A REVOLUÇÃO, AS SUAS ORIGENS E O SEU PROGRAMA
O programa da Revolução reflete o espírito que a inspirou e traça o caminho para o ressurgimento do Brasil: institui o aumento da produção nacional, sangrada por impostos que a estiolam; estabelece a organização do trabalho deixada ao desamparo pela inércia ou pela ignorância dos governantes; exige a moralidade administrativa, conculcada pelo sibaritismo dos políticos gozadores; impõe a invulnerabilidade da justiça, maculada pela peita do favoristismo; modifica o regime representativo, com a aplicação de leis eleitorais previdentes, extirpando as oligarquias políticas e estabelecendo, ainda, a representação por classes em vez do velho sistema da representação individual, tão falho como expressão da vontade popular; assegura a transformação do capital humano como máquina, aperfeiçoando-o para produzir mais e melhor; restitui ao elemento homem a saúde do corpo e a consciência da sua valia, pelo saneamento e pela educação e restabelece, finalmente, o pleno gozo das liberdades públicas e privadas, sob a égide da lei e a garantia da justiça.
Em rápida síntese, eis os lineamentos da obra que o Governo Provisório, com a colaboração eficiente de todos os bons brasileiros, pretende levar a efeito, usando de poderes discricionários e tendo em vista, exclusivamente, reintegrar o país na posse de si mesmo.
(Discurso pronunciado no banquete oferecido pelas classes armadas, em 2 de Janeiro de 1931. In: A Nova Política do Brasil, vol. I., 1938.)
A REVOLUÇÃO E O REGIME LEGAL
Ainda não chegou o momento dos juízos definitivos sobre a Revolução, no seu determinismo, no seu desdobramento, no seu impressionante desfecho. A História aguardará do tempo, para o seu veredictum, que seja encerrado o vasto e completo inquérito desta fase da vida nacional, agitada tanto pelos ideais quanto pelas paixões.
As sentenças decisivas acerca de homens, de ações, de corporações, de partidos, de acontecimentos, de resultados espirituais e materiais de toda ordem, verificados no cenário brasileiro do presente, serão formuladas por uma crítica futura sobranceira a personalidades, exclusivismos, preferências ou preconceitos de zona, de classe, de partido, de seitas. É cedo, ainda, para ser feita a história da revolução e das causas que a determinaram.
De mim, direi que, quando, ante os atropelos e desmandos do Governo deposto, a Revolução se impôs como única solução digna para o país, sempre me recusei a lançar meu Estado, de cujos destinos me incumbia a defesa, num movimento isolado, sem o apoio e a solidariedade das outras circunscrições federativas.
Para comprovar tal asserção, bastar-me-ia invocar o testemunho de todos os elementos civis ou militares que me ouviram e auxiliaram nessas horas incertas e atribuladas. Sempre pensei e atuei para que a Revolução tivesse o cunho e a extensão de um movimento nacional.
E assim ocorreu.
Julgada inevitável a reação armada pelos governos de Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul e ajustada a necessária convergência de esforços recíprocos, em torno deles se articularam as formações revolucionárias dos outros Estados.
No trabalho de preparo e organização de planos e forças, desempenharam papel salientíssimo pela experiência e pela abnegação os diversos elementos militares que se incorporaram ao movimento.
Parte precípua no desenvolvimento da campanha coube à propaganda cívica promovida pela Aliança Liberal, constantemente estimulada pelos atos de provocação e violência dos partidos dos poderes dominantes.
A Revolução não foi, todavia, nem militarista nem civilista ou regionalista: foi nacional, brasileira.
Ninguém, portanto, ousará invocar direitos, em relação a ela, para lhe imprimir rumos exclusivistas.
(Manifesto à nação, lido em sessão solene no edifício da Câmara dos Deputados, a 14 de Maio de 1932. In: A Nova Política do Brasil, vol. II., 1938.)
