Ainda bem que a tal pandemia está no final, segundo o nosso presidente. Afinal, são apenas 180 mil mortos e mais mil a cada dia. Falando em presidente, agora temos mais um filho, o 04. Logo chegaremos ao 007, que terá licença para matar. Finalmente, Michel foi atendido e a funcionária passou um tempo conferindo cartão a cartão. “Estou a conferir os destinos, explicou.” Coisa que jamais vimos. Conferir destinos? Indagada, ela revelou:
“Se for para o México, Colômbia e Turquia não posso aceitar.”
“Por quê? Estamos em guerra com tais países?”
“Não sei se é guerra, ou o que é! Só sei que o correio está sem comunicação com vários destinos e estes três estão no seu pacote.”
Nada mais há a se admirar com este governo demente. Há de tudo. Pois o casal presidencial não exibe em uma vitrine o terno e o vestido da posse? O terno nada tem de especial. Não é londrino, de Saville Row, nem feito sob medida em Roma, ou com o Diógenes Estilista que, no Rio, atendeu a vida inteira o Roberto Marinho, além de ser quem sempre faz os fardões da Academia Brasileira. Um craque.
Ele, o terninho presidencial, pode ter sido comprado no Mappin, na Exposição, na Mesbla, na Isnard, na Sears, no Eron (pioneiro dos crediários), na Cassio Muniz... Epa! Estou delirando, essas lojas desapareceram há décadas, era onde comprávamos a prestação. Mas este governo parece daquela época, estamos andando para trás no tempo. Quantos anos regredimos neste período bolsonarista? Quanto ao vestido da primeira dama, deve ter sido comprado com aquele cheque de 89 mil reais, que ninguém explicou.
Há mais a se admirar. Dias depois, Michel levou ao correio a segunda parte dos cartões e pediu 80 selos. A funcionaria avisou.
“Oitenta? Meu senhor, lamento, não tem nenhum.”
“Nenhum? Alguém comprou todos? O estoque inteiro? Ou existe cota para cada cidadão?”
“Não tem cota coisa nenhuma. Não há selos. Simples assim.”
“Simples? Isso é uma catástrofe. Como não há selos?”
“Acabaram.”
“Acabaram? Correio sem selo é sorveteria sem sorvete, farmácia sem remédio, igreja sem pastor pedindo dízimo...”
“Meu senhor, entenda. Fomos vendendo, as pessoas foram comprando, lambendo e colando nos envelopes. Quando vimos, não tinha mais nenhum.”
“Como assim? Parece o ministro Guedes. Não tem previsão de nada? Uma semana atrás trouxe um pacote de 60 cartões e foi tudo bem.
“Meu senhor, não entende português? Não temos. Nenhuma agência tem. Ninguém tem, não há previsão de reposição.”
Encasquetado (palavra que ele aprendeu em Araraquara, onde conheceu Ciça), meu amigo, que é calmo mesmo diante das maiores anormalidades – e todos sabemos que estamos vivendo o anormal dentro do normal –, voltou à carga.
“Minha boa senhora. Em qualquer comércio, quando falta um produto, o proprietário procura repor. Ou haverá um problema, o dinheiro não entra.”
“Sei disso. Todos sabem. Pedimos os selos, mas comunicaram que não há mais. Acabaram.”
Vai ver, pensou Michel, o papel acabou quando imprimiram as notas de 200, as do Lobo Guará, que ninguém viu, e quem viu não quer, porque ninguém troca.
“Pediram a quem?
“Sei lá, acho que ao chefe do depósito, ou ao gerente, ou ao presidente da organização. Não sei, o controle de material não é comigo. Eu só recebo cartas e vendo selos. Estou muito chateada, toda hora tenho de explicar.”
“Não havia selos em outras agências? Para emprestar.”
“Olhe, me desculpe. Chega. O senhor pergunta sem parar, a conversa demora, preciso atender outros clientes. Por favor, volte depois.”
Michel retirou-se. Algum dia, há de enviar seus cartões, eles chegarão com meses de atraso, talvez anos, décadas. Pode ser que cheguem antes do centenário da Independência. Porque imagino que estamos atrasados assim. E agora meu amigo preocupa-se, pensa em vacinas, que logísticos como o general-ministro confundem com vaginas. Ele reflete e teme como será a vacinação/não vacinação, com armazenamento a 70 graus negativos. Mas, e se faltar geladeira com tal temperatura?
Feliz Natal junto aos seus.
Junto ao seu ou a sua.
A você consigo mesmo.