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Na Sessão da Saudade, homenagem a Cacá Diegues

 

Na presença da viúva de Cacá Diegues, Renata Magalhães, da filha Isabel, do neto Pedro e sua namorada, Flora, e dos sobrinhos netos Clara e Carlos Manuel, foi realizada, no dia 13 de março, a sessão da Saudade em sua homenagem.

Na ausência do presidente da ABL, Merval Pereira, gripado, coube ao Secretário Geral da ABL, Antonio Carlos Secchin presidir a Sessão da Saudade em homenagem a Cacá Diegues. Merval Pereira mandou uma mensagem, lida por Secchin:

Minhas caras, meus caros, infelizmente não poderei comparecer à Sessão da Saudade do nosso querido Cacá Diegues. Uma gripe severa não me deixa conviver com os amigos sem risco de espalhar um vírus indesejável, ainda mais na nossa idade. Já expliquei para a querida Renata as razões da ausência, que ela tenha certeza de que estarei presente na reunião com o Cacá no coração. Semana que vem estou de volta.

Coube a Rosiska Darcy, amiga e vizinha do Alto da Boa Vista, no papel de oradora oficial, abrir os depoimentos:


Coube a mim dizer a vocês a falta que Cacá nos faz.

Aqui, nas sessões, no chá, nos eventos, enfim, na vida cotidiana dessa academia, em que ele esteve sempre tão presente, tão marcadamente presente. É uma grande falta.

E a mim, particularmente, porque, como você bem sabe, Renata, sementes separam as nossas casas.

E a floresta em que Cacá vivia, em que nós vivemos, Foi cenário de momentos muito felizes, de muita conversa, muita alegria e muitos sonhos em comum.

Vizinhos e amigos, nossa floresta encantada, um dia amanheceu muito triste.

Cacá tinha ido embora. Tinha ido embora.

Cacá foi-se embora com o zumbi. Foi-se embora com o zumbi. Ele sabia que o zumbi sabia voar.

Que zumbi era imortal. E ele, Cacá, também era imortal.

Ele tinha aprendido, o acadêmico Cacá Diegues, tinha aprendido, quando menino, com uma pessoa que foi muito central na vida dele, e de que ele falava sempre, a Bazinha, uma babá que cuidava dele, que o zumbi sabia voar e que, por isso, ninguém pegava o zumbi, e o zumbi era imortal.

Nasceu assim um menino brasileiro que não se encantou nem com Batman, nem com Super-Homem, com nenhum desses super-heróis.

Ele se encantou, desde pequeno, com a cultura negra. Se encantou com essa cultura que era então completamente invisível. Se encantou com o Brasil.

Era um menino, um menino nordestino. Esse menino cresceu para contar a história de Ganga Zumba. Contou a história de Ganga Zumba, contou a história de Chica da Silva, contou tantas histórias do Brasil.

Há quem diga que Cacá descobriu o Brasil e há quem diga que Cacá inventou o Brasil. Eu não sei qual das duas versões é verdadeira, mas todas as duas contêm grandes elogios, porque, de fato, Ele foi um rapaz de Botafogo, morando em Botafogo.

Um rapaz que a mãe não deixava muito circular pela cidade porque tinha medo da cidade. Ele foi um rapaz que se escondeu nos cinemas, procurou diversão no cinema. E nasceu aí um dos maiores cineastas brasileiros.

Ele e Davi Neves partilhavam esse mesmo amor pelo cinema e, um dia, isso foi ele mesmo que me contou, Davi Neves disse a ele, mas nós podemos fazer cinema no Brasil.

E foram fazer cinema. Nasceram, então, os primeiros filmes, nasceu Fuga, nasceu... não me lembro mais direito, eram os primeiros filmes dele.

Foi Fuga, Domingo e um documentário sobre a construção de Brasília, que ele fez porque foi com o pai visitar Brasília e fez um...

Domingo desapareceu. É um filme que está desaparecido, perdeu-se em Gênova.

Mas, enfim, ele fez esses primeiros filmes, ainda muito rapaz. E depois, então, veio a vida do grande cineasta que levou o novo para o cinema.

E foi depois que ele levou o novo para o cinema, juntamente com Glauber, por exemplo, alguns anos depois, surgiu a Exposição Cinema Novo. Mas, na verdade, o que veio primeiro foi o novo que eles levaram.