A UNIÃO SAGRADA DOS BRASILEIROS
Brasileiros! Debruçai-vos sobre o mapa da nossa Pátria! Observai o imenso domínio de que se apoderaram os nossos maiores, desprezando vicissitudes, retemperando o caráter, a cada hora, nas lides contra os acidentes naturais, recuando as raias da superfície geográfica até aos pendores da cordilheira dos Andes, galgando montanhas, transpondo caudais, varando saltos e cachoeiras, rompendo estradas em regiões inóspitas, drenando pântanos e alagadiços e assentando os alicerces de uma Nação de cerca de nove milhões de quilômetros quadrados!
Essa epopeia, entretanto, é sobrepujada por outra ainda mais impressionante e que deve encher de justo orgulho a todos vós. A manutenção da unidade brasileira constitui fenômeno sem paralelo na história dos povos modernos. O centrifugismo foi a lei que imperou em nosso Continente. Enquanto, ao longo das nossas lindes, os vice-reinados espanhóis se desagregavam, decompondo-se em dezenas de Estados; enquanto, na Europa e na Ásia, poderosos impérios se desarticulavam, mantínhamos com inquebrantável fidelidade o ritmo da nossa união sagrada. Nada nos separou, nada teve o dom de afrouxar os elos que nos soldam numa cadeia indivisível. A unidade brasileira é um dogma inviolável e um exemplo que nos servirá de bússola no rumo do porvir.
(Discurso pronunciado na Esplanada do Castelo, por ocasião da cerimônia do Juramento à Bandeira, a 7 de Setembro de 1934. In: A Nova Política do Brasil, vol. III, 1938.)
NECESSIDADE E DEVER DE REPRESSÃO AO COMUNISMO
Num país como o Brasil, de vasto território, de caldeamento complexo, que abre as suas portas a todos os que queiram trabalhar e viver do trabalho, torna-se imperiosa a articulação completa das forças sociais, dentro de princípios salutares de disciplina que lhe asseguram crescimento pacífico e orgânico.
Nenhuma oportunidade melhor para empreendermos todas as tarefas urgentes de organização social e política capazes de fortalecer cada vez mais os laços da unidade nacional, preparando-lhe rumos seguros e definitos.
Atravessamos um momento decisivo da nossa história, que não comporta dubiedade de atitudes, bizantinismos jurídicos ou cediços apelos demagógicos. A opinião pública já não se ilude nem se impressiona com esses processos de fácil popularidade; muito ao contrário, perfeitamente esclarecida e alerta, o que reclama, através de manifestações inequívocas, é uma ação cada vez mais vigilante e enérgica do Governo no sentido de garantir a ordem e a estabilidade das instituições.
Precisamos recompor e estruturar solidamente os princípios básicos da nacionalidade. E isto só será possível mediante uma articulação completa e estreita de esforços, solidarizando vontades e consciências, reforçando os vínculos da família, da religião e do Estado, empenhando todos os nossos valores morais num movimento profundo e convergente de disciplina e educação, capaz de sobrepor-se aos particularismos e dissenções estéreis e de transformar-se numa corrente poderosa de opinião nacional.
(Resposta à manifestação popular recebida, na Capital Federal, por ocasião do regresso de Petrópolis, a 10 de Maio de 1936. In: A Nova Política do Brasil, vol. IV. 1938.)
PROCLAMAÇÃO AO POVO BRASILEIRO
O homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão excepcional, de amplas repercussões e profundos efeitos na vida do país, acima das deliberações ordinárias da atividade governamental, não pode fugir ao dever de tomá-la, assumindo, perante a sua consciência e a consciência dos seus concidadãos, as responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegada pela confiança nacional.
A investidura na suprema direção dos negócios públicos não envolve, apenas, a obrigação de cuidar e prover as necessidades imediatas e comuns da administração. As exigências do momento histórico e as solicitações do interesse coletivo reclamam, por vezes, imperiosamente, a adoção de medidas que afetam os pressupostos e convenções do regime, os próprios quadros institucionais, os processos e métodos de governo.
Por certo, essa situação especialíssima só se caracteriza sob aspectos graves e decisivos nos períodos de profunda perturbação política, econômica e social.
A contingência de tal ordem chegamos, infelizmente, como resultante de acontecimentos conhecidos, estranhos à ação governamental, que não os provocou nem dispunha de meios adequados para evitá-los ou remover-lhes as funestas consequências.
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A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais de federação orgânica.
