Partiu Cacá Diegues, um dos poucos diretores remanescentes do Cinema Novo, movimento que revolucionou nosso cinema nos anos 60. O que poucos conhecem, porém, é a sua íntima relação com o samba e a cultura afro-brasileira. Em 62 e 65, realizou filmes no morro com a escola Unidos do Cabuçu. Em 63, tornou-se parceiro de Cartola e, em 66, de Zé Keti. Cacá também retratou importantes personagens e passagens da trajetória do povo negro no Brasil, como Ganga Zumba, Xica da Silva e Quilombo dos Palmares.
Unidos do Cabuçu
Num de seus primeiros filmes, um dos cinco curtas que compunham o longa "Cinco vezes favela", de 62, o samba estava presente no próprio título da fita: Escola de samba alegria de viver. Obra gravada no Morro do Cabuçu, com integrantes da escola Unidos do Cabuçu. Após o filme ficar pronto, Cacá regressou ao morro: “Achei justo que fossem os primeiros a vê-lo”.
Parceiro de Cartola
"Ganga Zumba", retrato do lendário líder quilombola de Palmares, marca a estreia do grande sambista Cartola atuando no Cinema, já que em 59 havia feito apenas uma figuração em "Orfeu Negro". Cacá conheceu o sambista no começo dos anos 60 e frequentava sua casa em Mangueira às sextas, quando a decantada feijoada da Tia Zica era servida para amigos. Lá, Cacá conheceu bambas como Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Nelson Sargento e Zé Keti.
Antes das filmagens, Cacá conversava com Cartola, que se entusiasmava com a possibilidade de “tirar Zumbi da clandestinidade”. O sambista estava desempregado, então Cacá o convidou para atuar e Tia Zica para comandar a cozinha da equipe do primeiro retrato quilombola do cinema brasileiro.
Durante as noites após as gravações, coroando essa amizade, o jovem Cacá Diegues escreveu uma letra e o baluarte Cartola a musicou. Nascia a valsa "Canção da Saudade", gravada em 1965 por Antônio Chaves.
Parceiro de Zé Keti
Em "A Grande Cidade", de 1966, Cacá Diegues manteve o samba na conversa e o compositor Zé Keti foi chamado para ser um dos personagens do filme. A obra tem novamente filmagens no Morro do Cabuçu, com apresentação da escola Acadêmicos do Salgueiro cantando o samba enredo de 1962, "O descobrimento do Brasil", de Geraldo Babão e Walter Moreira. O samba-tema deste filme é uma parceria entre Zé Keti (música) e Cacá (letra) não informada nos créditos, mas revelada pelo cineasta décadas depois.
Mangueira
Encerrando a primeira fase de sua obra cinemanovista, em "Os herdeiros", de 1969, novamente o samba está fortemente presente. Na fita, é possível ver uma embaixada de integrantes da Mangueira, que sambam e cantam "Reminiscências do Rio Antigo", samba enredo de 1961, de Hélio Turco, Pelado e Cícero.
"Xica da Silva"
A partir de fins de 1969, o movimento do Cinema Novo se enfraquece devido ao truculento AI-5, que, entre muitas reduções de liberdade, intensificou a censura. Por isso, após a década de 1970, seus filmes assumem uma linguagem alegórica, de fresta. Assim, Cacá retorna ao universo afro em 1976 com "Xica da Silva", confessando: “depois de assistir ao desfile dos Acadêmicos do Salgueiro, no Carnaval de 63, Chica da Silva se tornara para mim uma certa obsessão”.
Palmares
Na década de 1980, Cacá retoma o diálogo com a trajetória de lutas do negro no Brasil e dirige o épico "Quilombo", em 1984. O filme tem participação de bambas de peso: Aniceto do Império, Dona Zica, Babaú da Mangueira e João Nogueira.
Legado
Cacá Diegues foi sem dúvida um dos cineastas brasileiros que mais manteve amizade com os sambistas, retratando como poucos a trajetória do negro no Brasil. Tudo isso numa época em que o preconceito com o samba era elevado e os movimentos históricos do negro brasileiro ainda eram muito marginalizados. Salve Cacá!
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/02/15/caca-diegues-celebrou-o-samba-em-sua-obra-cinematografica.ghtml
19/02/2025