O CORONEL
1
A bem dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes de infância, com uns padres-mestres a dez tostões por mês. Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor formado. Mas disso não faço glória, pois sou sujeito lavado de vaidade, mimoso no trato, de palavra educada. Já morreu o antigamente em que Ponciano mandava saber nos ermos se havia um caso de lobisomem a sanar ou pronta justiça a ministrar. Só de uma regalia não abri mão nesses anos todos de pasto e vento: a de falar alto, sem freio nos dentes, sem medir consideração, seja em compartimento do governo, seja em sala de desembargador. Trato as partes no macio, em jeito de moça. Se não recebo cortesia de igual porte, abro o peito:
- Seu filho de égua, que pensa que é?
Nos currais do Sobradinho, no debaixo do capotão de meu avô, passei os anos de pequenice, que pai e mãe perdi no gosto do primeiro leite. Como fosse dado a fazer garatujações e desabusado de boca, lá num inverno dos antigos, Simeão coçou a cabeça e estipulou que o neto devia ser doutor de lei:
- Esse menino tem todo o sintoma do povo da política. É invencioneiro e linguarudo.
Então, para aprimorar tais inclinações de nascença, caí nas garras da prima Sinhá Azeredo, parenta encalhada na prateleira, uma vez que casamento não achou por ser magricela e devota. Morava em nação de chuva - um oco de coruja chamado Sossego, onde só dava presença bicho penado. De noite, era aquela algazarra de lobisomem, pio de coruja, asa de caburé, fora outros atrasos dos ermos. Metida nos livros de devoção, Sinhá Azeredo não tinha outra aptidão do que ensinar ao parente sabedoria ligada aos anjos do céu. Saía da prima um cheiro de vela, de bafo de coisa de oratório. De tardinha, sumia no quarto das devoções enquanto ficava na soletração da cartilha. Sinhá conhecia toda a raça de ventos e para cortar as maldades e miasmas deles possuía reza da maior força. Por mal dos meus pecados, o que a prima mais apreciava era conversa de assombração, de meninos desbatizados que morriam sem o benefício da água benta ou de herege esquentado em fogueira de frade. Lambia os beiços de cera e ameaçava:
- Criança sem religião acaba no fogo dos hereges.
Meus dias no Sossego findaram quando fui pegado em delito de sem-vergonhismo em campo de pitangueiras. A pardavasquinha dessa intimidade de mato ganhou dúzia e meia de bolos e eu recriminação de fazer um frade de pedra verter lágrima. Simeão, sujeito severoso, veio do Sobradinho aquilatar o grau de safadeza do neto. Levei solavanco de orelha, fui comparado aos cachorros dos currais e por dois dias bem contados fiquei em galé de quarto escuro. No rabo dessa justiça, meu avô deliberou que eu devia tomar rumo da cidade:
- Na mão dos padres eu corto os deboches desse desmazelado.
Atrás da saia da prima Sinhá, lá uma tarde, viajei para o meu novo viver. Como era tempo de chuva, dormi no balanço do trem. Quando dei conta do andado, já a cidade apresentava suas casas e um povinho apressado corria no debaixo dos guarda-chuvas. O homenzinho das passagens, aparecido na porta do vagão, avisou:
- Campos! Campos dos Goitacases!
Anos passei no bem-bom da Rua da Jaca, em chácara de fruteira e casa avarandada. A prima na devoção dos oratórios e eu na vadiagem, com enganos de que esmerava no aprendizado das letras e o que menos Ponciano fazia era aparecer na escola dos frades. Passava semanas em velhacaria de pular muro atrás dos bicos-de-lacres e coleirinhos. O avô Simeão, enterrado no sem-fim dos pastos, não podia acompanhar as capetagens do neto. De mês em mês, assim mesmo na época das águas, é que pisava calçada na Rua da Jaca. Sem tirar a espora, vinha saber dos meus adiantamentos no ensino dos padres. Mostrava a Simeão as obrigações de leitura. Ele, quebrado da vista, balangava a cabeça e dizia folheando a livrarada:
- Muita instrução, muita instrução.