E o que foi esse novo? Foi a liberdade. Foi fundamentalmente a liberdade. A capacidade de fazer um filme que não fosse mais a imitação dos grandes clássicos que corriam pelo mundo, mas que fosse a expressão de uma realidade que ele sentia e ressentia.

Eu creio que a obra do Cacá foi fundamentalmente uma expressão da percepção que ele teve de que vivia num país extraordinário, um país com uma cultura particular, com uma cultura que nenhum outro país tinha na sua diversidade e que era, segundo ele mesmo dizia, de uma sensibilidade e de uma emoção admiráveis.

Essas palavras eu tiro dele.

Foram as posições que ele usava para falar do Brasil. E dizia que talvez fosse esse o futuro do mundo, que talvez o Brasil fosse o futuro do mundo.

E ele vivia o Brasil como se fosse o futuro do mundo. E era, ao mesmo tempo, o nosso presente. Então, o acadêmico Carlos Diegues, com quem nós convivemos, o nosso Cacá, era, antes de tudo, um homem de afetos, um homem de amores e de uma imensa ternura pelo seu próprio país.

Eu creio que o Brasil teve um papel fundamental na obra do Cacá.

Eu creio que a obra do Cacá teve um papel fundamental no Brasil, na construção do Brasil. E é por isso que eu digo, eu não sei se ele descobriu ou se ele inventou o Brasil.

De qualquer maneira, houve uma fusão entre os dois que fazia com que ele se orgulhasse até mesmo de tudo aquilo que nós todos criticávamos, e ele também.

Todas as mazelas do Brasil. Ele se orgulhava também delas, porque ele dizia que essas mazelas somos nós. Nós somos assim.

Isso deu, evidentemente, à obra do Cacá um filme como Bye Bye, Brasil.

Todos os filmes do Cacá têm esse olhar, que é um olhar terno em relação a essa realidade que é a nossa.

Cacá achava que o Brasil ia dar certo e dizia O Brasil vai dar certo. Por que, eu não sei.

Nem como. Mas vai dar certo.

E agia como se assim fosse. Trabalhava como se assim fosse.

O Brasil ia dar certo.

O otimismo e a alegria eram qualidades que ele destacava fortemente na nossa cultura e que dizia que nós não podíamos perder nunca, porque isso era a nossa contribuição Repito, expressão sempre dele, o futuro do mundo.

O futuro do mundo, dizia ele, é isso, o prazer de estar vivo, de contribuir com a sua personalidade, com o seu sentimento, a sua imaginação, para o futuro do mundo.

O prazer e o sofrimento, isso sempre acontece conosco, dizia ele, que conheceu bem sua vida, o prazer e grandes sofrimentos também, como chuvas de verão. Eram chuvas de verão.

O novo cinema, o cinema novo, foi essa liberdade e foi a expansão desse prazer e desse sentimento.

Uma figura encantava no sentido de trazer um encantamento na vida do Cacá, encantava o Cacá, era Jorge de Lima.

Jorge de Lima foi uma referência fundamental na obra dele e ele acabou por filmar um poema dele. Uma aventura filmar um poema e fez com esse poema fosse um dos seus mais belos filmes, talvez uma de suas obras-primas, O Grande Circo Místico, que nós todos aqui vimos.

Eu não preciso falar muito da obra do Cacá, nem teria tempo para isso. A obra cinematográfica, uma vez que ele fez mais de 20 filmes, e todos aqui vimos os filmes do Cacá, todos aqui fomos formados por esses filmes.

Então, o que havia de mais interessante nele também era essa originalidade com que fazia que ele fosse, ao mesmo tempo, um admirador de John Ford e um admirador de Godard.

Sem explicações.

Cacá não era um homem de grandes explicações, era simplesmente um homem de grandes sentimentos e que aderia facilmente à sua liberdade, à liberdade das suas contradições, à liberdade das suas diferenças, enfim.

O menino Cacá era assim.

E depois que ele fez o Grande Circo Místico, preparou um filme chamado Aquela Dama, que era um filme que teria sido feito com sua filha Flora, e no qual ele investia muito, muitas esperanças.

