Quis o destino que eu ocupasse, graças à vossa generosa acolhida, a Cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, já ocupada anteriormente por vários jornalistas, a começar por seu Patrono, Pedro Luís Pereira de Souza, jornalista, poeta, político e ministro de Negócios Estrangeiros. Considerado orador excepcional,foi grande amigo de Machado de Assis, o Fundador de nossa Casa.
Em O Velho Senado, texto clássico de Machado de Assis, está relatado que ele, Pedro Luís e Bernardo Guimarães começaram a “cobrir” o Senado praticamente juntos, em 1860 ou 1861. Machado, pelo Diário do Rio de Janeiro; Pedro Luís, pelo Correio Mercantil; e Bernardo Guimarães, pelo Jornal do Commercio.
Jornalistas também foram Luis Pereira Magalhães, José Cândido de Carvalho, Paulo Setúbal, Cassiano Ricardo, e Moacyr Scliar, a quem sucedo mas não substituo, assíduo cronista de jornais, que definiu o jornalismo como “um espaço literário”.
Todos os meus antecessores, no entanto, foram eleitos para a Academia graças a outros dons: foram grandes historiadores (Paulo Setúbal), grandes poetas (Cassiano Ricardo), grandes romancistas (José Cândido de Carvalho e Moacyr Scliar).
Embora tenha já escrito alguns contos, e continue a escrever outros tantos, quase na clandestinidade, sei que eles não me levariam tão longe. Ser um ficcionista é, para mim, uma doce utopia. Aqui chego como jornalista pura e simplesmente.
Na história da ABL, está registrada a presença de grandes jornalistas como Joaquim Nabuco, Hipólito da Costa, Austregésilo de Athayde; João Neves da Fontoura, Pedro Calmon, Alceu de Amoroso Lima, Carlos Castello Branco, Antonio Callado, Otto Lara Resende, Odylo Costa, filho, Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Barbosa Lima Sobrinho, para ficarmos apenas em alguns que já não estão entre nós.
Ao ver-me alçado a essa turma, e diante de tantos outros grandes jornalistas sentados à minha frente, toma conta de mim um orgulho que não consigo esconder.
A própria ABL nasceu em uma redação, a da Revista Brasileira, fundada por José Veríssimo. O historiador Helio Vianna afirmava que, sem a história do jornalismo brasileiro, não seria possível a elaboração da verdadeira História do Brasil independente, desde a chegada do Príncipe Regente D. João ao Rio de Janeiro em 1808.
Para Peregrino Júnior, a imprensa no Brasil foi sempre uma escola de escritores. João Francisco Lisboa, José de Alencar, Machado de Assis, Coelho Neto, Olavo Bilac, Euclides da Cunha são apenas alguns escritores cujas obras aparentemente pouco devem ao jornalismo, mas que inicialmente foram jornalistas militantes.
Trago o jornalismo, a literatura e a política em meu sangue, nas minhas raízes. Meu avô materno, Clodomir Cardoso, foi senador da República, interventorno Maranhão, constituinte de 1946.
Atuante jornalista, participou como redator e diretor do jornal A Pacotilha. Grande intelectual, foi membro fundador da Academia Maranhense de Letras, onde foi sucedido pelo poeta e jornalista Odylo Costa, filho, também membro desta Academia. Traduziu A Imitação de Cristo, foi professor fundador da Faculdade de Direito do Maranhão.
Em 1917, eleito prefeito de São Luís, introduziu a iluminação elétrica na cidade, fato registrado no romance Degraus do Paraíso, do acadêmico Josué Montello.
Em outro romance, Coroa de Areia, Montello coloca as características físicas de meu avô em um personagem da sua história, caminhando pelas ruas de São Luís.
Graças a meu pai, Merval, médico de clínica geral, os cada vez mais raros “médicos de família”, e a minha mãe, Lenita – aqui presente, no esplendor de seus 93 anos –, vivi minha infância e adolescência entre livros.
Marca minha juventude uma coleção mais velha que eu três anos, de couro vermelho, comemorativa do centenário de nascimento do grande autor português, na qual li toda a obra de Eça de Queiroz.
Ainda guardo nas mãos, cujos dedos hoje repassam páginas de livros digitais nos Ipads da vida, a memória daquele manuseio.
Gosto de lembrar duas iniciativas, partes de um mesmo processo, mas que muitos ainda querem ver em lados opostos: o mundo dos computadores e o mundo dos livros.
A modernização de O Globo exigiu de nós estarmos ainda mais atentos ao espírito de nossa época. Foi assim que, como editor-chefe, fui um entusiasta do lançamento do caderno “Informática Etc”, em 1991, quando os computadores pessoais apenas engatinhavam, e era preciso difundir esse novo mundo para que um número cada vez maior de pessoas se familiarizasse com revolução digital.
Foi uma iniciativa pioneira do saudoso amigo Evandro Carlos de Andrade, então diretor de redação de O Globo, mesmo se levarmos em conta jornais americanos, que apenas tardiamente seguiram o mesmo caminho.
Ao mesmo tempo, tão logo assumi a direção de redação do jornal em substituição a Evandro, que fora para a televisão, em 1995, fiz questão de lançar, com o apoio irrestrito do João Roberto Marinho, um suplemento literário, o “Prosa e Verso”, dedicado àquilo que, em qualquer plataforma, mostra-se insubstituível, o livro, tão caro a todos os aqui presentes.
