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Discurso de posse

Nunca, em toda a minha vida, me candidatei a qualquer cargo ou função, aqui ou no estrangeiro. Os que exerci no Poder Judiciário e no Ministério das Relações Exteriores, de que sou aposentado, me foram excepcionalmente destinados, sem concurso e sem pedido meu. Nas próprias Academias de que faço parte, ou fui um dos fundadores, ou incluído apenas mediante consulta que me fizeram. Participei de bancas examinadoras em concursos para professores de Universidade, e uma das vezes, foi meu companheiro o saudoso e querido Hermes Lima. Estou a dizer-vos isso, eminentes acadêmicos, para frisar que só me candidatei, em toda a vida, a esta Academia. Nela fui preterido, uma vez, há mais de meio século, quando era jovem, e recentemente, de novo estimulado por alguns amigos, voltei a concorrer e, pela segunda vez perdi.Quando ia atingir os 87 anos, candidatei-me, espontaneamente, pela terceira vez, e fui eleito. Estou certo de haver um desígnio de Deus em tudo isso: reservou-se-me a grande honra de, mesmo com uma infinita saudade, suceder o meu querido amigo Hermes Lima. Quando recordo que, na manhã de um domingo, em que estaríamos juntos (os dois casais) para almoçar, fui dolorosamente surpreendido com a notícia de seu falecimento, o que me causou um impacto terrível e grande pesar. Mas tenho muito de comum, nas convicções, com os ocupantes anteriores.

A minha entrada, digamos, foi o terceiro prêmio que recebi desta Academia, pois já havia anteriormente recebido dois, que adiante mencionarei, e aqui me encontro para os diálogos que manteremos na Casa de Machado de Assis, e para me lembrar dos que por aqui passaram, deixando, porém, um rastro de saudade e foram iluminadas as suas presenças nesta Casa.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro em 1912, tive o privilégio de conhecer e conviver com José Veríssimo, Rui Barbosa, Clóvis Beviláqua, Coelho Neto, Lafayette Rodrigues Pereira, Oswaldo Cruz, Artur Orlando, Carlos de Laet, Oliveira Lima e, por pouco tempo, no Itamarati, o Barão do Rio Branco. O meu primeiro livro, À Margem do Direito, foi escrito em Pernambuco, aos 17 anos e, ao chegar ao Rio de Janeiro, a Editora Francisco Alves já o tinha publicado em Paris. Um ano após a minha estadia nesta cidade, a Editora Briguiet lançou o meu livro A Moral do Futuro, com o prefácio do Acadêmico José Veríssimo, um dos fundadores desta Academia, que foi, é e está sendo um dos grandes intelectuais do Brasil. Continuei escrevendo e lançando livros e artigos, aqui e no estrangeiro. Com o livro A Sabedoria dos Instintos recebi o Prêmio de Literatura desta Academia, livro que dediquei à memória de Machado de Assis e de José Veríssimo, e, poucos anos depois, faz mais de meio século, o prêmio de erudição, Prêmio Pedro Lessa, com o livro Introdução à Sociologia Geral.

Passemos a falar da Cadeira 7. O patrono, Castro Alves, faleceu aos 24 anos, e quem lê, hoje, o que ele escreveu, não só se ufana de ter tido o Brasil homem tão dedicado ao ser humano, qualquer que fosse a raça, como também pelo sentimento, pela substância e pelo lirismo dos seus poemas. A Poesia enchia a vida de Castro Alves.

Tão jovem, Castro Alves cantava e recitava. Em “A Cachoeira de Paulo Afonso”, que contém o que se passou com Maria, Lucas e o filho do senhor dos escravos, Lucas queria vingar-se deste, que ofendera Maria, mas a mãe lhe revelou que se tratava de um irmão dele. O suicídio de Maria e de Lucas, no barco que trepidava na cachoeira, descrito pelo poeta, tinha de ser posto em poema, como o fez Castro Alves. Tinha Castro Alves de ser considerado, como é, uma das maiores inteligências do Brasil. Imaginemos o que teria feito Castro Alves se tivesse vivido muitos anos.