A dor se abateu sobre ele e sobre vocês naquele momento. A perda da Flora colocou um ponto final no Aquela Dama.

Cacá prosseguiu na sua coragem, uma grande coragem, tentando mais um filme, que seria o seu último filme, Deus é Brasileiro. Deus ainda é brasileiro. Deus é brasileiro ficou lá perto de antes.

E um belo dia, como eu disse, Cacá foi-se embora. O menino Cacá, o acadêmico Carlos Diegues, era a mais doce das criaturas.

O colega querido, esperado no chá e nas sessões, mas era também o corajoso guerreiro que liderou a resistência e a sobrevivência do cinema brasileiro nos piores momentos.

Cacá viveu os tempos sombrios com uma coragem, um destemor, uma capacidade de se expor que lhe valeu, sem dúvida nenhuma, o título de líder do cinema novo.

Ele apostou na cultura e na inteligência como práticas da liberdade.

E foi assim que ele se tornou, de fato, imortal.

Renata, querida, todos nós, acadêmicos e acadêmicas, Os artistas brasileiros, dizemos aqui a você e a família do nosso Cacá, não só a nossa saudade, mas também a nossa imensa gratidão.

Muito obrigada.

 

O Acadêmico Celso Lafer mandou, de São Paulo, uma mensagem para a família, lida por Antonio Carlos Secchin:

“Compartilho as palavras de saudade que celebram nosso confraterno Cacá Diegues, que enriqueceu a criativa linguagem do cinema brasileiro com a originalidade de sua filmografia e que oferecia aos seus leitores, nas suas crônicas semanais, a riqueza humana da pluralidade do seu olhar”.

Em seguida, falou a Acadêmica Ana Maria Machado.

Cacá Diegues e eu nos conhecemos adolescentes, na década de 1950, quase aqui ao lado, num galpão perto do aeroporto, onde funcionava o jornal “O Metropolitano”, de estudantes secundaristas.Com Roberto Pontual, Rubem Rocha Filho, Leopoldo Serran, ele cuidava da parte cultural. Eu colaborava e estudava pintura no Museu de Arte Moderna, quase ao lado. Na cantina do MAM, se reunia a turma, crescente à medida que fomos entrando para as faculdades. Daí, com Cosme Alves Neto à frente, e mais Afonso Beato, David Neves e outros, saíamos para assistir aos filmes da cinemateca que se constituía e fazia sessões regulares no auditório da ABI. Logo uns partiram para fazer cinema, tendo à frente Cacá e seu Cinco vezes favela.

Em 1960, o Salgueiro ganhou seu primeiro campeonato, com Palmares, um belíssimo samba de Anescarzinho, Walter Moreira e Noel Rosa de Oliveira, e uma revolução visual de Fernando Pamplona, professor da Escola de Belas Artes, cujos alunos também eram “da turma”. O tema ficou na ordem do dia. João Felicio dos Santos publicou três anos depois seu romance Ganga Zumba. Cacá resolveu filmá-lo e chamou o autor para se juntar a Leopoldo e Rubem na feitura do roteiro desse que seria seu primeiro longa-metragem, em 1964. E em 1968, ao dar meu primeiro curso na recém-criada faculdade de letras da UFRJ, eu focalizei justamente esse livro e Quarup de Antonio Callado como eixos condutores da mais recente literatura que se fazia no país, acentuando a força da presença africana e indígena na nossa sociedade. Troquei muitas ideias com Cacá na ocasião. Teatro, cinema, literatura, música, artes visuais, atuávamos todos no debate cultural, participando de protestos, passeatas, na luta pela democracia.

Pouco depois, muitos de nós estávamos no exilio – época em que voltei a conviver muito intensamente com Cacá, aí numa amizade madura de casais gestando e cuidando de filhos pequenos nascidos longe do Brasil, compartilhando um cotidiano de dores e alegrias. Guardo lembranças afetivas fortes desse tempo. E também um momento de admiração intensa pelo olhar arguto e revelador de meu amigo. Ao ser chamado para fazer um documentário para a ORTF, Cacá resolveu abordar os subúrbios de Paris que se enchiam de imigrantes vindos do norte da África. Viu a questão social que surgia então. E usou na trilha sonora o fio condutor de uma canção brasileira que fora vaiada por milhares de pessoas no Maracanãzinho, acusada de alienada por falar de passarinho: Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, que então explodiu para nós como a nova canção do exilio que já era e ninguém ainda identificara.