[...]
2
Então, anos de serenata e farreagem poliram a patente de Ponciano de Azeredo Furtado. Foi ocasião em que montei barba na cara. Em viagem especial cheguei ao Sobradinho para requerer consentimento do meu avô. Refestelado na cadeira de couro, o velho despachou o pedido do neto acompanhado de conselho:
- Saiba o capitãozinho que duas coisas de principal um homem deve ter. Barba escorrida e voz grossa.
Em verdade o que firmou esse meu pertence no queixo não foi a licença de Simeão. Foi Dadá Pereira, uma dona de pensão de moças desencaminhadas, que perdia hora sobre hora no cafuné da minha barba. Era babada em gozo que ela dizia:
- Homem que é homem deve ser como o capitão.
Sabia eu também ser piedoso de São Jorge, Santo Antônio e São José. Em tarde de procissão era o primeiro a aparecer, todo barba brilhosa, para puxar andor. De peito estofado, passava pela Rua do Sacramento cantando em voz cheia, que com dificuldade cabia na garganta, as cantorias dos padres. O povo, sempre lembrado da façanha do circo de cavalinhos, cochichava em fala admirada:
- Lá nos paus dos andores vai Ponciano de Azeredo Furtado. É aquele barbudo de cabelo de fogo.
Saía dos compromissos das procissões e de imediato caía nas conversas de café e bilhar. O que valia ao neto de Simeão era a bondade de Francisquinha, que em hora de Deus meu avô arranjou para comandar a casa da Rua da Jaca. A velha ameaçava delatar o que eu fazia até madrugada da estrela-d'alva. Sabidão, eu desgastava as birras de Francisquinha em galhofismo:
- Diz nada. Amanhã boto em seu pescoço prenda de ouro.
Mas foi de supetão que dei baixa nesse viver descuidoso. Uma noite, estando na pagodeira, de serenata armada em varanda de moça donzela, apareceu, esbaforido, portador do Sobradinho. Padre Malaquias de Azevedo, confessor de Simeão, mandava dizer, com palavras de muito pesar, que Deus Nosso Senhor havia posto a mão misericordiosa na doença de meu avô - curou o velho de uma vez dos seus incômodos do baço. O recadeiro, fusquinha bem-falante, ainda ajuntou seu pesar:
- Morte muito sentida, sim senhor, de verter muita lágrima, sim senhor.
Em pé-de-vento passei pela Rua da Jaca para vestir roupa de enterro. Cortava o coração mais de pedra ver Francisquinha, no meio de suas agregadas, carpir a morte de Simeão. Ficou pregada na cadeira do falecido alisando o espaldar como se ele lá estivesse em descanso de domingo. Não agüentei - tive um repuxo no peito e desarvorado deixei atrás o choro da velha, com promessa de voltar de imediato.
- Logo acabada a piedade do sétimo dia, no mais tardar.
No trem, em canto sozinho, chamei o morto às falas, coisa que não fazia nunca. Tanto tempo junto dele e tão distanciado de sua pessoa. Nunca que eu apareci no Sobradinho ou em Mata-Cavalo para um ajutório de neto, para misturar meus gritos de goela nova nas suas ordens de velho. O que consolava era saber que Simeão, nem por sombra, queria que eu aparecesse nos pastos, medroso que Ponciano praticasse uma devastação nos compromissos das negrinhas dos currais. Ele não conhecia o capitão. Do que eu mais apreciava e fazia alarde era da convivência com os rabos-de-saia dos palcos. Conhecido como eu nos teatros e Moulin-Rouge não existia outro igual. As moças das ribaltas, vendo minha despresença, perguntavam de fogareiro aceso:
- Onde anda Ponciano Barbaça?
