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Sou Botafogo, time que proporciona alegria num mundo tão complicado

 

Disse aqui na semana passada que o Botafogo anda me proporcionando momentos de alegria em um mundo que se apresenta tão complicado. Traindo, inclusive, uma das características botafoguenses, que é a de nunca comemorar antes do apito final. Sabemos que tudo pode acontecer com o Botafogo. A reviravolta do Brasileirão do ano passado confirmou e nos relembrou que as superstições são reais, provada na derrota inexplicável justamente em um jogo contra o Palmeiras, quando o inacreditável aconteceu. Os 3 x 1 contra o mesmo Palmeiras na terça passada lavou a alma de todos nós. Seremos campeões. Pena que este meu artigo esteja sendo escrito antes da final da Libertadores sábado, que é amanhã para mim, mas véspera desta publicação. Podemos ser campeões duas vezes num curtíssimo espaço de tempo. Essas coisas também só podem acontecer com o Botafogo.

Enebriado com as alegrias botafoguenses, me flagrei pensando no motivo de ter me tornado um deles.

Meu primeiro time foi o CRB de Alagoas. O CRB já tinha algum alinhamento com o Botafogo. O time popular sempre foi o CSA, uma espécie de filial do Flamengo. Minha família se mudou para o Rio quando tinha uns 7 anos, na metade final dos anos 1940. Meu pai, CRB como eu, logo virou Fluminense, time que meu irmão mais velho, Fernando, também abraçou. Minha mãe tinha muito medo da violência do Rio de Janeiro (prestem atenção, estamos falando dos anos 40!) e não me deixava ir além do bairro onde morávamos, Botafogo. Do final da minha infância até o começo da adolescência, assistir aos treinos do Botafogo e frequentar os cinemas do bairro era o meu mundo.

A poucos passos de onde morava podia ver Garrincha e Nilton Santos batendo bola. Podia também ver os filmes que chegavam de toda parte do mundo, mas que já eram majoritariamente americanos. O encanto pelo Botafogo foi inevitável e à primeira vista. O cinema me levava para outra dimensão, como um universo inalcançável. Só me dei conta de que era possível ser cineasta brasileiro ao assistir a “Rio 40°”, de Nelson Pereira dos Santos, quando tinha 16 anos. Decidi que queria fazer aquilo. Era possível. Nelson é pré-cinema novo, mas não existiria cinema novo sem ele.

A paixão pelo Botafogo foi de cara. A questão era: como não ser Botafogo com aqueles craques jogando? Nosso time deu pelo menos duas Copas do mundo para o Brasil, a de 1958 e a de 1962. Não preciso nem falar da participação genial de Jairzinho em 1970, porque nessa altura o Botafogo já era parte solidificada de mim mesmo.

Alguns nos chamam de time dos intelectuais, outros dos deprimidos, muitos criticam nossas superstições. Mas o fato é que nenhum time fez tantos craques capazes de revolucionar o futebol. E nenhum outro time ousou usar uma estrela como símbolo, deixando para lá suas iniciais. Não precisa. Quem é Botafogo sabe que somos únicos, jamais solitários.

O Globo , 01/12/2024