Essa sempre foi uma virtude fundamental da inteligência de Cacá; a capacidade de ser uma antena a captar questões fundamentais a que o Brasil fecha os olhos mas está precisando discutir. Foi assim quando chamou a atenção para as desigualdades urbanas, quando pôs o dedo na ferida do milagre brasileiro em Bye-Bye Brasil, quando pinçou a intolerância e lhe deu o nome de patrulhas ideológicas. E quando recentemente chamou nossa atenção para as distorções de um identitarismo importado que busca solapar a força cultural do que somos – em um artigo que eu fiz questão de incluir em nossos anais e trazer ao debate em uma de nossas sessões recentes.

Por sua contribuição de artista criador e de intelectual crítico Cacá Diegues ficará para sempre entre nós. Por sua doçura de amigo, só nos deixa saudades.
 


O Acadêmico Arnaldo Niskier falou em seguida:

A perda de Cacá representou uma dor muito grande para os seus confrades da Academia Brasileira de Letras. Sempre simpático, delicado, amigo dos seus amigos, Cacá deixou um vazio na cultura brasileira, onde tinha um lugar especial. Cacá representava o cinema e foi uma perda equivalente à de Nelson Pereira dos Santos, seu amigo e companheiro de projetos da Sétima Arte, assim como Davi Neves.

No meu caso, tinha especial apreço por ele, pois fui amigo do seu pai, o intelectual Manuel Diegues Júnior, a quem coloquei no Conselho Estadual de Cultura, quando tive a honra de ser secretário de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro.

Uma grande e gloriosa lembrança.

Faço esse registro, Sr. Presidente, lamentando muito essa perda e me solidarizando com a família.

O Acadêmico João Almino também pediu para homenagear o amigo:.

Bom, eu decidi tomar a palavra, Renata, demais membros da família, acadêmicas e acadêmicos, para sugerir que, se for possível anexar às atas algo sobre a importância da obra de Cacá Diegues para além das fronteiras do Brasil, nós deveríamos fazê-lo.

Primeiro vou contar uma pequena anedota.

Quando eu morava em Paris, no final da década de 70, mais precisamente nos anos de 1979, 1980, eu frequentava, nos seus áureos tempos, um restaurante chamado La Coupole.

Entrando pela porta da direita, havia um espaço no restaurante que era especial. Só quem fosse frequentador sabia. Ali, as toalhas eram de pano, todos os talheres eram de prata.

Bom, e por coincidência de horários, eu vim a me encontrar muitas e muitas vezes com um ator do François Truffaut, Jean-Pierre Léaud.

O principal assunto, na verdade, que nós tínhamos, era o cinema novo, mas, muito especialmente, ele adorava realmente a obra do Cacá Diegues.

Isso é para mostrar que a obra do Cacá realmente era uma obra mais do que brasileira, ou era, por ser brasileira, uma obra realmente admirada além de fronteiras.

Agora, eu queria sugerir, porque eu tive a curiosidade de ver a repercussão internacional, deste momento em que nós perdemos esse nosso grande cineasta.

E eu não quero sugerir que aqui a gente passe em revista tudo isso, mas eu realmente destaco, entre todas as matérias que foram publicadas, o artigo do The New York Times, que é um artigo longo, muito bom, muito compreensivo.

É de 22 de fevereiro de 2025, assinado por Adam Nossiter

Se for possível, se isso for cabível, como essas atas ficam para a história, eu acho que seria interessante que nós anexássemos este artigo na íntegra como um exemplo da grande repercussão que foi internacional da obra, da obra do Cacá Diegues e do Cacá Diegues.

Então fica aqui essa sugestão.

Eu acho que valeria a pena mostrar realmente a grande importância do Cacá Diegues como um brasileiro que levou o Brasil mundo afora e que realmente angariou essa enorme admiração por seu trabalho.

Muito obrigado.

Antonio Carlos Secchin encerrou os depoimentos:


No dia do velório da Cacá Diegues, o presidente Merval Pereira se encontrava fora do país e coube a mim para aferir uma pequena oração, uma saudação aqui no Petit Trianon.