Não é o papel ou os chipes que importam, mas o mundo que os livros trazem consigo, seja em celulose ou em bytes.
O Patrono da cadeira que ocuparei, Pedro Luís, foi escolhido por Luís Guimarães Jr., o primeiro a sentar na Cadeira 31. Quando ocupava a função de ministro de Negócios Estrangeiros de D. Pedro II, temporariamente Pedro Luís teve que acumular essa função com a de ministro de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, devido à morte do ocupante anterior.
Como não tinha muito tempo para exercer as duas funções, alçou Machado de Assis, que já trabalhava no Ministério da Agricultura, a oficial de seu gabinete, fazendo com que se sentisse, nas suas palavras, “quase ministro”.
Se foi Machado de Assis quem apoiou Luís Guimarães, incentivando sua literatura, foi Pedro Luís quem levou Luís Guimarães para a diplomacia.
Machado gostava de Pedro Luís como poeta de cunho social e político, colocado entre os “condoreiros”, precursor de Castro Alves.
Mas o julgamento de Machado parece ter sido dominado pela amizade, a julgar o que dele disse José Veríssimo:
Deixou meia dúzia de poemas, os melhores no tom épico (“Os voluntários da morte”, “Terribilis Dea”), que todo o Brasil conheceu, recitou e admirou. Mas a sua obra dispersa, de mero diletante, se lhe criou um nome meio lendário como os de José Bonifácio e Francisco Otaviano, não basta a assegurar-lhe um posto de primeira ordem na nossa poesia.
Luís Caetano Guimarães Jr., diplomata, poeta, romancista e teatrólogo,nasceu no Rio de Janeiro em 17 de fevereiro de 1847 e faleceu em Lisboa, Portugal, em 20 de maio de 1898. Foi um dos dez membros eleitos para se completar o quadro de fundadores da Academia Brasileira de Letras, onde criou a Cadeira 31.
Aos dezesseis anos, escreveu o romance Lírio Branco, dedicado a Machado de Assis, e em troca recebeu uma carta de Machado animando-o a prosseguir na carreira das letras.
Fez o curso de Direito no Recife entre 1864 e 1869, onde assistiu ao desenvolvimento da “escola condoreira”, de que tomou parte.
Ao lado do jornalismo, escrevia contos, comédias e poesias. O poeta e amigo Pedro Luís, então ministro dos Negócios Estrangeiros, ofereceu-lhe um lugar na diplomacia como secretário de Legação em Londres.
De 1873 a 1894, passou por vários outros postos. Suas principais obras são Corimbos, que representa a fase em que viveu no Brasil, de 1862 a 1872, e Sonetos e Rimas, do período em que residiu na Europa. É considerado um precursor da poesia de Raimundo Correia, Olavo Bilac e Alberto de Oliveira.
O segundo ocupante da Cadeira 31, João Ribeiro, foi jornalista, crítico, filólogo, historiador, pintor, tradutor. Desde 1881, dedicou-se ao jornalismo e fez amizade com os grandes jornalistas da época, Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio e Alcindo Guanabara.
Sua primeira coletânea de poesias, os Idílios Modernos, mereceu de seu amigo e conterrâneo Sílvio Romero um artigo na Revista Brasileira em 1881. Tinha especial predileção por pseudônimos criativos. No jornal Época, de 1887 a 1888, escreveu em várias seções, sob diversos pseudônimos: XicoLate, Y., N., Nereu.
De 1888 a 1889, no Correio do Povo, assinava sob o pseudônimo Rhizophoro (o que tem raízes) a seção “Através da Semana”. Em A Semana, trabalhou ao lado de Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Rodrigo Octavio, entre outros, e publicou os artigos que se constituiriam nos seusEstudos Filológicos, de 1902.
João Ribeiro desde cedo dedicou-se ao magistério, em diversas áreas: filologia, história e ensaio. A partir de 1895, fez inúmeras viagens à Europa, ora por motivos
particulares, ora em missões oficiais, mas nunca deixou de escrever para jornais brasileiros, através de colaborações no Jornal do Commercio, no Dia e no Comércio de São Paulo. A última fase de atividade na imprensa foi no Jornal do Brasil, desde 1925 até a morte.
Na Academia, fez parte de numerosas comissões, entre as quais a do Dicionário e a de Gramática. Foi um dos principais promotores da reforma ortográfica de 1907.
Uma curiosidade: em 22 de dezembro de 1927, depois de ter recusado por diversas vezes, a Academia o elegeu presidente. João Ribeiro apresentou, imediatamente, sua renúncia ao cargo.
Terceiro ocupante da Cadeira 31, eleito em 6 de dezembro de 1934, na sucessão de João Ribeiro, Paulo Setúbal, advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 1.º de janeiro de 1893, e faleceu em São Paulo, SP, em 4 de maio de 1937.
Órfão de pai aos quatro anos, mudou-se com a família para São Paulo, e foi no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, que Paulo Setúbal começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Leu Kant, Spinoza, Rousseau, Schopenhauer, Voltaire e Nietzsche.
Na literatura, influenciou-o sobretudo a leitura de Antero de Quental e Guerra Junqueiro, clara influência de seu primeiro livro de poesias, Alma Cabocla.
Era a época da campanha civilista quando foi procurar emprego no diário A Tarde, enquanto cursava a Faculdade de Direito. A publicação de uma de suas poesias no jornal deu-lhe notoriedade imediata, e ele ganhou sua primeira coluna.
