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A questão da violência: onde, mesmo, está a verdade?

 

A polêmica em torno ao filme Tropa de Elite está longe de ser um fenômeno isolado. Na semana antes da estréia o apresentador de tevê Luciano Huck, que teve seu Rolex roubado durante um assalto na capital paulista, escreveu para a Folha de S. Paulo um artigo em que, invocando sua condição de cidadão brasileiro honesto e em dia com os impostos, protestava contra a insegurança. Choveram cartas, em sua imensa maioria criticando-o furiosamente: Luciano Huck seria um jovem rico e alienado que finalmente descobrira a realidade brasileira. Esta crítica serviu de tema para um outro artigo, este do escritor Ferréz, originário da periferia, segundo o qual, no final tudo deu certo: o apresentador escapou com vida, o assaltante ganhou um relógio. Como se pode imaginar, o texto por sua vez motivou um dilúvio de correspondência desta vez defendendo Luciano Huck e atacando Ferréz.


Durante muito tempo a discussão sobre violência no Brasil teve conotação política. Basicamente havia duas correntes que, simplificando muito, poderíamos chamar de direita e de esquerda. Para a direita, violência era caso de polícia e só terminaria com a repressão, um argumento que ganhou força quando o prefeito republicano de Nova York, Rudolph Giuliani, criou a estratégia da "tolerância zero", ou seja a punição de qualquer transgressão, por menor que fosse (e a criminalidade realmente diminuiu ali). Para a esquerda, violência era questão social e seria uma forma de distribuição de renda à la Robin Hood - roubar dos ricos para dar aos pobres. Esta visão proporcionava uma visão aparentemente simples e lógica. Mas só aparentemente. Aos poucos foi ficando claro que a coisa era mais complicada do que parecia, e o problema da droga mostra-o bem; o tráfico comanda o crime na favela, mas o tráfico é alimentado pela mesma classe média que é assaltada e se queixa da violência. O crime tem, pois, vários fatores, inclusive psicológicos, e foi baseado nesta "face oculta" que Rubem Fonseca construiu sua ficção original e que precedeu Tropa de Elite e também Cidade de Deus. Que Rubem Fonseca, baseado em grande parte em sua experiência como comissário de polícia, tinha acertado em cheio, demonstra-o o número de seguidores que teve entre jovens ficcionistas. Numa época, muitos dos concorrentes a prêmios literários (e fui jurado em vários) claramente imitavam Fonseca.


A discussão se complicou, ideologia ficou um assunto confuso (o que é mesmo esquerda, o que é direita?), mas isto não implica a perda dos referenciais. Desigualdade continua existindo, injustiça social também. Ainda que a esquerda tenha cometido erros grosseiros, isto não quer dizer que as idéias de direita representem a solução. A verdade, como sempre, está no meio. Mas não no meio da testa perfurada por uma bala. Para evitar que isto aconteça, temos de parar de bater boca e ir em busca de soluções práticas, racionais e sobretudo humanas.


Zero Hora (RS) 16/10/2007

Zero Hora (RS), 16/10/2007