E como havia poucos colegas naquela hora presentes, eu vou também dar a minha contribuição, relendo o que eu apresentei no dia 14 de fevereiro de corpo presente aqui com Cacá Diegues.

Cacá Diegues não foi apenas um ser humano admirável, grande cineasta e pensador do Brasil, foi também um homem que honrou esta casa desde sua posse na cadeira 7 em 2018.

Cadeira marcada por um sopro épico, que nasce com o patrono Castro Alves, prolonga-se no seu segundo ocupante Euclides da Cunha, e desemboca em seu antecessor imediato, o igualmente cineasta Nelson Pereira dos Santos, diretor épico da ante epopeia Vidas Secas, com quem Cacá partilhou algumas afinidades.

Ambos roteirizaram obras de Jorge Amado. Ambos exploraram a potencialidade da cultura popular por meio de uma refinada arte cinematográfica.

Lembro-me do encanto com que, adolescente, assisti, no extinto Metro Copacabana, à A Grande Cidade, de 1966. E quantos outros filmes de Cacá expoente do cinema novo não encantariam as plateias do Brasil e do mundo?

Sem ser exaustivo, recordo Joana Francesa, de 74, Bye Bye Brasil, 80, Quilombo, 84, Orfeu, 99, destaco uma obra-prima insuficientemente valorizada, O Grande Circo Místico, de 2018, adaptação personalíssima e barroca de um poema de Jorge Lima.

O poeta Jorge Lima, alagoano, como Diegues, foi uma das três paixões do cineasta, numa devoção que só encontrava paralelo no seu amor pelo Botafogo e pela esposa e musa Renata Almeida Magalhães.

Do hino do Botafogo, aliás, cito um trecho que transfiro a Cacá,” Tu és o Glorioso”.

Neste espaço acadêmico, que em escala superlativa simboliza a celebração das letras, gostaria de destacar uma faceta menos conhecida do talento de Cacá, a de poeta.

No fervilhante ambiente cultural de fins da década de 1950, foi acolhido por Mário Faustino como uma das mais promissoras vocações para a poesia.

Doze de seus poemas foram estampados com destaque nas páginas do prestigioso suplemento dominical do Jornal do Brasil.

Por algum tempo, insisti junto a Cacá para que retornasse ao verso e cedesse os poemas para divulgação em nossa Revista Brasileira.

Ele pareceu receptivo à proposta, mas, absorvido por incessantes demandas profissionais, acabou não levando adiante o projeto.

Uma pena, pois constataríamos que, além de poeta das imagens, Cacá também foi, ou poderia ter sido, um qualificado poeta das palavras.

No comovente discurso de posse, Cacá relata o deslumbramento que representou, aos cinco anos, sua primeira ida ao cinema.

Posteriormente, se cumpriria a frase então proferida pela tia que o acompanhava: “Não bote a mão na tela menino, que sua mão fica lá, presa para o resto da vida”.

Numa versão brasileira do mito do rei Midas, Cacá transformava em cinema tudo aquilo em que botava a mão. Em homenagem a seu extremado amor à literatura, recorro de novo a Jorge Lima.

Sobre o poeta, Cacá proferiu excelente palestra disponível nos arquivos da casa.

Se Glauber Rocha a sério se considerava a reencarnação de Castro Alves, não diria o mesmo de Cacá em relação a Jorge de Lima.

inclusive porque, num certo período, ambos coexistiram na face da Terra, e uma alma teria certa dificuldade em se acomodar simultaneamente em dois corpos.

Mas não deixo de observar que o primeiro filme de Cacá, Ganga Zumba, de 64, narra uma fuga de escravos para o quilombo de Palmares e que o primeiro livro de Jorge 14 Alexandrinos de 1902 contém o soneto zumbi.

Nesta cerimônia de despedida física deste grande artista invoco portanto Jorge de Lima para que seus versos agora sejam a voz de Cacá Diegues num possível epitáfio e cito aqui quatro versos de Jorge de Lima:

Mel silvestre tirei das plantas,

Sal tirei das águas,

Luz tirei do céu,

Só tenho poesia para vos dar.


Abraçai-vos, meus irmãos.

Cacá Diegues, para sempre.

17/03/2025