A saúde precária, com os primeiros sinais da tuberculose, o obrigaria a frequentes interrupções no trabalho, para repouso.
Advogado bem-sucedido, iniciou sua produção literária especializado no romance histórico, que escrevia de maneira a tornar agradável a leitura, longe dos academicismos, o que o levou a ser o escritor mais lido do país com A Marquesa de Santos (1925) e O Príncipe de Nassau (1926).
A série de livros sobre o ciclo das bandeiras, começando em 1933 com O Ouro de Cuiabá e encerrando dois anos depois com O Sonho das Esmeraldas, levantava o orgulho paulista na fase pós-Revolução constitucionalista de 1932.
Na definição do poeta Cassiano Ricardo, que o sucedeu na Cadeira 31,quando o chão brasileiro ainda estava povoado de napeias, hamadríadas, nereidas e egipãs, ele já se havia colocado ao lado dos sacis, dos juruparis, das uiaras e dos caaporas. O romancista histórico surgiu, pois, com a sua posição definida. Num momento muito claro de afirmação brasileira.
Em 1935, Paulo Setúbal, ao mesmo tempo em que chega ao apogeu com a eleição para a Academia Brasileira de Letras, entra em profunda crise existencial, que terá repercussão em sua literatura.
Ele, que era expansivo e frequentador de festas, passou a frequentar a igreja da Imaculada Conceição, a ler a Bíblia e livros como a Psicologia da Fé e A Imitação de Cristo. É quando escreve o Confiteor, livro de memórias, a narrativa de sua conversão, que ficou inacabado.
Cassiano Ricardo, jornalista, poeta e ensaísta, o quarto ocupante da Cadeira 31, nasceu em São José dos Campos, SP, em 26 de julho de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 14 de janeiro de 1974. Aos 16 anos, publicava o primeiro livro de poesias, Dentro da Noite.
Foi um dos líderes do movimento da Semana de Arte Moderna da 1922, participando ativamente dos grupos “Verde Amarelo” e “Anta”, ao lado de Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Motta Filho e outros.
No jornalismo, Cassiano Ricardo trabalhou no Correio Paulistano, como redator, e dirigiu A Manhã, do Rio de Janeiro. Também foi o criador das revistas Planalto (1930) e Invenção (1962).
Em 1937 fundou, com Menotti del Picchia e Motta Filho, a “Bandeira”, movimento político que se contrapunha ao Integralismo e que tinha o jornal O Anhanguera, para defender sua ideologia, assim definida: “Por uma democracia social brasileira, contra as ideologias dissolventes e exóticas”.
Adota a posição nacionalista do movimento de 1922, revelando-se um modernista ortodoxo até o início da década de 40.
Em 1924, fundou a Novíssima, revista literária dedicada à causa dos modernistas e ao intercâmbio cultural pan-americano.
As obras Vamos Caçar Papagaios, de 1926, Borrões de Verde e Amarelo, de 1927, e Martim Cererê, de 1928, estão entre as mais representativas do Modernismo.
Com O Sangue das Horas, de 1943, inicia o que a crítica classifica de “uma nova e surpreendente fase”, um lirismo introspectivo-filosófico que se acentua em Um Dia depois do Outro, de 1947, obra considerada o marco divisório da sua carreira literária.
Acompanhou de perto as experiências do Concretismo e do Praxismo, movimentos da poesia de vanguarda nas décadas de 50 e 60. A sua obra Jeremias Sem-Chorar, de 1964, é bem representativa desta posição de um poeta experimental.
Essa sua permanente busca pelo moderno fez com que, na Academia Brasileira de Letras, como relator da Comissão de Poesia em 1937, concedesse a láurea a Viagem, de Cecília Meireles, o primeiro livro da corrente moderna consagrado na Academia.
Na década de 30, Cassiano dedicou-se à pesquisa histórica, interrompendo por quase um decênio sua atividade propriamente poética.
Defensor dos postulados do Estado Novo, foi assessor de Getúlio Vargas, tendo trabalhado no Departamento de Imprensa e Propaganda, o famigerado DIP, ocasião em que dirigiu o jornal A Manhã, de propriedade do governo, que possuía dois suplementos literários, Autores e Livros, dirigido por Mucio Leão, e o Suplemento da América, dirigido por Ribeiro Couto, ambos acadêmicos.
Publicou em 1940 um livro de grande repercussão, Marcha para o Oeste, em que estuda o movimento das entradas e bandeiras.
Cassiano Ricardo, aliado e propagandista da figura de Vargas, em suas pesquisas históricas e estudos focalizava o que considerava elementos definidores da cultura brasileira e suas implicações na esfera política.
Foi através da imprensa, e dentro desse espírito de brasilidade, que Cassiano Ricardo travou um célebre debate com Sergio Buarque de Holanda sobre “o homem cordial”.
Coube a ele inaugurar a polêmica, através de um artigo de 1948 publicado originalmente na revista paulistana Colégio, defendendo a “bondade fundamental dos brasileiros”.
Declarando-se pouco propenso às “esgrimas literárias”, o historiador Sergio Buarque de Holanda rejeitou o que considerou o caráter deformador que Cassiano impôs às suas ideias, a noção do brasileiro como “homem cordial”, aquele que, na sua concepção, age segundo o “coração” – não no sentido de ser bondoso, mas por pautar suas ações pelo afeto e pela intimidade e ser incapaz de separar vida pública de vida privada.