Logo corria moleque atrás da minha botina. Simeão, desterrado nos ermos, longe estava de conhecer o progresso do neto nos terrenos das velhacarias. Só às vezes, num repente da suspeita, virando a barba como eu também gosto de fazer, é que inquiria em modos de sabido:
- Vosmecê não acha que está antigo para essas labutas de letras?
Convencia Simeão que estudo de saber era assim mesmo, pedia tempo. Tomé de Azeredo Furtado, meu falecido tio, não recebeu canudo de doutor da Justiça na idade dos quarenta e tantos? Simeão resmungava, de novo retorcia a barba. E mais depois, no canto da madrugada, partia para sua nação de boi. Saía o velho por uma porta e eu por outra, que mais de uma janela de moça facilitada esperava meu pulo. No rabo das despedidas, Simeão sempre estipulava:
- Já está em ano de vosmecê tomar responsabilidade nos pastos.
Ia eu, no banco de viagem, relembrando esses e outros acontecimentos, enquanto o trem, por fora da janela, puxava os lonjais. Na curva de Santo Amaro a máquina apitou. Larguei no meio a conversa de meu avô, pois já via o povo do Sobradinho na estação. O padre, feição tristosa, caiu em meus braços:
- Que pesar, que pesar.
De noite, depois do enterro, que foi cerimônia de ser vista e ouvida, jantei tristeza na mesa larga do Sobradinho. E de pé, no fundo da sala, recebi o pesar dos currais. A morte do velho desencavou gente que eu nunca vi e até além da meia-noite a varanda foi rebuliço de espora. Na saída da última visita, o Padre Malaquias requisitou negra de lava-pé. Deram ao reverendo a bacia de prata dos Azeredos Furtados, como cabia em tal ocasião. O batina mergulhou suspiroso os dedos na água e nesse bem-estar entrou em sono largado. Fiquei de sozinho e outra vez vieram as relembranças do meu avô. Como fosse noite adentrada e uma coruja viesse fazer agouro na varanda, fiz recolher o reverendo ao sossego dos lençóis e de minha vez caí no travesseiro. Fui dormir em tristeza e esse acabrunhamento acompanhou meus passos o resto da semana. Rezada missa de sétimo dia, deliberei dar balanço nos deixados de Simeão. Era riqueza de avantajado porte, não só em terras como em benfeitorias e dinheiros. Diante de tanta escritura lavrada e papéis de valia, torci a barba e medi sala em passo militar. A verdade é que Ponciano de Azeredo Furtado era um sujeito enricado. Pensei com meus botões:
- O capitão nasceu de vento em popa.
No arremate do inventário, que não teve embargo da Justiça, por ser eu herdeiro de herança limpa, mandei levantar carneiro de muita religião em comemorativo de meu avô. Fiz questão de municiar o túmulo dele com dois anjos de asa larga, coisa vistosa, de engrossar a fama do cemitério de Santo Amaro. O tabelião Timóteo da Cunha, que cuidou da papelada de cartório, quando a obra ficou pronta teve esta admiração:
- Empombada!
Acabaram meus dias de vadiagem. Tomei respeito, não só pela herança de boi e pasto, como pela patente de coronel que em seguimento recebi. Veio comitiva garbosa trazer a regalia. A casa da Rua da Jaca, do jardim ao pé de abricó, ficou pejada de gente. Com tanta glória à disposição, pensei em tomar estado, o que era do muito empenho do Padre Malaquias. Além do mais, andava eu na casa dos trinta e tantos anos e meu novo viver pedia costela. Uma prima, filha do sepultado tio Tomé de Azeredo, ficou toda ensabonetada para meu lado. Morava longe, mas ao sentir cheiro de casamento voou em trem de ferro e veio desabar na Rua da Jaca. Não chegou a entrar em cogitação. Queria moça de bacia larga, onde eu metesse raiz de sujeito respeitoso, com criação de muitos meninos. A prima não servia - um bambu vestido era mais encorpado do que ela. Juca Azeredo, meu parente do Morro do Coco, estando em passadio de semana comigo, desaconselhou:
- Aquilo é tábua de passar roupa. Moça para o primo tem que ter coxão fornido, capaz de agüentar os repuxos.