Antônio Valentim da Costa Magalhães, que foi o primeiro ocupante da Cadeira 7, nasceu no Rio de Janeiro, em 1859, portanto há 120 anos. Aos 20 anos de idade, já era jornalista e escritor. Escreveu livros de Prosa e de Poesia. Em 1877, entrou na Faculdade de Direito de São Paulo e como jornalista, muito brilhou. Antes dos 20 anos, publicara Ideias de MoçoGrito da Treva e General Osório, com Silva Jardim. O seu livro de versos Cantos e Lutas repercutiu. Escreveu o Entreato com Eduardo Prado e o Boêmio com Raimundo Correia. Em 1882 saiu o seu livro Quadras e Contos. Com a morte do pai, o que o feriu profundamente, recitou para a mulher o poema “O Nosso Morto”. De 1886, são os seus Vinte Contos; de 1887, as Horas Alegres; de 1888, as Notas à Margem; de 1889, Escritores e Escritos. Uma interrupção na sua vida de escritor. Só em 1895 saía Filosofia de Algibeira; em 1896, Bric à Brac, e em 1897 o seu primeiro romance, Flor de Sangue. Nos últimos anos de vida, escreveu outros: Fora da PátriaNa BrechaNovos Contos e Outono.

Em Euclides da Cunha havia o sociólogo, o historiador, o geógrafo e o literato. Com a República, volveu ao Exército, ele que havia sido expulso da Escola Militar, na Monarquia, por sua trepidante afeição pelo Estado republicano. Deixou o Exército. Enquanto construía a ponte em São José do Rio Pardo, escreveu Os Sertões. O Barão do Rio Branco confiou-lhe a chefia da Comissão Mista Brasil-Peru; e então, ele conheceu a Amazônia, e escreveu Contrastes e Confrontos, À Margem da História e Peru versus Bolívia. Em 1909, foi assassinado. Lamentei e lamento, ainda hoje, não o ter conhecido. Foi um matemático e, mais do que isso, uma pessoa preocupada com o que a Matemática insere no cérebro dos seres humanos. Lembrei-me dele quando, a respeito da minha conferência sobre Direito, em Berlim, 1930, na Deutsche Juristen-Zeitung, o Professor Ernst Heymann disse que eu havia vindo da Matemática e da Filosofia para o Direito.

Afrânio Peixoto, como os seus antecessores nesta Cadeira, e, esperemos, todos os seus sucessores, tinha um forte amor ao Brasil. Inteligência profunda. O médico, que se fez, invadia campos de outros processos sociais de adaptação – o Direito, com a sua tese de doutorado Epilepsia e Crime e com a posterior função de professor de Medicina Legal, a Política e a Literatura. Na Academia Brasileira ele encontrou o lugar que mais lhe convinha. E não se pode esquecer o peso da Religião que havia em Afrânio Peixoto. E o poeta existia em todo ele. Em Afrânio Peixoto, o cientista, o pesquisador, o professor e médico estão como árvores enormes junto a uma outra cujas folhas como que acariciam aquelas, e tal árvore, tão diferente, era a Literatura. Quem lê a Rosa Mística de Afrânio Peixoto e outros livros seus, percebe a iluminação da psique, e não se pode negar o que nos artigos e livros de Ciência ele injetou de Arte e até de Poesia. Mas o cientista não deixou, desde cedo, de revelar, como em Esfinge se percebe, o que o psicólogo inseria no Romance. As personagens, homens e mulheres, foram concebidas por Afrânio Peixoto, pelo romancista, mas por dentro e até mesmo, digamos, mais ao fundo, já atuava o psicólogo.

