Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A guerra da balança

A guerra da balança

 

Há pouco menos de dois meses, uma enquete foi realizada na Austrália, perguntando aos entrevistados (2.811 no total) se pessoas obesas, viajando de avião, deveriam ser obrigadas a comprar um assento adicional. O resultado talvez seja uma surpresa para muita gente. Para 63% dos entrevistados, ou seja, praticamente dois terços deles, os obesos deveriam, sim, ser obrigados a comprar um assento a mais. Detalhe: recentes estudos mostram que 47% das australianas e 63% dos australianos estão com sobrepeso ou obesidade. Ou seja, a esmagadora maioria dos não-obesos e talvez alguns com excesso de peso estão a favor da taxação extra.


Esse é apenas mais um capítulo de uma controvérsia iniciada há cerca de 30 anos, quando, nos países do Ocidente, a proporção de obesos na população começou a crescer, gerando problemas de várias ordens. Eis algumas das notícias veiculadas em países de língua inglesa nesse começo de ano: obesos são uma sobrecarga no sistema de saúde da Gales do Sul... Obesos não estão usando o cinto de segurança em carros... O Mississipi pode proibir restaurantes de atender obesos... De outro lado, temos reações. Voltando ao assunto de assentos em aviões: no mês passado, uma passageira obesa (que acontece ser advogada especialista em direitos civis) acionou as companhias aéreas canadenses, exigindo que lhe seja fornecido espaço extra sem custo adicional - e ganhou. Já, em 1993, um tribunal norteamericano condenara o governo de Rhode Island a pagar US$100 mil à candidata a um cargo que tinha sido recusada por causa da obesidade. E estão aumentando, nos Estados Unidos, as organizações que se propõem a defender o direito dos obesos, como é o caso da National Association for Aid Fat Americans (Associação Nacional de Ajuda aos Americanos Obesos). Numa assembléia dessa associação, Harry Gossett, autor de um livro sobre a discriminação dos obesos, disse que faria sua a famosa frase de Martin Luther King Jr., "I have a dream" ("Eu tenho um sonho"): "Nós também sonhamos com o dia em que as pessoas serão julgadas por suas qualidades e não por seu peso". Resultado dessas reivindicações: o Seguro Social americano hoje ajuda financeiramente os obesos (o que certamente aumentará o rancor do outro lado).


Ou seja: conflito aberto. O pior rumo que a questão poderia tomar. Aqueles que hostilizam os obesos partem do princípio de que diminuir o peso é apenas questão de vontade, que a obesidade resulta de displicência, de relaxamento. Daí a gozação, daí a hostilidade. E qual o resultado? Ele pode ser sumarizado na expressão criada pelo psicólogo Leon Festinger, dissonância cognitiva. O que é isso? É o conflito que se estabelece entre a informação que uma pessoa recebe e aquilo que ela faz. No caso: uma pessoa obesa é constantemente bombardeada com advertências e recriminações. Mas essa pessoa gosta de comer, porque comer, ao fim e ao cabo, é uma coisa boa. E aí há duas alternativas: ou a pessoa muda de hábitos ou volta-se contra aqueles que a atucanam. O que acontece muito, e não só com obesos, mas com fumantes, com etilistas.


Não é por aí. Os obesos precisam ser ajudados, não repreendidos, ou multados, ou barrados. Mesmo porque vivemos num mundo em que, ao menos para a classe média, a oferta de comida (e comida muito calórica) é constante e insistente. Brigar não vai levar a nada. Na obesidade, como em todo o resto, a solução está na racionalidade.


Zero Hora (RS) 16/2/2008