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Sessão da Saudade homenageia Heloisa Teixeira

 

A Academia Brasileira de Letras fez, na última quinta-feira, dia 3 de abril, a sessão da Saudade para Heloisa Teixeira, que morreu dia 28 de março. Na presença dos filhos Lula e Andre, o presidente Merval Pereira lembrou que Heloisa teria passado o bastão da Universidade das Quebradas na ABL ao Acadêmico Godofredo de Oliveira Neto, e por isso, ele foi escolhido para falar em nome da ABL.

Após a sessão da Saudade, Merval Pereira declarou aberta oficialmente a vaga da cadeira 30, e o poeta e professor Paulo Henriques Brito foi o primeiro a se inscrever. Acompanhe a fala de Godofredo de Oliveira Neto.

“A Helo abria sempre novos caminhos e fazia o navio brasileiro avançar com os estudos e as ações feministas, e a abertura das instituições para a periferia. Foi assim na universidade, na ABL e na vida.

Bem, amigas e amigos desta casa, familiares, alunos e alunas da Helo, minhas queridas e meus queridos colegas da ABL, nós tivemos a honra e a imensa alegria de contar na nossa intimidade acadêmica com a grande protagonista entre os atores e as atrizes que enfrentam o conservadorismo de parte substantiva da nossa nação.

O imaginário brasileiro recebe da Helo, essa Helo dos afetos, da generosidade e da fraternidade sempre – o imaginário brasileiro recebe, dizia - um vendaval que vai fazer avançar e tornar menos injusta a formatação piramidal da nação.

Trazer à periferia o movimento negro, o movimento LGBT, o feminismo - Helo era uma das grandes feministas do Brasil - o respeito pela natureza, a luta pela tolerância religiosa, o ardor, a dedicação e o empenho constante pelo fim dos preconceitos significaram, e significará sempre - este é o legado da querida Helo, uma proposta factível de redefinir as mentalidades.

Ainda há muito pouco tempo. Ela me dizia, Godô, como sempre estivemos nesses combates juntos, você vai me ajudar a elegermos mais mulheres para a ABL, né?

Minha relação mais próxima com a Heloísa data de 1980, 45 anos de respeito e admiração. Lá pelos anos 90, trabalhamos juntos para a elaboração do Programa Avançado de Cultura Contemporânea, o famoso PACC.

O projeto tinha que passar pelas instâncias deliberativas dos conselhos superiores da universidade e ao fim de muitos encontros políticos e discursos no colegiado, foi aprovado. Fizemos uma comemoração na minha casa com comes e bebes e até choro de emoção rolou. Pois bem, o PACC, esse PACC, se tornou o mais importante programa na área nas universidades brasileiras e um modelo para centenas de instituições públicas e privadas.

O academicismo cedeu, a Helô era craque do convencimento e na sedução das suas ideias, e a UFRJ mudou. Com ela, as outras instituições de ensino do Brasil afora.

Logo no seu início, ela me convidou para tentar um programa de escritor residente no PACC. O financiamento para a programação não saiu e não houve continuidade. Mas foi aí que escrevi o romance “Menino Oculto”, envolto nas fragrâncias e fluidos, extravagâncias e excentricidades do Instituto de Psiquiatria e o PINEL, ambos na Praia Vermelha, importantes para a alma e a psicologia do romance citado.

Agradeço a Helo nas primeiras páginas do livro. O PACC estava justamente lotado na Praia Vermelha. Eu coordenava, na época, o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, ali no Palácio Universitário da Praia Vermelha. Já nas letras, no fundão, o PACC ficou sob a coordenação competente e afetuosa da colega e amiga professora Beatriz Rezende. E vejam como as pontas se unem. Helo acadêmica da ABL e o PACC na ABL. A Helo que, já acadêmica, dizia aos quatro ventos da sua alegria de integrar a ABL, de como ela se sentia bem e livre para trabalhar na Casa de Machado.

Universidade das Quebradas, citado agora pelo nosso presidente, um dos projetos mais exitosos do PACC pela densidade social, determinação e dignidade ao trazer para a Academia Universitária o saber, o sentimento e a essência das periferias, veio para a Casa de Machado de Assis. Durante o ano de 2024 inteiro, Machado, um negro do Morro da Previdência e maior escritor brasileiro, viu com emoção compartilhada pelos acadêmicos e acadêmica da Casa, se formarem novos ângulos de leitura da cultura do Brasil.

E quem desenhava e arquitetava na ABL esses ângulos era a Helo. Participei da primeira aula e da última das Quebradas nesse 2024. A cerimônia de formatura dos alunos foi, por emoção, um pouco como eu estou também agora, com as famílias presentes, o nosso teatro lotado.