Afonso Pena Júnior foi o poeta mais preocupado com o latim, algo de descida nos séculos, como se fosse para ver, através do tempo, a nossa língua, aliás a mais latina ainda hoje. Quando se lê e se vê o que os acadêmicos escreveram e fizeram, inclusive os que ocuparam a Cadeira 7, reconhece-se que a Academia teve, tem e terá uma missão intelectual e histórica que está no coração do Brasil. O discurso-resposta de Alceu Amoroso Lima pronunciado na posse de Afonso Pena Júnior corresponde ao que estava no cérebro e no coração de dois exemplos da sabedoria. Não vou recitar-vos aqui o que Afonso Pena Júnior escreveu, e seria assunto para uma hora de leitura, apontando o que foi o intelectual e o jurista. Quando se discutia se A Arte de Furtar tinha sido escrita pelo Padre António Vieira, foi Afonso Pena Júnior um dos pesquisadores, e o seu livro A Arte de Furtar e Seu Autor não pode ser posto abaixo de qualquer dos outros discutidores. Foi ele que o atribuiu, e provou, a Antonio de Sousa de Macedo. Tem-se a impressão de que Afonso Pena Júnior, além de investigador e de crítico, estava a exercer função de juiz. Aliás, tal característica exsurgia e exsurge a cada momento, em muitos membros desta Academia. Nem sempre se pode fazer o bem sem se julgar. No final do livro de Afonso Pena Júnior, A Arte de Furtar e seu Autor, aponta-se a relação da obra do português anônimo com as viagens de Antonio de Sousa de Macedo, em contradição com a estadia do padre António Vieira no Brasil. Como os brasileiros, muitos vivos e mortos, membros desta Academia, percorreram a História do Brasil e de Portugal! Principalmente, baianos e mineiros.

A Cadeira de que hoje tomo posse teve como patrono Castro Alves, nascido na Bahia, foi ocupada por Euclides da Cunha e por Afrânio Peixoto, outro baiano, e por um mineiro, Afonso Pena Júnior, e de novo pelo baiano Hermes Lima. Hoje, aqui está um alagoano.

Honra-me esta Cadeira por ter escrito, antes da Declaração dos Direitos Humanos, livros sobre os Direitos do Homem, dos quais dois foram, como já mencionei, queimados, e a obra Democracia, Liberdade e Igualdade, assuntos que já marcaram a Cadeira 7. Quem não encontraria isso no grande espírito de Castro Alves, que faleceu com 24 anos? Antonio Valentino da Costa Magalhães, numa Poesia de 1879, quando não tinha ainda 20 anos, disse:

Deus habita a consciência.
O coração descerra
Aos óculos do Bem
O calix purpurino.
Vem perto a Liberdade.
E é isto a Ideia Nova.

Nascido em 1902, Hermes Lima estudou profundamente e ingressou na Faculdade de Direito em 1920, e um dos seus professores, Homero Pires, meu amigo, colocou Hermes Lima e Pedro Calmon na redação do jornal O Imparcial. Formado em Direito e jornalista, Hermes Lima foi secretário e oficial de gabinete do governador da Bahia, e foi ele quem sugeriu para secretário de Educação o jovem Anísio Teixeira, que seria o assunto do seu último livro, escrito em 1978, Anísio Teixeira, Estadista da Educação. É difícil encontrar-se um retrato intelectual e sentimental de tanta fidelidade e de tanto fulgor. Em 1924, antes de completar os 23 anos, Hermes Lima foi eleito deputado da Assembleia Legislativa da Bahia. É digno de mencionar-se que, no mesmo ano, venceu dois concursos na Bahia, com duas teses dignas de leitura: Conceito Contemporâneo de Sociologia e Intervenção Federal. No ano de 1925, já em São Paulo, candidatou-se à Cátedra de Direito Constitucional, com duas brilhantes teses, Princípios Constitucionais e Direito da  Revolução. Foi logo redator do Correio Paulistano, da Folha da Manhã e da Folha da Noite. Lecionou no Instituto de Educação, com a sugestão de Fernando de Azevedo, que todos nós aqui devemos lembrar com saudade. Vindo para o Rio de Janeiro disputou, em 1933, a cátedra de Introdução à Ciência do Direito, com a tese “Material para um Conceito de Direito”. O brilho das aulas e a maneira de ajustar-se aos estudantes e de ajustá-los à sua missão levaram-no a criar admiradores e adversários. Quem inveja quase sempre odeia. Em 1934, foi nomeado Diretor da Escola de Economia e Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Anos antes já proliferava no Brasil, horrível confusão entre Comunismo, Anarquismo e Socialismo, e até religiosos eram acoimados de comunistas. Foi a razão para que eu escrevesse e publicasse, em 1933, o livro Anarquismo, Comunismo e Socialismo, a fim de que se evitassem misturas de conceitos e até as perseguições. Hermes Lima era socialista, e não anarquista, nem comunista. Com o motim de 1935, injustamente foi preso. Lembre-se aqui o que dissera Graciliano Ramos, companheiro de prisão: “[...] a demorada reclusão mudava os caracteres, exceto a Hermes Lima, atencioso, calmo, dedicado e tranquilo.” Era o homem mais civilizado que ele já vira, naquele ambiente, onde tudo era perturbante e de desleixo, Hermes Lima era “polido, correto, de amabilidade, polidez e correção permanentes”. Quero apenas acrescentar que este foi o homem, o intelectual, que os ilustres acadêmicos conheceram, e o homem, o intelectual, o amigo, que conheci. Casou-se em São Paulo com uma mulher extraordinária, que ele bem merecia, e foi um pai como poucos para o seu enteado, e recebeu deste o amor, o carinho e o respeito que nem todos os filhos sabem dar.

