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Saudades de Jorge

 

Jorge: monge beneditino, no coração da pós-modernidade, cujo incenso, na liturgia da palavra, era o cachimbo, ceci n’est pas une pipe, que compunha ao seu redor uma densa névoa. Das regiões setentrionais, fumo holandês, como revelou num passeio. Fumos de Holanda, entre Portugal e Recife. Armas de Holanda. Depois, Fliegende holländer no Rio. E, naquela névoa, desenhava os olhos de Beatriz e Diadorim, das quais se enamorou. E no corpo de ambas, incerto e radioso, fez-se poeta e refinado tradutor. Teórico do processo de transporte da língua de partida para a de chegada, Jorge criou a teoria da negociação para o ofício aplicado no campo tradutório. Traduttore, bel lettore.

Longas conversas na Biblioteca Nacional: Jorge, Ivan Junqueira e eu, entre Dante, Eliot e Baudelaire. Jorge andava mergulhado até os ossos na tradução da Divina comédia, com aquele zelo etimológico da poesia, realmente notável. Ao fim dos cantos do Inferno, abre as portas de seu laboratório, comparando soluções com as de seus predecessores.

Ali Jorge consolidou uma poética, rimas camonianas, compassos e células rítmicas das tercinas, de modo original, como um largo work in progress.

Partiu cedo, mas o legado resta, valioso, tesouro incontroverso, realidade notavelmente expandida, como quem abraça a literatura-mundo.

Suas páginas dantescas emergem das águas do Capibaribe, de Bandeira, e da hídrica, nada úmida, de João Cabral, assim como Drummond, no plano existencial, mais afinado com suas antenas e sensibilidade.

Alcançou agora a pluralidade agônica do alfabeto hebraico e o rosto de um poema sem rosto, que vibra como pura energia.

Comunità Italiana, 16/08/2018