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Vale a pena escutar

 

Há pelo menos duas pessoas interessantes na vida de Alexander Graham Bell, o inventor do telefone. Uma é o imperador Dom Pedro II, que tomou conhecimento do invento de Bell na Exposição Internacional de Filadélfia, em 1876, e ficou simplesmente maravilhado ouvindo Shakespeare pelo aparelho: "Meu Deus, isto fala!". A segunda pessoa foi a noiva do inventor, Mabel Hubbard, que era grande companheira e incentivadora. Mabel tinha um déficit auditivo, o que levou o dedicado Graham Bell a confeccionar um aparelho para ajudá-la a ouvir melhor. Tinha o tamanho de um tijolo e funcionava à base de duas grandes baterias. Ou seja, carregar aquilo era um transtorno quase tão grande como o déficit auditivo. E o pior é que não resolvia o problema.


Quem conta essa história é o doutor Luiz Lavinsky, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e um entusiasta da otologia. Ele destaca o enorme progresso na área: os aparelhos auditivos foram os primeiros a utilizar transistor e circuito impresso para melhorar um problema sensorial. O primeiro equipamento a atuar na interface entre o ambiente e o sistema nervoso central foi o implante coclear - a cóclea, que tem forma de caracol, é a parte interna do ouvido, essencial para a transmissão do som ao cérebro. Hoje, implanta-se ali um chip capaz de mandar 80 mil sinais para as terminações nervosas. E as próteses diminuíram de tamanho: do "tijolo" de Graham Bell chegamos hoje às dimensões de um grãozinho de feijão, com a prótese pesando menos de oito gramas.


Esse progresso corresponde a uma necessidade real: cerca de 10% da população tem algum tipo de problema auditivo. Em até 80% dos casos, há solução satisfatória.


Mas é preciso saber encaminhar as coisas. A surdez é um problema em si, mas é, sobretudo a manifestação de uma doença, inclusive tumoral. E doença quer dizer médico. Como diz o doutor Simão Piltcher, expoente da otologia em nosso meio, a escolha do equipamento tem de ser orientada por um especialista da área. Caso contrário, poderá representar perda de tempo e de dinheiro e uma frustração que muitas vezes é endêmica entre pessoas que têm esse problema. Uma velha anedota fala de um homem já idoso que tinha um déficit auditivo severo, mas que se recusava a tomar qualquer providência a respeito. Aos filhos que insistiam com ele, dava uma seca resposta: "Hoje em dia não há mais nada que valha a pena escutar". Ou seja, uma teimosia que só podia prejudicá-lo e que mostra uma verdade evidente: pior que não escutar os sons do mundo é não ouvir a voz da razão.


Zero Hora (RS) 5/1/2008