Quinto ocupante da Cadeira 31, eleito em 23 de maio de 1974, na sucessão de Cassiano Ricardo, José Cândido de Carvalho, jornalista, contista e romancista, nasceu em Campos, RJ, em 5 de agosto de 1914, e faleceu em Niterói, RJ, em 1.º de agosto de 1989.
José Cândido, entre 1930 e 1939, exerceu funções de redator e colaborador em diversos jornais de Campos, como a Folha do Comércio, onde trabalhava um dos jornalistas mais brilhantes de sua geração, R. Magalhães Júnior, O Dia, onde comentava a política internacional, e ainda a Gazeta do Povo e o Monitor Campista.
Começou a escrever, em 1936, o romance Olha para o Céu, Frederico, publicado em 1939, pela Vecchi, na coleção “Novos Autores Brasileiros”. Formado em 1937, pela Faculdade em Direito do Rio de Janeiro, entrou para a redação de A Noite, um jornal de quatro edições diárias.
Com o desaparecimento de A Noite, em 1957, vai chefiar o copidesque de O Cruzeiro e dirigir, substituindo Odylo Costa, filho, a edição internacional da revista, então a mais importante do país.
Somente 25 anos depois do primeiro romance, José Cândido de Carvalho publica, em 1964, pela Empresa Editora de O Cruzeiro, o livro O Coronel e o Lobisomem, uma das obras-primas da ficção brasileira, que teve imediatamente grande sucesso, com sucessivas edições até hoje e traduções em diversos idiomas.
Obteve o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, o Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira, e o Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do PEN Clube do Brasil.
José Cândido de Carvalho foi diretor da Rádio Roquette-Pinto, do Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC; presidente do Conselho Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro; da Fundação Nacional de Arte (Funarte) e do Instituto Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (Rioarte).
José Cândido publicou também dois livros de “contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil”, e reuniu, em Ninguém Mata o Arco-Íris, uma série de perfis jornalísticos.
Sexto ocupante da Cadeira 31, eleito em 30 de novembro de 1989, Geraldo França de Lima, romancista e professor, nasceu em Araguari, MG, em 24 de abril de 1914, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de março de 2003.
O seu primeiro escrito, descrevendo a viagem de cinco dias pela antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, de Uberaba a Belo Horizonte, foi publicado no jornal Araguari. Em 1932, os estudantes do último ano do ginásio criaram o grupo literário Arcádia Ginasiana de Letras, e Geraldo França de Lima foi eleito seu presidente e diretor do jornal O Kepi, onde publicou suas primeiras poesias.
Em 1934, no Rio de Janeiro, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil e obteve o primeiro emprego, como revisor do jornal A Batalha, de Júlio Barata, estreando também como articulista.
Em 1935, Bastos Tigre publica suas poesias na revista Fon-Fon. Em Barbacena, durante a Segunda Guerra Mundial, conheceu o escritor francês Georges Bernanos, de quem se tornou amigo e confidente.
O autor do Diário de um Cura de Aldeia vivia, desde 1938, no Brasil, numa espécie de autoexílio, depois de condenar o regime franquista e o armistício que a França celebrara com a Alemanha nazista.
Geraldo França de Lima escreveu importante ensaio sobre Bernanos, publicado por Paulo Rónai emComentário de 1960. Nesse trabalho, revela a definição que Bernanos fazia de si mesmo:
sou um antifascista que odeia a mediocridade, a falsa modéstia, a virtude fingida e estudada, a mentira e a superficialidade. Sou um antifascista e pouco me importa que o fascismo esteja na Itália, na Alemanha, na Espanha, em Portugal, na Rússia ou nos Estados Unidos.
Geraldo França de foi membro da Procuradoria Geral da República e da Consultoria Geral da República e assessor do Presidente Juscelino Kubitschek e do presidente do Conselho de Ministros, Tancredo Neves.
O ano de 1961 marca o ingresso de Geraldo França de Lima em definitivo na vida literária.
Guimarães Rosa, a quem conhecera ainda em Barbacena em 1933 como capitão-médico do 9.º BCM da Força Pública Mineira, encontrou na escrivaninha do amigo os originais do romance “Uma cidade na província”, e estimulou-o a publicá-lo. Mudou o nome para Serras Azuis e o indicou ao editor Gumercindo Rocha Dórea dizendo que estava diante “de um grande romancista”.
Seu último romance O Sino e o Som foi lançado em 2002.
Minhas amigas, Meus amigos,
A primeira vez em que encontrei Moacyr Scliar fui surpreendido por um gesto afetuoso de um desconhecido. Estava aqui mesmo na Academia Brasileira de Letras, numa homenagem ao historiador José Murilo de Carvalho, quando o avistei de longe, fazendo sinais para mim.
Achei que era um engano, mas ele se aproximou, gestos largos, para dizer: “Sou seu fã”. O espanto não impediu que respondesse de pronto: “Há um engano aqui. Eu é que sou seu fã”.
A partir desse diálogo inicial, criamos uma relação que, se não era nada íntima, era proveitosa para mim sempre que nos encontrávamos.
Conversávamos sobre política, ele tinha sempre um comentário a fazer sobre minhas colunas – dizia que eu era o Thomas Friedman brasileiro –, me cobrava um livro de ensaios sobre os temas de que trato no cotidiano: democracia, ética, liberdade, direitos humanos, comunicações, livro que ainda pretendo organizar.