Só em 1945, em virtude de acórdão do Supremo Tribunal Federal, voltou Hermes Lima à sua cátedra, tendo, no intervalo, exercido, com brilho, a profissão de advogado. Depois, diretor da Faculdade Nacional da Universidade do Brasil. Já em 1946, foi eleito deputado federal do então Distrito Federal. Em 1961, chefe da Casa Civil da Presidência da República; em 1962, ministro do Trabalho e Previdência Social, e logo após, em novembro, presidente do Conselho de Ministros e ministro das Relações Exteriores; em 1963, ministro do Supremo Tribunal Federal. Em 1951, 1952, 1957 e 1960, foi delegado do Brasil na ONU; em 1954, na X Conferência Interamericana em Caracas, e em 1957, membro da Delegação do Brasil na Conferência Econômica da Organização dos Estados Americanos.

No discurso que Hermes Lima pronunciou em 1945 aos estudantes, ele, que fora demitido em 1936, e preso sem julgamento, percebe-se a grandeza do jurista, do político e do escritor. Com o amor de Hermes Lima à sua pátria e à humanidade, não deixou de mostrar o que tinha havido de acertado, ele o preso e o demitido que tanto sofrera, e o disse com palavras que evidenciam a inteligência, a honestidade e o amor da verdade e da justiça, que estavam enraizados em Hermes Lima.

Com o meu livro sobre Introdução à Sociologia Geral, que a Academia premiou há mais de meio século, e com os Princípios de Sociologia, de Fernando de Azevedo, em 1935, e a Introdução à Ciência do Direito, de Hermes Lima, tem-se evidente o que de novo fez o Brasil no terreno dos processos sociais de adaptação. Todos os membros desta Casa de Machado de Assis devem lembrar Sílvio Romero, que foi fundador da Cadeira 17, hoje ocupada por Antônio Houaiss; Oliveira Viana, da Cadeira 8, e outros acadêmicos, que foram de certo modo e são sucessores de Euclides da Cunha.

Tem-se aludido a Hermes Lima com reiteradas referências à sua ligação com o pensamento marxista, mas devemos repelir tal assertiva. Na sua mente estão lições de todos os grandes cientistas da Sociologia e muito se pode colher do que ele escreveu para a juventude de hoje, como o fez para a do seu tempo. Daí devermos continuar na divulgação do seu primeiro livro. Quando ele lançou o seu livro Problemas de Nosso Tempo, dois processos sociais de adaptação foram o assunto inicial, a Religião e a Política, digamos a Religião e o Estado. Depois, a Moral e a Ciência. À análise dos fatos da vida política desde 1930 Hermes Lima dedicou exame e apreciação que bem revelam a sua coragem e a sua lealdade. O que ele apontava como causas do fracasso da revolução é o que todos nós ainda hoje reconhecemos. Frisemos, porém, que a atuação de alguns bispos e arcebispos, como a do papa, muito mudou, e algo hoje se teria de acrescentar ao que escreveu Hermes Lima. Quanto ao terceiro capítulo dos Problemas de Nosso Tempo – Religião, Moral e Ciência – apenas teríamos hoje de recorrer à aplicação do teste que aconselhamos, que é a de medirmos em cada ser humano os pesos dos sete processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Arte, Economia, Política, Direito e Ciência), para sabermos quais as correções que teríamos de fazer.

Fernando de Azevedo, no livro Princípios de Sociologia (11.ª ed., 1973), refere-se ao que lançamos há mais de meio século, Método de Análise Sócio-Psicológica, que desapareceu do mundo, e nem na minha casa ou na de Fernando de Azevedo se pode encontrar. A crítica de Hermes Lima que então fez à Igreja em grande parte está adstrita àquela época. Muito mudou e muito vai mudar.

