Saí para um programa que não fazia havia muito, ir a um cinema de rua. Os filmes pela internet tiraram esse prazer, estamos cada vez mais isolados em nossas casas. Chegar, encontrar amigos, sentir a pulsação da plateia, conversar. Hábitos desaparecidos.
Emocionou-me sentir a atmosfera de expectativa, ansiedade, cordialidade. Os bons brasileiros estão felizes. Há semanas ocorreu mudança na atmosfera brasileira. Há um ar de felicidade. Estávamos ali para ver um filme dramático, Ainda Estou Aqui. O filme das Fernandas, como todos dizem.
Caso verídico, o do engenheiro Rubens Paiva que, nos anos 1970, desapareceu, levado pela polícia da ditadura. Há uma versão de que foi atirado ao mar, como centenas de outros.
Ver Fernanda Torres como Eunice, mulher de Rubens, a família sofrida, inquebrantável, resistente a cada choque. Além de Walter Moreira Salles, que os reacionários estão odiando. Milionário, bonito, inteligente, grande cineasta fazendo um filme desses! Recebeu um furacão de posts de ódio. E daí? Está no Oscar.
Há muito, um filme não tem tal consagração coroada pelo Globo de Ouro. Entregue à Fernandinha. Momento raro que estamos desfrutando. Há muito não sentíamos revolta e horror diante da verdade.
Alegria pela repercussão de um filme, como aquelas dos tempos em que o Brasil se sagrava campeão mundial de futebol, de tênis, de surfe, ginástica. A verdade lava nossas almas e, ao mesmo tempo, vemos uma interpretação excepcional de Fernanda Torres, atriz que dobrou Hollywood e trouxe o Globo de Ouro.
Ela foi recebida por Nélida Piñon, que, cega, estava a meses de sua morte, ocorrida em dezembro daquele mesmo ano. Nélida faria o discurso de recepção – e, sem conseguir ler, pediu à Fernanda, filha, que lesse. Momento raro, de imensa emoção, marcante na cultura brasileira. Ao qual acrescento o de Fernanda Montenegro que, com uma única cena de minuto no fim do filme, movendo sutilmente lábios e olhos, dá uma aula de interpretação. Há nela quase cem anos de palco e tela.