Tinha um especial gosto pelo jornalismo, tratava-o como um espaço literário, mas se interessava vivamente pelos aspectos éticos da profissão, dava a ela uma importância ampla dentro da democracia.
Foi colunista do jornal Zero Hora e colaborou com a Folha de S. Paulo desde a década de 70, onde assinava uma coluna no caderno “Cotidiano” com crônicas em que romanceava fatos reais publicados pelos jornais.
Sétimo ocupante da Cadeira 31, eleito em 31 de julho de 2003, Moacyr Scliar, um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contemporânea, nela introduziu a temática do imigrante judeu e urbano, mas fazia questão de esclarecer que não se considerava um escritor judeu, como Isaac Bashevis Singer – de cujo livro 47 Contos, da Companhia das Letras fez o prefácio –, mas “um escritor brasileiro de ascendência judaica”.
No contato com os imigrantes, ouviu muitas histórias interessantes, e vem daí a influência da condição judaica na sua ficção. Estudou em uma escola iídiche, que Singer definiu como “um idioma do exílio, não ligado a um território, não amparado pelo poder estatal, um sábio e humilde idioma, o idioma de nossa atemorizada, mas esperançosa, humanidade”.
O rico folclore iídiche inclui numerosas anedotas, e, segundo Scliar, considerado o escritor brasileiro que melhor se utilizou do humor judaico, esse é “um humor peculiar, contido, melancólico, filosófico. Não é um humor para gargalhadas, antes para um sorriso”.
Seus pais, José e Sara Scliar, oriundos da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904, e seu nome, escolhido por sua mãe após a leitura de Iracema, de José de Alencar, significa “filho da dor”.
Ele próprio dizia: “os nomes são recados dos pais para os filhos e são como ordens a serem cumpridas para o resto da vida”. E ele cumpriu à risca, com uma literatura de cunho humanista, próxima dos excluídos sociais.
A família acabou indo do interior para Porto Alegre, radicando-se no bairro do Bom Fim, onde, segundo sua descrição, viviam em casas minúsculas, exercendo profissões como as de marceneiro, alfaiate, vendedores ambulantes.
Uma vida difícil, de muitas carências, compensada pelo espírito comunitário, pela coesão familiar. Todas as noites, estas famílias se reuniam para aquilo que era quase um ritual: ficavam tomando chá (logo substituído pelo chimarrão) e conversando – contando histórias, em geral sobre suas primeiras experiências de Brasil.
“Estas narrativas, que me encantavam, despertaram em mim a vontade de contar histórias - mas de contá-las por escrito”.
Segundo o crítico literário José Castello, três grandes influências marcam a literatura de Scliar: a presença contínua de Franz Kafka, como ele um judeu deslocado de sua condição; a escrita fantástica de Julio Cortázar; e a leitura laica da Bíblia, em particular do Novo Testamento, em que as parábolas proliferam.
Castello lembra que em Manual da Paixão Solitária, de 2008, vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Ficção em 2009, Scliar utiliza-se da Bíblia para falar de Judá, o quarto filho de Jacó, e de seus três filhos, Er, Onan e Selá e suas difíceis relações com o amor.
Seu mais importante romance, O Centauro no Jardim, de 1980, incluído na lista dos 100 melhores livros de temática judaica dos últimos 200 anos organizada pelo National Yiddish Book Center, dos EUA, usa a figura do centauro, metade cavalo, metade homem, para abordar a divisão da alma humana.
Nasceu de um texto que escreveu para jornal, sobre uma corrida de cavalos que se realiza todos os anos em Porto Alegre. Por uma associação de ideias, pensou no centauro – o gaúcho é chamado de o centauro dos pampas –, o que o levou ao conflito de identidade, pela simbologia mitológica do centauro, entre os aspectos racionais e irracionais, “entre o judaísmo e a brasilidade, o homem do campo e o da cidade, o pacato cidadão da classe média, acomodado, e o aventureiro que há em todos nós”.
Sua condição de filho de imigrantes aparece em obras como A Guerra no Bom Fim, O Exército de um Homem Só, O Centauro no Jardim, A Estranha Nação de Rafael Mendes, A Majestade do Xingu.
A outra influência é a sua formação de médico de saúde pública, que o levou a uma vivência de dor e sofrimento que já carregava com seu nome.
Esse conhecimento da realidade brasileira aparece em obras, como A Majestade do Xingu, A Paixão Transformada – História da Medicina na Literatura. Seu primeiro livro, publicado em 1962, foiHistórias de Médico em Formação, contos baseados em sua experiência como estudante. Ainda menino, gostava de ir ao pronto-socorro do Bom Fim para acompanhar o atendimento aos pacientes.
Especialista em Saúde Pública e Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública, exerceu a profissão junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU).
Tinha obsessão pela ciência e pelos grandes cientistas, e não é por acaso, portanto, que dois de seus livros tenham como personagens o médico e indigenista Noel
Nutels, em A Majestade do Xingu, romance de 1997, e o sanitarista Oswaldo Cruz, de Sonhos Tropicais, de 1992.
Foi professor visitante na Brown University (Department of Portuguese and Brazilian Studies) e na Universidade do Texas (Austin), nos Estados Unidos.
