A vitória tão alargada do candidato anarcocapitalista Javier Milei na Argentina parece indicar um rompimento, pelo menos momentâneo, do eleitorado com o peronismo, que já fora tentado com a eleição de Mauricio Macri e se consolida agora com um candidato excêntrico e desequilibrado, que teve no ex-presidente argentino uma âncora com a realidade de centro-direita que certamente levou a essa maioria não detectada por nenhuma pesquisa, nem círculo político.
A direita venceu na Polônia, Hungria, Itália, Espanha, Nova Zelândia, no Uruguai, Paraguai, Equador e agora na Argentina. Pode vencer no Chile, na França e no Reino Unido. Talvez mesmo nos Estados Unidos com Trump. Na América do Sul, a hegemonia da esquerda, que chegou a ser chamada de “nova onda rosa”, em referência à onda de partidos de esquerda que dominaram a região nos anos 2000, está decrescendo.
Chávez na Venezuela deu início a essa onda, junto a nomes como Néstor e Cristina Kirchner na Argentina, Lula no Brasil, Evo Morales na Bolívia, José Pepe Mujica, Tabaré Vázquez no Uruguai, Rafael Correa no Equador, Michelle Bachelet no Chile, Alan García no Peru e Fernando Lugo no Paraguai. A nova onda ainda mantém hegemonia política na região, mas hoje são sete governos de esquerda — Brasil, Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname — e cinco de direita: Argentina, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai.
Diferentemente da onda anterior, há uma direita política ativa nesses países. Nesse avanço da direita, o que chama a atenção é o uso das redes sociais, como destacou ontem, numa entrevista memorável ao Estúdio i, da GloboNews, pela clareza com que tratou as questões da eleição argentina, o marqueteiro Pablo Nobel, que comandou o marketing político do vitorioso Milei e já comandara o de Tarcísio de Freitas para o governo de São Paulo.
Além de uma série de colaboradores muito anárquicos, numa colaboração horizontal, sem que seja possível, e talvez até desejável, homogeneizar a comunicação. Não é um marketing centralizado que dá orientações. O que acontece, segundo ele, é haver colaboradores espontâneos, de diversos lugares, que, mais ou menos entendendo o que o líder defende, vão criando coisas mais anárquicas, bastante capilarizadas, com uma dinâmica própria.
As redes socais chegaram para ficar, diz Pablo, e os memes “são a ponta de lança, às vezes com humor, às vezes críticos, funcionam melhor para um eleitor jovem, menos politizado, menos engajado”. Nossa disputa pelo tempo do eleitor passa pela captação do interesse dos jovens, e o entretenimento tem cada vez mais importância:
— Você disputa nas redes sociais espaços com cards, posts, a forma de engajar os menos interessados em ler um texto longo.
Pablo diz que o reconhecimento da raiva, a sensação das pessoas de que cada vez vivem pior, esse foi o grande gatilho para a mudança:
— A partir daí, a percepção de que na Argentina há uma casta política cada vez mais rica, enquanto o povo está cada vez mais pobre, catapultou essa vitória de Milei.
Um fato muito decisivo, diz Pablo Nobel, foi que Milei, por ter apanhado no último debate, tendo quase sido desmoralizado, “ganhou a compaixão dos eleitores. Massa transpareceu profissionalismo, e escolheram um não político, mais fragilizado”.
Para ele, o ex-presidente Macri e sua candidata Patricia Bullrich deram ao eleitor de Milei uma segurança para compensar a dose de aventura que ele sabia existir no voto. Pablo Nobel admite que criou um personagem que pode não corresponder à expectativa do eleitorado na hora em que a realidade de governar se apresentar: “Existe um risco de que o ato de governar desgaste esse capital”. Mas diz que parte importante da votação vem da autenticidade do personagem criado. A partir de hoje, teremos essa construção simbólica, imagem forte, “diante da enorme necessidade democrática de negociar”. Assim como o pragmatismo acabou aproximando-o de Macri e Patricia Bullrich, “depois daquela batalha campal das eleições gerais”, Pablo Nobel acredita que Milei já demonstrou a capacidade de negociar.