edgard Telles Ribeiro, Godofredo de Oliveira Neto, Heloisa Teixeira, Ignácio de Loyola Brandão, João Almino, Paulo Coelho, Rosiska Darcy de Oliveira, Ruy Castro e Machado de Assis.
Durante pouco mais de uma hora, Fernanda hipnotizou a plateia. Muitos choraram e duas amigas até se abraçaram ao final de sua interpretação da crônica "Ter mãe", de Rosiska Darcy. A atriz também arrancou risadas ao ler "A roupa de Rachel", texto de Heloisa Teixeira sobre as bizarras confusões em torno da eleição de Rachel de Queiroz para a ABL - a primeira mulher a ingressar no quadro de acadêmicos.
Os acadêmicos se emocionaram ao ver seus textos interpretados por Fernandona.
- É uma emoção muito grande - diz Rosiska Darcy. - O texto fica mais bonito interpretado por ela. Quando ela lê, a gente fica se perguntando se merece. Fernanda é incomparável e irrepetível.
- O dia em que entrei na Academia e o dia em que Fernanda Montenegro apresentou um texto meu pela primeira vez foram os mais felizes da minha carreira - diz o acadêmico Domício Proença Filho.
Presidente da ABL, Merval Pereira destacou a presença de Fernanda logo após o triunfo de "Ainda estou aqui" no Oscar. A atriz tem uma participação importante no filme.
- Já havíamos combinado com Fernanda muito antes dos prêmios internacionais do filme, mas o momento não poderia ser melhor - diz ele. - É uma forma de homenagearmos Fernanda, e também a cultura brasileira, que é o maior objetivo da casa.
Público do lado de fora
Aos 34 anos, o ator Marvin Soares entrou pela primeira vez na ABL. E viu Fernanda Montenegro ao vivo pela primeira vez.
- Foi incrível poder ver Fernanda Montenegro, no alto dos seus 90 anos, atuando ainda, colocando a arte dela a serviço do público - diz Soares.
A estudante de letras Ana Chagas, de 25 anos, é outra que visitava a ABL pela primeira vez. Ela disse que realizou um sonho ao ver Fernanda Montenegro, mas achou que faltou organização no evento. Sem conseguir entrar no teatro, assistiu o recital do telão.
- Houve falta de comunicação - diz ela. - Muita gente se inscreveu e não conseguiu entrar, faltou um certo cuidado nesse sentido.
Após críticas do público, a ABL se posicionou em suas redes. A instituição lamentou "os transtornos ocorridos" durante o período de inscrição para o recital e pediu "sinceras desculpas" aos que não conseguiram acompanhar o evento presencialmente.
"Na última sexta-feira (7), ao abrirmos o primeiro lote de ingressos, enfrentamos uma série de problemas técnicos em nosso site, que resultaram em inscrições além da capacidade do nosso auditório", continuou a nota. "A ABL já está adotando as medidas necessárias para corrigir essa limitação e garantir que situações como essa não voltem a ocorrer".
Início do ciclo
O recital de Fernanda Montenegro abriu as atividades culturais da ABL, que voltou de três meses de recesso. Ao longo do ano, serão realizadas 38 conferências nas terças-feiras, sempre às 16h. Para as quintas-feiras, às 17h30, estão previstos lançamentos de livros, exibições de filmes, mesas-redondas e peças teatrais. Os eventos têm entrada gratuita (inscrições podem ser feitas pelo site da instituição).
No dia 18, às 16h, começa o ciclo de conferências “Lugares da Literatura”, coordenado pelo acadêmico Godofredo de Oliveira Neto. O historiador Luiz Antonio Simas dará a palestra “Samba de enredo e literatura”. Como vem acontecendo nos últimos anos, os ciclos percorrerão tópicos variados, sempre dialogando com a literatura. Cada mês é dedicado a um tema e conta com a coordenação de um acadêmico.
Em abril, será a vez de “A literatura na Gramática”, pelo filólogo Ricardo Cavaliere, que apresentará um painel da relação entre a arte literária e a disciplina gramatical desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais. Em maio, a editora e crítica literária Heloísa Teixeira administra um ciclo inteiro dedicado a Ariano Suassuna. Em junho, o diplomata e escritor Edgar Telles Ribeiro coordena o ciclo “Editar (n)o Brasil”.
Até dezembro, as conferências vão discutir temas como ambientalismo, política e memória, entre outros. Há também ciclos recorrentes, que voltam todo ano, como a Cadeira 41, dedicada a personalidades que poderiam ter sido imortais, mas não ingressaram na ABL. Este ano, o ciclo acontece em agosto e contemplará os legados de Mario Quintana, Sérgio Buarque de Holanda, Capistrano de Abreu e Dorival Caymmi.
— Procuramos que apresentem a maior diversidade possível — diz o acadêmico Antonio Carlos Secchin, secretário-geral da ABL e coordenador-geral do Ciclo de Conferências. — Ampliando a faixa de representatividade, mais de metade dos conferencistas estará falando na Academia pela primeira vez.
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/03/11/com-auditorio-lotado-fernanda-montenegro-arranca-lagrimas-e-risos-em-recital-na-abl.ghtml
12/03/2025