É autor de 74 livros em vários gêneros: romance, conto, ensaio, crônica, ficção infanto-juvenil. Obras suas foram publicadas em muitos países: Estados Unidos, França,
Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itália, Rússia, Tchecoslováquia, Suécia, Noruega, Polônia, Bulgária, Japão, Argentina, Colômbia,Venezuela, Uruguai, Canadá e muitos outros, sempre com grande repercussão crítica. Teve textos adaptados para o cinema, teatro, tevê e rádio, inclusive no exterior.
Scliar recebeu três vezes o Prêmio Jabuti, a mais tradicional distinção literária do país: em 1988, pelo volume de contos O Olho Enigmático; em 1993, pelo romance Sonhos Tropicais; e em 2009, pelo romance Manual da Paixão Solitária. Pelos contos de A Orelha de Van Gogh, ganhou o prestigioso prêmio Casa de Las Americas em 1989. Também recebeu o Prêmio José Lins do Rego, da Academia Brasileira de Letras, pelo romance A Majestade do Xingu, em 1998, entre outras honrarias.
O espírito generoso de Moacyr Scliar teve chance de ser testado em um episódio de repercussão internacional: o escritor canadense Yann Martel recebeu o Booker Prize em 2002 pelo seu romanceA Vida de Pi, claramente inspirado no livro de Scliar Max e os Felinos.
Ambos os livros tratam do mesmo tema: um náufrago num escaler diante de animais: no de Scliar, um jaguar, no de Martell, um tigre e outros bichos. Para Moacyr Scliar,
o jaguar era a imagem de um poder absoluto e irracional. “Como foi o poder do nazismo, por exemplo. Ou, numa escala bem menor, o poder da ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964”.
O canadense Martel dá uma conotação religiosa à imagem. Ao contrário do que a maioria esperava, Scliar não o processou por plágio, e em um texto que revela pontos importantes de seu pensamento, como ser humano e como escritor, que aparece como introdução nas edições de Max e os Felinos, ele explica por que:
A pergunta que mais me faziam? e, nos Estados Unidos, faziam-me de forma insistente? dizia respeito a um processo judicial. Algo para o qual eu não tinha a menor disposição. Não só porque demandaria tempo e energia, como também porque minha atitude não era, e nem nunca foi, litigante. (...) Se, ao tempo em que começou aescrever seu livro, Yann Martel tivesse entrado em contato comigo dizendo que queria aproveitar a ideia, eu teria concordado, e de bom grado.
Ele não o fez, o que pode ser considerado inadequado? mas, ilegal? Eu relutava em ver a coisa dessa maneira.
Se é possível definir uma característica principal da literatura de Moacyr Scliar, essa seria o humanismo. E, para mim, nenhum outro livro reflete tão bem esse seu sentimento do que Os Voluntários, de 1982, que narra a história da tentativa frustrada de um moribundo para ver Jerusalém antes de morrer e a solidariedade de amigos, a bordo de um velho rebocador que sai de Porto Alegre com destino ao porto de Haifa, em Israel, numa viagem utópica que mal se inicia.
Na zona portuária de Porto Alegre, entre as décadas de 1930 e 1970, desenrola-se a história de um grupo de amigos, vizinhos do bairro, o narrador Paulo, de pais imigrantes portugueses chegados ao Brasil em 1935, proprietários do bar-restaurante Lusitânia.
Benjamim, amigo de infância de Paulo, filho dos proprietários de uma loja próxima à Lusitânia, sofre de problemas afetivos derivados da superproteção materna, marca do folclore judaico, é obcecado por Jerusalém, obsessão que herdou dos pais, imigrantes judeus nascidos na Polônia. Sua obsessão doentia acaba lhe provocando um câncer.
Samir é um palestino cristão oriundo de Jerusalém, comerciante ambicioso, que chega a Porto Alegre depois de 1967, em consequência da Guerra dos Seis Dias. Monta seu negócio ao lado da loja de Benjamim, o que estimula a reprodução do conflito do Oriente Médio na pitoresca Rua Voluntários da Pátria, que Paulo tem que mediar.
O projeto utópico desde o princípio está destinado ao fracasso e é frustrado de maneira insólita: ao zarpar o rebocador é atacado por uma lancha onde está Cachorrão, o gigolô de Elvira, amante de Paulo, que quer impedir que ela siga viagem com o grupo.
Uma verdadeira batalha naval acontece, e o rebocador “Voluntários” vai a pique, com vários mortos, entre eles Benjamim. Para completar a bizarrice do episódio, e como estamos nos anos 1970 do regime militar, a polícia confunde a tosca expedição com um plano subversivo de comunistas.
É este grande escritor que sucedo na Cadeira 31, mas, volto a ressaltar, não substituo. É esse homem generoso que hoje homenageamos aqui.
Minhas amigas, meus amigos,
É como jornalista que me apresento a esta Casa, um jornalista que acredita ser um imperativo ético da profissão a responsabilidade com o cidadão.
O filósofo alemão Jürgen Habermas se refere à dupla função que a imprensa de qualidade desempenha: atender a demanda por informação e formação. Ele ressalta que, para o leitor enquanto cidadão, a imprensa de qualidade, que ele chama de “jornalismo argumentativo”, desempenha um papel de “liderança”.
É como jornalista comprometido com esses princípios que me apresento nesta Casa, e é exatamente por isso que desejo destacar a questão ética, base do êxito no jornalismo.
É nossa atribuição fazer com que o Estado conheça os desejos e intenções da Nação, e com que esta saiba os projetos e desígnios do Estado.
“Um bom jornal é uma nação conversando consigo mesma”, na definição do teatrólogo inglês Arthur Miller.