Circunstância de diversa natureza apressaram o desfecho deste movimento, que constitui manifestação de vitalidade das energias nacionais extrapartidárias. O povo o estimulou e acolheu com inequívocas demonstrações de regozijo, impacientado e saturado pelos lances entristecedores da política profissional; o Exército e a Marinha o reclamaram como imperativo da ordem e da segurança nacional.
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Tenho suficiente experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suas exterioridades e satisfações de caráter pessoal. Jamais concordaria, por isso, em permanecer à frente dos negócios públicos se tivesse de ceder quotidianamente às mesquinhas injunções da acomodação política, sem a certeza de poder trabalhar, com real proveito, pelo maior bem da coletividade.
Prestigiado pela confiança das forças armadas e correspondendo aos generalizados apelos dos meus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro, com o firme propósito de continuar servindo à Nação.
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A campanha presidencial, de que tivemos, apenas, um tímido ensaio, não podia, assim, encontrar, como efetivamente não encontrou, repercussão no país. Pelo seu silêncio, a sua indiferença, o seu desinteresse, a Nação pronunciou julgamento irrecorrível sobre os artifícios e as manobras a que se habituou a assistir periodicamente, sem qualquer modificação, no quadro governamental que se seguia às contendas eleitorais. Todos sentem, de maneira profunda, que o problema de organização do Governo deve processar-se em plano diferente e que a sua solução transcende os mesquinhos quadros partidários, improvisados nas vésperas dos pleitos, com o único fim de servir de bandeira a interesses transitoriamente agrupados para a conquista do poder.
A gravidade da situação que acabo de escrever em rápidos traços está na consciência de todos os brasileiros. Era necessário e urgente optar pela continuação desse estado de coisas ou pela continuação do Brasil. Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização.
Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração. A tanto havia chegado o país. A complicada máquina de que dispunha para governar-se não funcionava. Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade.
Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação: - na sua autoridade, dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobrepor-se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino.
(Lida no Palácio Guanabara e irradiada para todo o país, na noite de 10 de Novembro de 1937 In: A Nova Política do Brasil, vol. V, 1938.)
AS DIRETRIZES DA NOVA POLÍTICA DO BRASIL
O Brasil precisa de técnicos, de especialistas, de homens votados à solução dos seus problemas fundamentais. As escolas de ensino superior não podem funcionar como compartimentos estanques, sem contato com as formas correntes da vida. Incumbidas de plasmar os espíritos jovens, seria perigoso que, em vez de nos ligar à realidade imediata do meio social, de os conduzir ao estudo das questões vitais para a nacionalidade, os isolassem do ambiente onde irão trabalhar e viver, transformando a instrução numa torre de marfim de cerebrais e inadaptados. A tarefa dos mestres apresenta-se, assim, com o duplo aspecto de transmitir conhecimentos e de orientar e ajudar a formação das novas gerações. Eles precisam, a seu turno, identificar-se com aspirações e necessidades do seu tempo e da sua sociedade, influindo na vida nacional, inspirando aos moços sadio e construtivo idealismo. Isso não importa, de nenhuma maneira, em abandonar os hábitos de pesquisa superior, que não visa objetivos imediatos ou aplicações de utilidade prática. Bem compreendemos que, sem investigar os grandes princípios conformadores da ciência, que é um processo de criação ininterrupta e não uma forma cristalizada e inerte, não será possível dar ao povo brasileiro a cultura de que necessita. Não se deve, entretanto, confundir o aparente desligamento da realidade que empolga o sábio, no seu laboratório, com o luxo espiritual que afasta o homem da Natureza e o leva aos bizantinismos e aos jogos de agilidade mental que se superpõem à vida e a deformam. Nem isso, nem a convicção fácil dos que se supõem epicuristas, à caça do êxito falso, do gozo material, exclusivo, na existência.
(Discurso proferido a 13 de Novembro de 1940. In: A Nova Política do Brasil, vol. VIII. Rio de Janeiro, 1942.)
CARTA TESTAMENTO
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo condenaram-me novamente, e se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios, de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de liberação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação de avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de cem milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem um sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chamada imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
(Extraído do Diário de Notícias de 24 de agosto de 1954)