Quanto ao livro de Hermes Lima, publicado em 1939, sobre Tobias Barretoa Época e o Homem, não há outro que a ele equivalha, nem, sequer, que para algo mais possa contribuir. Muito se colhe sobre o Brasil e seus problemas quando se leem as críticas de Hermes Lima a Tobias Barreto, com os seus elogios e as mais acertadas exprobrações.

Em Notas à Vida Brasileira (1945), há alusão a Machado de Assis e a Tobias Barreto: “Em Machado de Assis, predominava a vocação literária. Em Tobias Barreto a vocação crítica e reatora.” É Tobias Barreto o patrono da Cadeira 38, cujo Fundador foi Graça Aranha.

Os problemas políticos brasileiros foram sempre assunto dos escritos de Hermes Lima. No livro Ideias e Figuras, o que ele pensava mais clara e veementemente se revela.

Em Travessia, as memórias de Hermes Lima são precisas e reveladoras. Aqui estão dois dos seus colegas de turma, Pedro Calmon e Genolino Amado. O literalismo de Hermes Lima e o seu amor aos fatos e desígnios do Brasil foram evidentes.

O que mais caracterizava a atividade intelectual de Hermes Lima era a presença atenta à vida do Brasil, ao que ocorria nas dimensões sociais. A sua mente sempre buscava o que concernia ao passado, ao presente e ao futuro dos seres humanos e da sua pátria. Não foi só um sociólogo escritor; foi um atento e devotado vigilante do que ocorria e podia ocorrer. Tinha de ser político. O seu livro Lições da Crise mostra como examina, com honestidade e imparcialidade, o que se passou no Brasil desde 1930.

Nunca se encontrou em Hermes Lima, quer nos seus escritos, quer nos seus discursos, quer nas suas conversas, algo que não fosse revelação do seu amor ao Brasil, ao povo, com coerência, claridade e honestidade.

Nos elementos comuns de Hermes Lima e de quem vos está falando, houve sempre a dedicação à Democracia, à Liberdade, à Igualdade e Deus deu-nos duas companheiras que muito nos auxiliaram na luta que tivemos que enfrentar: a ele, D. Nenê, e a mim, Amnéris, ambas paulistas.

Com o livro Introdução à Ciência do Direito, Hermes Lima concorreu, com exatidão e brilho, para o ensino universitário no Brasil. Compõe-se a obra de 35 capítulos em ordem sistemática, que atendem, com clareza e louvável contribuição, ao que se havia de considerar o caminho certo para se chegar às conclusões. Nos cinco primeiros capítulos, o que ele focalizou foi a situação do direito no mundo social, frente à moral e quanto às concepções filosóficas. Depois, mostrou a escala histórica, a teoria do fim do Direito, a Justiça e a Equidade, o Direito e a Economia. Nos Capítulos x-xvi, xix e xx, passou a discorrer sobre o conteúdo do Direito positivo, as suas fontes, a codificação, a interpretação da lei e a revelação científica do Direito. Sobre a eficácia da lei no tempo e no espaço dedicou dois capítulos, o xvii e o xviii. Os direitos e os deveres jurídicos foram assunto dos capítulos xxi-xxiii. Com finalidade de fácil colheita pelos leitores e pelos alunos, há os capítulos xxiv-xxxi, em que se conceituam todos os ramos do Direito. Após isso, focalizando a Ciência do Direito, a evolução histórica do Direito, e o Direito Brasileiro (Capítulos xxxii-xxxiv), revelou a sua dedicação ao ensino, a sua concisão nas lições e a sua pertinência no expor. Finalmente, passou à Técnica Jurídica, da qual trata no último capítulo. Há citações de acadêmicos: Martins Júnior, com o Compêndio da História Geral do Direito, em 1898; Clóvis Beviláqua, com Juristas Filósofos, de 1897, com Teoria Geral do Direito Civil, de 1929, e outros livros; Pedro Lessa, com seus Estudos de Filosofia do Direito, de 1916; Fernando de Azevedo, com os Princípios de Sociologia, de 1935; e o autor do discurso de hoje, com o Sistema de Ciência Positiva do Direito, 1922, e Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, 1928. Outros livros, de grande vulto, foram examinados por Hermes Lima, razão pela qual ele mereceu o agradecimento dos leitores e dos alunos, pois não se lhe poderia negar o que fez pela cultura jurídica do Brasil. Apontando nomes citados por ele, quero apenas confirmar o que todos sabem: a Academia acolheu grandes juristas, posto que não tenham sido assunto para o livro de Hermes Lima, mas constam de outros trabalhos dele. As obras estrangeiras que ele leu e citou foram das melhores do mundo.