Interrompi várias vezes as minhas palavras no microfone, diante daquela plateia, e orgulhoso da Helo, orgulhoso da liberdade brasileira, e orgulhoso da Academia Brasileira de Letras. Helo, ensaísta, a editora, a escritora, a crítica cultural brasileira, a especialista em literatura brasileira, a acadêmica e autora de tão seminal obra vai estar aqui ao meu lado sempre.

Como não lembrar de quando ela me puxava para as poltronas da nossa biblioteca, aqui ao lado, para falar com carinho dos filhos, das noras, dos netos, das netas, dos amigos próximos, contar histórias afetuosas dessa galera toda. No livro “27 Poetas Hoje”, de 1975 até os mais recentes, a leitura dos livros da Helo empurra o Brasil para a frente. Helo não se contenta em acumular as informações que a sua vasta erudição lhe indica.

Mais importante para ela é a articulação dos fatos. Vale para ela como a arte e a cultura abraçam o essencial da evolução da humanidade. O humanismo incentivador para os jovens que se lançam na aventura das artes e da escrita ficcional é outro ponto que queria aqui realçar. Sempre conversávamos a respeito e não poucas vezes trouxe até ela jovens com originais na mão, em busca de seus conselhos e ponderações.

O carinho emocionava. Ainda muito a dizer, tenho mais duas folhas, queridos parceiros dessa homenagem, mas acho que preciso me ater ao tempo, então encerro por aqui. Se me permitirem, querida Helô, vai dando notícia pra gente daí de cima. Obrigado.

Em seguida, a Acadêmica Ana Maria Machado fez sua homenagem à amiga.

“Hoje trouxe um texto para segurar melhor o lado emocional. Eu nem tenho como falar da falta que a Helo vai fazer. À nossa cultura, à Academia, ao Rio de Janeiro, à vida de todos nós, com seu afeto, sua capacidade de detectar de longe o que vem brotando escondido na criação brasileira, sua antena para a capital que precisa ser gestada, sua coragem, sua solidariedade atenta e inclusiva.

Mas, em termos pessoais, eu sinto essa perda de uma maneira muito funda. Uma amizade construída ao longo de décadas, em diferentes momentos, em diferentes casas, todas lindas, gostosas, maravilhosas, casas e apartamentos, desde pequenininhos, nos fundos, na Rua Jardim Botânico, no prédio dos fundos. E nós podíamos ficar meses sem nos falar às vezes, e, de repente, uma ligava para a outra e eram conversas intermináveis. De repente, ela dizia, eu quero trocar ideias, posso gravar para registrar? Ela pedia para gravar. E levantava questões sérias para discutirmos. Mesmo se, às vezes, não conseguimos concluir nada na hora, mas aquilo ia rendendo depois em conversas sucessivas. E o diálogo provocador nesse momento sempre nos iluminava, as duas. Volta e meia me dava toques preciosos para mim, para a minha carreira, para a minha vida, para tudo.

Como, por exemplo, quando ela terminou de ler meu romance tropical “Sol da Liberdade”, ela me deu uma força enorme, isso foi em 88, ela me deu uma força enorme ao destacar que sempre tinha negado a existência de uma escrita explicitamente feminina, reconhecendo apenas uma estratégia feminina da escrita, que é uma distinção muito aguda e inteligente. Mas meu livro a fizera mudar de ideia, e ela fez questão de deixar isso por escrito, em um texto que eu incluí mais tarde numa nova edição do livro.

Na pandemia, quando eu lhe revelei que eu estava empacada, sem conseguir escrever nada, só tinha vontade de explorar lembranças, mas eu me recusava a ficar olhando para o meu próprio umbigo, Helo foi incisiva: Ana, deixa de bobagem, para nós isso não existe, nosso umbigo é coletivo.

Sem esse empurrãozinho, eu não teria escrito meu livro “Rastros e Riscos” - em primeira pessoa e mergulhando na memória. Fiz questão de registrar isso no texto. Nós conseguimos compartilhar vivências únicas com uma cumplicidade e confiança que agora estão perdidas para sempre.

Desde questões afetivas e existenciais a dúvidas profissionais, de confissões do intenso carinho familiar que nos sustenta, à irritação com cobranças pela imagem pública que nos aprisiona. Tipo derramamentos de amor e corujice explícita, orgulho por noras, filhos, netos, netas, sem medo de parecer piegas.

Ou a necessidade de ocultar a irritação com quem, às vezes, quer usar nossa imagem ou bancar papagaio de pirata às nossas custas; ou confissões de não querer mais ler nada na vida que seja por obrigação de estar atualizada.

O reconhecimento de não ter lido a obra de alguma escritora fundamental que, teoricamente, teríamos a obrigação de navegar com intimidade. Todas essas confissões que nós nos trocávamos. Os que convivíamos de perto com Helô não ficamos apenas mais pobres intelectualmente sem ela. Como todo mundo em volta reconhece, o país ficou. Nós ficamos muito mais sozinhos. E isso dói demais.”

10/04/2025