Para nosso confrade Rui Barbosa,
a imprensa é a vista da nação. Através dela a mão acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça.
O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como um cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar. “Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última solução”, escreveu ele.
No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação. Os jornais nasceram no começo do século XIX, com a Revolução Industrial e a democracia representativa. Formam parte das instituições da democracia moderna. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.
Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao surgimento do estado moderno. O jornalista espanhol José Luis Cebrian, diretor do El País, talvez o jornal mais influente hoje da Europa, considera que os jornais perderam a exclusividade da formação da opinião pública, com o surgimento de novas tecnologias de comunicação, mas continuam sendo um “contrapoder”, com uma enorme influência, importantes para a institucionalização democrática dos países.
É o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático. E é nos jornais que ainda se abriga maior parte do jornalismo de qualidade.
O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma deontologia, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem.
Da mesma maneira que a internet e as novas mídias sociais permitem que as informações circulem mais largamente, com versões de várias fontes, elas também levam as reportagens da grande imprensa aos recantos mais longínquos do país.
As reportagens da grande imprensa são replicadas no Facebook, no Twitter e em outras mídias sociais, amplificando sua repercussão.
Exatamente por isso, a questão ética está em primeiro plano. O problema da ética jornalística tem uma complicação própria, o fato de que enorme parcela da informação de interesse público atinge a privacidade de alguém.
Decisões irresponsáveis e levianas produzem o sensacionalismo, os escândalos gratuitos e, em pouco tempo, a desmoralização da imprensa.
A gravidade do que aconteceu no News of the World na Inglaterra, com escutas ilegais e chantagens, liga perigosamente a prática de crimes comuns ao jornalismo, o que é inaceitável e põe em risco a própria essência da liberdade de expressão.
O jornalismo, instrumento da democracia, não pode se transformar em atividade criminosa. É uma decisão ética quotidiana e obrigatória do jornalista determinar se o interesse público é servido ou não pela invasão da privacidade de alguém.
Vivemos novos desafios, como o de explorar uma intensa variedade de meios de levar informação ao leitor (e a oferta de informação só tende a crescer) sem ao mesmo tempo sufocá-lo com informação demais.
“A desinformação vem da profusão da informação, de seu encantamento, de sua repetição em círculos”, dizia o filósofo francês Jean Baudrillard. Nicholas Carr, ex-diretor da Harvard Business Review, é mais pessimista.
Para ele, a internet permeia de tal modo o cotidiano, que estaríamos caminhando para uma capacidade cada vez maior de consumir informação fragmentada e desconexa. Mais informação e menos conhecimento, e, sobretudo, pouca reflexão. A internet estaria induzindo a um pensamento raso.
Para o Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, por outro lado, a revolução digital que estamos vivendo significa uma transformação tão grande em nossa vida cultural e na maneira de operar do cérebro humano quanto a descoberta da imprensa por Gutenberg no século XV, que generalizou a leitura de livros, até então exclusiva de uma minoria insignificante de clérigos, intelectuais e aristocratas.
Como todos os jornalistas no mundo, nós na América Latina enfrentamos os novos desafios do mundo multimídia. A Revolução Digital está transformando profundamente o mundo em que vivemos e tem como impacto mais importante a repartição de poder dos meios de comunicação de massa com os indivíduos.
A sociedade civil global que está se formando, segundo a definição do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa.
Como ficou demonstrado nas recentes manifestações populares que desaguaram na Primavera Árabe ou na vigorosa ação dos “indignados” na Espanha e outros países europeus.
Aqui no Brasil, estamos vendo os primeiros efeitos, ainda incipientes, dessas mobilizações pelas redes sociais contra a corrupção.
Ao mesmo tempo, na América Latina, espalha-se pela região um movimento de contenção da liberdade de imprensa em diversos países, como Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, onde televisões, rádios e jornais vão sendo fechados sob os mais variados pretextos, e muitos outros são ameaçados com diversas formas de pressão, seja financeira seja através de medidas judiciais.
No Brasil, uma exceção em um continente cada vez mais dominado por governos autoritários ou simples ditaduras, também enfrentamos ameaças à liberdade de expressão. Os mesmos grupos tentam mais uma vez aprovar no Congresso uma legislação que controle os meios de comunicação, embora a própria Presidente Dilma já tenha declarado que a liberdade de expressão é fundamental na democracia.
O jornalismo é uma forma de conhecimento, uma forma de apreensão da realidade.
É a verdade imediata, o primeiro indício de verdade, Estará sempre longe, muito longe, de encontrar toda a verdade. Mas buscá-la é o seu propósito.
Trago comigo um exemplo de como o jornalismo pode auxiliar essa busca da verdade. Em 5 de maio de 1981, eu escrevia a coluna política de O Globo chamada “Política Hoje Amanhã” e tive acesso à informação de que o laudo da explosão do Riocentro, ocorrida dias antes, no dia 1.º de maio, havia confirmado a presença de outras duas bombas no Puma dirigido pelo Capitão Wilson Machado.
A notícia foi manchete de O Globo, deixando claro que a versão oficial de que a bomba fora colocada no carro por terroristas de esquerda apenas encobria a verdade da tentativa do atentado.
Dezoito anos depois, em 1999, O Globo deu outro “furo”, que provocou a reabertura do caso. A série de reportagens de Ascânio Seleme, Chico Otavio e Amaury Ribeiro Jr. ganhou o Prêmio Esso de Reportagem daquele ano e reabriu o caso, transformando o Capitão Wilson Machado e o Sargento Guilherme Pereira do Rosário de vítimas em réus.