Concordei. A prima, desconsolada de ver meu desinteresse, pronto voltou para a sua vida murcha. Nessa ocasião, fechei as portas da Rua da Jaca, com justificativa de que o Sobradinho precisava de mim:
- Melhor engorda do boi é o olho do dono.
No leme da casa do sertão joguei Dona Francisquinha, que gostou de ver lacrada a chácara, uma vez que nos currais seu reinado era mais vistoso, bem aparelhado de negras e mulatas, fora a miudagem dos moleques. Quando os negócios pediam que eu ficasse na cidade, tomava compartimento em qualquer estalagem do Largo da Quitanda. Serenados os trabalhos da mudança, estudei, ajudado pelo Dr. Pernambuco Nogueira, uma raposa da Justiça, as heranças de Simeão. Na companhia de quatro campeiros percorri as posses todas, da cauda ao pescoço, sem deixar de vasculhar o mais desimportante pé de pau. Nos currais de Mata-Cavalo gastei semana e meia em vistoria. Conferi as medidas das escrituras e vi que em muita parte, pela velhice de meu avô, vizinhos de mau caráter tinham adentrado mourões e aramados em prejuízo do que era meu. Dei a conhecer aos ladrões o seu abuso. Não agi na força dos rompantes, em desmandos e desavenças. Remeti a cada um bilhete educado. Antão Pereira, boiadeiro do Sobradinho, gago de nascença, achou graça do meu proceder mimoso. Na sua língua tropeçada, avisou que povo de pasto nunca que ia entender carta rendilhada, com o qual parecer concordou Saturnino Barba de Gato, outro campeiro meu dos tempos de Simeão:
- Bom entendimento tem o compadre Pereira. Ladrão de pasto não sabe lidar com letra de educação.
(O coronel e o lobisomem, 1964.)
UM QUILO DE ESPÍRITO PÚBLICO, POR FAVOR!
Calixto Peixoto, funcionário de pequeno porte de Bela Cruz do Cariré, depois de devastar duas garrafas da famosa Vai em Frente que é Mole, desandou em confidências. Com o ouvido do seu compadre Gervão de Sousa às ordens, passou a dizer:
- Não tem, Gervão velho, coisa mais calhada para abrir as verdades da gente do que uma talagada de cachaça. O sujeito fica liberado de tudo. Sem aguardente na entranha não passo de Peixotinho dos Impostos, mais serviçal que um capacho. Nas minhas águas, sou outra prosopopéia. Sou Peixotão das Mulatas, Doutor Calixto de Sousa e Athayde com ipsilone! Com ipsilone, compadre Gervão! Que diz na cara do prefeito Zacarias do Monte que ele não passa de um ratão velho, que só não leva a pedra fundamental da Prefeitura para casa porque está muito enterrada no barro. Sem calibrina, no meu natural mentiroso, digo o contrário, sou serviçal de tudo que é graúdo da terra. Até artigo de louvor andei derramando nas colunas da Comarca quando esse animal de tração que é Zacarias do Monte inaugurou quarenta anos de furtos e roubos na jurisdição de Bela Cruz do Cariré. Lhe digo uma coisa, compadre Gervão, se baixar nesse ninho de Ali-Babá uma inquirição do governo, não fica ninguém do lado de fora. Entra todo mundo. Vai ser um processo de cem metros. Vão ter que mandar vir reforço de papel até do estrangeiro, que o nacional não vai dar. E eu entro também, compadre, porque nas horas vagas, na hora em que não estou bebido de gambá, meto a mão nos impostos, que não sou besta. Já trabalhei muito pelo processo do município. O que eu quero agora, amigo Gervão, é tirar proveito do meu reconhecido espírito público. Fazer como o compadre muito bem fez, quando era gerente da falecida Fábrica de Tecidos União. Dilapidou a firma de alto a baixo, de não deixar uma chita para ninguém. Viva o compadre Gervão!
(Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon, 1971.)
PORQUE LULU BERGANTIM NÃO ATRAVESSOU O RUBICON
Lulu Bergantim veio de longe, fez dois discursos, explicou por que não atravessou o Rubicon, coisa que ninguém entendeu, expediu dois socos na Tomada da Bastilha, o que também ninguém entendeu, entrou na política e foi eleito na ponta dos votos de Curralzinho Novo. No dia da posse, depois dos dobrados da Banda Carlos Gomes e dos versos atirados no rosto de Lulu Bergantim pela professora Andrelina Tupinambá, o novo prefeito de Curralzinho sacou do paletó na vista de todo o mundo, arregaçou as mangas e disse:
- Já falaram, já comeram biscoitinhos de araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!
E sem mais aquela, atravessou a sala da posse, ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que infestavam a Rua do Cais. O povo, de boca aberta, não lembrava em cem anos de ter acontecido um prefeito desse porte. Cajuca Viana, presidente da Câmara de Vereadores, para não ficar por baixo, pegou também no instrumento e foi concorrer com Lulu Bergantim nos trabalhos de limpeza. Com pouco mais, toda a cidade de Curralzinho estava no pau da enxada. Era um enxadar de possessos! Até a professora Andrelina Tupinambá, de óculos, entrou no serviço de faxina. E assim, de limpeza em limpeza, as ruas de Curralzinho ficaram novinhas em folha, saltando na ponta das pedras. E uma tarde, de brocha na mão, Lulu caiu em trabalho de caiação. Era assobiando "O teu-cabelo-não-nega, mulata, porque-és-mulata-na-cor" que o ilustre sujeito público comandava as brochas de sua jurisdição. Lambuzada de cal, Curralzinho pulava nos sapatos, branquinha mais que asa de anjo. E de melhoria em melhoria, a cidade foi andando na frente dos safanões de Lulu Bergantim. Às vezes, na sacada do casarão da prefeitura, Lulu ameaçava:
- Ou vai ou racha!
E uma noite, trepado no coreto da Praça das Acácias, gritou:
- Agora a gente vai fazer serviço de tatu!
O povo todo, uma picareta só, começou a esburacar ruas e becos de modo a deixar passar encanamento de água. Em um quarto de ano Curralzinho já gozava, como dizia cheio de vírgulas e crases o Sentinela Municipal, do "salutar benefício do chamado precioso líquido". Por força de uma proposta de Cazuza Militão, dentista prático e grão-mestre da Loja Maçônica José Bonifácio, fizeram correr o pires da subscrição de modo a montar Lulu Bergantim em forma de estátua, na Praça das Acácias. E andava o bronze no meio do trabalho de fundição, quando Lulu Bergantim, de repente, resolveu deixar o ofício de prefeito. Correu todo mundo com pedidos e apelações. O promotor público Belinho Santos fez discurso. E discurso fez, com a faixa de provedor-mor da Santa Casa no peito, o Major Penelão de Aguiar. E Lulu firme:
- Não abro mão! Vou embora para Ponte Nova. Já remeti telegrama avisativo de minha chegada.
Em verdade Lulu Bergantim não foi por conta própria. Vieram buscar Lulu em viagem especial, uma vez que era fugido do Hospício Santa Isabel de Inhangapi de Lavras. Na despedida de Lulu Bergantim pingava tristeza dos olhos e dos telhados de Curralzinho Novo. E ao dobrar a última rua da cidade, estendeu o braço e afirmou:
- Por essas e por outras é que não atravessei o Rubicon!
Lulu foi embora embarcado em nunca mais. Sua estátua ficou no melhor pedestal da Praça das Acácias. Lulu em mangas de camisa, de enxada na mão. Para sempre Lulu Bergantim!
(Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon, 1971.)