Sua Majestade Imperial
Ọ́ọ̀ni Adéyeye Ènìtán Bàbátúndé Ògúnwùsì Rei de Ifé, Odjádja II
Corte Real
Senhoras Acadêmicas
Senhores Acadêmicos
Senhoras e Senhores
Ẹ káàsán!
A visita de Vossa Majestade ao Brasil traduz um marco simbólico, um gesto seminal para a cultura da paz. E como atingi-la, senão através do diálogo multilateral, encarnado justamente na visita de Vossa Majestade, dentro e fora de nossos países, diálogo sul-sul que demanda uma epistemologia bilateral, tão fascinante e tempestiva?
Vossa Majestade ocupa o centro de um império mais extenso e sutil que o de seus ancestrais, ferido ou marcado pela diáspora africana, intermitente, como a entende o escritor Wole Soyinka. Um império cultural e espiritual, onde passado e futuro se convergem, livres, sob o céu de um império Ioruba, que não distingue o azul-celeste de Ifé e o de Salvador. Um império que por motivos cósmicos é centro de um mundo hoje globalizado, com tantos súditos dispersos, nos quatro cantos da Terra. Súditos de uma história e de uma identidade traduzidos na visita de Vossa Majestade ao Brasil, ao atravessar o rio chamado Atlântico, segundo a feliz definição de nosso querido Secretário-Geral.
E, contudo, Vossa Majestade não desconhece a dívida imensa de nosso país com os afrodescendentes, que reúne outras culturas e etnias, passados cento e trintas anos do fim da escravidão. Torna-se inadiável a retomada e ampliação das políticas afirmativas, pois não é favor nem concessão apressar o fim da desigualdade. É antes uma ferida aberta a demanda de emancipação.
Vossa Majestade comoveu a todos, em Salvador, com a oração do apaziguamento das almas dos escravos. Porque é da memória que se trata para a construção da liberdade e da cidadania plena. Apaziguar os mortos, que iluminam nossos terreiros, com sua fascinante glossolalia, escola dos viventes, construtores da paz e da harmonia.
Apaziguar os mortos e promover a igualdade cidadã, que inclua os jovens negros, nas periferias, comunidades e terras quilombolas. Eis a nossa missão, Majestade.
Cito o poema “Dedicatória” de Soyinka, na tradução de Luis Giffoni, atravessado por um raio de utopia, entre recusa e adesão:
Umedece
teus lábios com sal,
que não seja o de tuas lágrimas.
Esta chuva-água é presente dos deuses
- bebe sua pureza, frutifica na hora certa.
Leva, pois, os frutos à boca,
corre para devolver o milagre de teu nascimento.
Cria marés humanas como as ondas,
imprime tua lembrança nas areias que ainda guardarão
fósseis.
O trabalho da terra e o código de liberdade. O sal e os lábios. A redenção das águas. E o desenho da subjetividade, não como privilégio mas como demanda legítima e essencial.
Seja bem-vindo, Majestade, mais uma vez,
Ẹ káàbọ̀!
As expressões em iorubá emergem de meu antigo caderno, onde anotei, fascinado, esta língua tonal e isolante. Perdoe-me a ousadia.
Nosso horizonte será mais duradouro e generoso que o passado, cuja memória é como o fóssil de Soyinka, vivo, inscrito em nosso DNA. Já não podemos esquecê-lo. Apaziguar, Majestade: os que partiram, anônimos, para sempre, e os que ainda não chegaram, senhores do futuro. O clamor do presente não admite adiamento. Incluir é preciso, assim como navegar.
A presença do Ọ́ọ̀ni de Ifé é um sinal benfazejo de que os ventos de mudança agitam-se nos dois lados do Atlântico. Venha restaurar um pouco seu império imaterial, os fragmentos dispersos de luz e sangue de uma diáspora incessante. Somos um pouco todos súditos simbólicos de nossa tradição.
Peço ao Acadêmico Alberto da Costa e Silva, nosso intérprete da história da África, poeta e escritor, que aponha em Vossa Majestade as palmas acadêmicas, a mais alta honraria com a qual esta Casa, de raro em raro, presta homenagem aos grandes vultos internacionais.
Yoo dará!
Kara o lê!