O crime prescrevera, mas a verdade estava restabelecida. Eu era o diretor de redação de O Globonaquela ocasião e senti como se um ciclo histórico tivesse sido fechado, com a minha participação.
Iniciei-me nesse ofício aos 18 anos e ainda era estagiário quando trabalhei na edição extra de O Globo que anunciou a chegada do homem à Lua. Fui à rua para fazer o que o jargão da profissão chama de “povo fala”: colher opiniões dos cidadãos sobre aquele grande feito da Humanidade.
Era uma pequena tarefa, que abracei com enorme entusiasmo, já com a consciência de que estava participando de algo realmente importante, ajudando, de algum modo, a registrar a História, a produzir conhecimento.
É engraçado quando leio algum livro sobre a missão heroica de Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins e me deparo com o registro de que muitos acreditavam então que tudo não passava de uma encenação. O Globo daquele dia já registrava essa descrença.
De lá para cá, como repórter ou editor, sempre com a ajuda valorosa de muitos colegas, cobri ativamente os grandes acontecimentos da história do Brasil e do mundo.
Acompanhei como repórter credenciado no Palácio do Planalto o passo a passo da abertura política do Governo Geisel, que culminou com a anistia no Governo Figueiredo, que também acompanhei de perto como diretor da sucursal de O Globo em Brasília.
Vieram, então, a luta por eleições diretas, a eleição de Tancredo Neves, sua tragédia pessoal e política, que deixou a nosso hoje Decano, José Sarney, a tarefa de, com todas as dificuldades, garantir a transição para a democracia, tarefa fundamental que proporcionaria a realização da primeira eleição democrática para presidente depois da ditadura. E cobri também o impeachment, também democrático e dentro da lei, do primeiro presidente eleito.
Acompanhei, com preocupação, o fracasso de cada plano econômico que visava dar fim à chaga da inflação, um mal que parecia não ter fim. Mas que se exauriu graças ao Plano Real, que, estabilizando a moeda, permitiu organizar o país de modo a colocá-lo no rumo de resgatar da miséria alguns milhões de brasileiros, tarefa que vem sendo levada a cabo pelos últimos governos, a começar pelo de Fernando Henrique, seguido pelo de Lula, e agora, o da Presidente Dilma.
No campo internacional, cobri ou editei revoluções, golpes de estado, atentados, guerras, tragédias naturais, mas também o avanço da ciência, com benefícios incontáveis para o ser humano.
Uma das primeiras páginas que fechei com o espanto de quem registra e tenta entender o mundo em mudança radical foi a que estampou a queda do Muro de Berlim, em 1989, que pôs em movimento o último ato para o fim do bloco comunista.
Teria aquela edição um gosto especial para mim porque, dois anos depois, eu estaria no meio de uma pós-graduação em Stanford de política internacional, aprendendo história em tempo real, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos que levaram ao fim da União Soviética. O interessante é que as aulas, ao lado de livros, usavam como base para o estudo as edições diárias do New York Times.
Em 2008, acompanhei vivendo em Nova York a campanha histórica para a presidência dos Estados Unidos vencida por Barack Obama e a crise financeira mundial iniciada com a quebra do banco Lehman Brothers.
Enfim, se acompanhar os fatos tão de perto me deu a certeza e o otimismo de que não há entrave que não possa ser superado, deu-me também a convicção de que as conquistas só perduram à custa de muita vigilância.
Se, hoje, no exercício diário do meu ofício, vivo a chamar a atenção para os riscos de retrocessos, quando os vejo no horizonte, não é por pessimismo ou militância: é porque aprendi no dia a dia de minha profissão que o jornalismo tem por obrigação defender valores sem os quais não pode existir, o maior deles a liberdade.
É só ela que nos permite produzir o conhecimento necessário para que os povos se autogovernem, em sistemas plenamente democráticos.
O jornalismo, contudo, exerce essa função também nos acontecimentos da vida cotidiana, prosaicos, do país e do mundo. Se mencionei aqueles que marcaram a História, foi apenas porque eles vêm mais facilmente à cabeça de todos nós.
Mas o registro de todos os fatos, mesmo os mais comezinhos e a análise deles são fundamentais para que nós, cidadãos, nos movamos em sociedade:o bueiro que explode, o crime de grande repercussão, a nova praça que se inaugura, a cidade, o país e o mundo em seu fluir ininterrupto.
A especificidade de nossa profissão é que cobrimos os grandes e os pequenos eventos, com os mesmos propósitos: conhecer, informar, contextualizar, para que todos possam formar as suas convicções e viver em harmonia democrática.
Se lanço mão das situações que vivi, é para mostrar o que penso do jornalismo, definir as suas características, o seu modo de ser e de fazer. E também para dizer que, embora não seja mais aquele menino que foi às ruas colher as reações à chegada do homem à Lua, ao iniciar minha vida nesta Academia, meu sentimento é o mesmo de 42 anos atrás: entusiasmo diante de uma jornada que cobrará muito de mim, mas também a consciência de que agora faço parte de uma Casa cujo propósito é aquele que busquei a vida inteira, com meu ofício: produzir conhecimento e difundi-lo, para o bem de nosso país, de nossa cultura.
Prometo honrar a confiança que depositaram em mim.