Resolvi aludir aos juristas acadêmicos que Hermes Lima citara e dizer que muitos outros constaram e constam da Casa de Machado de Assis, para lamentar que algumas pessoas o reprovem, pois lamentam que a Academia haja recebido juristas. O assunto é em consideração à Academia. Os meus prêmios foram de Literatura e desde muito cedo, há 70 anos, já eu escrevia poesias e prosas literárias em português, alemão, inglês e francês. Pense-se em Lafayette Rodrigues Pereira, em Rui Barbosa e em tantos acadêmicos. “Letras”, no nome da Academia Brasileira, nunca foi somente a propósito de poesia, contos, novelas, romances e crônicas. Aqui estiveram Osvaldo Cruz, Santos Dumont e outros. A Academia exerceu e exerce a sua grande missão e temos de estar atentos ao que ela fez e ao que a ela deve à cultura brasileira e mundial.

No livro Garra, Mão e Dedo, disse eu que não foi, verdadeiramente, o Homem que fez a Assembleia, e sim que foi a Assembleia que fez o Homem. Daí a relevância, para os seres humanos, dos diálogos, das conversas, das reuniões, dos clubes e das academias. Mas, nas academias, a finalidade é fazer valores ou elevá-los, ou, como se dá com as Academias de Letras, de Artes e de Ciências, colhê-los e com eles iluminar-se e iluminar o mundo em que elas operam. Disse bem, no começo do século passado, Joaquim José Caetano Pereira e Sousa: “Entende-se por esta palavra (Academia) uma companhia de pessoas literatas, que cultivam as Ciências e as Artes e se ajuntam para comunicarem entre si os frutos dos seus estudos”. E citou a Academia da História Portuguesa, criada em 1720, e outras, inclusive a Academia de Ciências de Lisboa, em 1779. Pense-se nos acadêmicos que, no século III, se reuniam no Museu de Alexandria; nos acadêmicos de Granada e de Córdoba; na Academia fundada no palácio de Carlos Magno, em 782: na Academia Pontaniana que foi fundada por Antonio Beccadelli, em Nápoles, em 1433; na Academia Platônica, fundada em 1474 por Lorenzo de Médici; na Academia Científica, de 1603, de que foi membro Galileu; na de Florença, em 1657; na Real Academia de Ciências, de 1757; na Academia Francesa, de 1635; e na de Ciências, de 1666, extinta em 1793; na Real Academia de Ciências fundada na Alemanha, em 1700, planejada por Leibnitz; na Academia Imperial de Ciência de São Petersburgo, Rússia, que Catarina I instalou em 1725; e na Academia Britânica para a promoção de estudos históricos, filosóficos e filológicos, em 1902, a despeito de ter-se pretendido criá-la muitos anos antes, em 1616. Os Estados Unidos da América tiveram a Sociedade Filosófica de Filadélfia, em 1727; a Academia de Artes e Ciências de Boston, em 1780; a Academia de Ciências Naturais de Filadélfia, em 1812, e muitas outras.

No Brasil, houve e há, felizmente, muitas Academias. A Academia Brasileira da Bahia foi criada em 1724, dita dos Esquecidos, e a do Rio de Janeiro, a dos Felizes, em 1736, bem como a dos Seletos, em 1751. Em 1791, teve o Rio de Janeiro a Academia Científica; em 1786, a Sociedade Literária. Em 1896, criou-se a Academia Brasileira de Letras em que nos achamos. Todos nós, seres humanos, somos mortais; a Academia, não. O que se deve aos patronos das Cadeiras, aos fundadores e aos sucessores, inclusive aos atuais ocupantes, bem mostra o que o Brasil fez pela Academia.

Aqui estou para a convivência intelectual e afetuosa com todos os eminentes acadêmicos e agradecemos às pessoas que estão presentes a atenção a esta sessão de posse.

15/5/1979