A Procuradoria-Geral da República está anunciando informalmente uma decisão que deveria ter sido tomada desde o início do processo de investigação da Operação Lava Jato: a separação, para fins de punição, dos políticos que receberam dinheiro de Caixa 2 para financiamento de campanha eleitoral e os demais, que receberam propina, muitos até mesmo usando o Caixa 1 como maneira de limpar a propina nas declarações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A chamada “Lista de Fachin” tinha, quando foi anunciada, 98 políticos com foro especial mencionados nas delações de Marcelo Odebrecht e de executivos da empreiteira, dos quais cerca da metade poderia se enquadrar no exercício de Caixa 2 puro e simples.
Ao misturar o joio com o trigo, como se classificou na época, a denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, ganhou em impacto e aumentou seu poder de fogo, mas colaborou decisivamente para a demonização da classe política, o que não ajuda a democracia.
Se fizesse uma triagem antes de anunciar a lista, poderia perder tempo, mas faria uma denúncia mais acurada, pois havia condições de definir através das delações quais políticos ofereceram contrapartidas em troca do financiamento ilegal: a aprovação de uma lei determinada, um penduricalho colocado em uma medida provisória, a atuação em órgãos governamentais.
Com relação ao caixa 2, aliás, já há posições definidas desde o julgamento do mensalão, já amplamente discutidas aqui na coluna. A presidente do Supremo, ministra Carmem Lucia, registrou sua indignação com a tentativa de banalizar a prática, a começar do ex-presidente Lula, que disse na ocasião que o PT havia feito o que todos os partidos brasileiros faziam.
O petrolão veio a provar que o PT foi muito mais longe, mas Carmem Lucia não tergiversou quando falou do Caixa 2: “É crime”. Os ministros do Supremo Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, cada qual a seu modo, também trataram do assunto. Mendes disse, com razão, que nem sempre a doação através de Caixa 2 deve-se à corrupção, ela pode ter razões políticas, como o empresário não querer que o governante da vez saiba que também está doando para seu adversário, e quanto.
Mas Barroso advertiu: “As razões podem ser diferentes, mas são crimes da mesma forma”. Também no mensalão o então presidente do Supremo, ministro Ayres Britto definiu a questão: “Não existe Caixa 2 com dinheiro público. Nesse caso, é peculato”.
Já o Supremo terá que ratificar ou não a maioria da 2 Turma, que, no caso do senador Valdir Raupp, decidiu que ele praticou corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao aceitar que o dinheiro de propinas de obras públicas fosse doado através do Caixa 1 e legalizado na Justiça Eleitoral. A questão poderia ter sido decidida agora, no julgamento da chapa Dilma/Temer, mas com o TSE se recusou ausar as provas de financiamento ilegal, tudo ainda depende de uma definição judicial.
A tentativa de separar o joio do trigo, isto é, a diferenciação entre o uso de Caixa 2 para fins puramente eleitorais e o beneficiamento pessoal do dinheiro ilegal, já fora proposta no início pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas é de difícil execução. Caberá, no final das contas, ao Supremo Tribunal Federal (STF) definir legalmente o divisor de águas entre todos os crimes cometidos por nossos políticos, e o de Caixa 2 deve começar pela definição da contrapartida exigida do político pelo doador.
A tendência é propor a suspensão do processo, um acordo jurídico feito no momento da apresentação da denúncia, em troca de uma pena alternativa, sejamulta ou serviços sociais. Para receber o benefício da suspensão do processo, o acusado não pode esta respondendo a outro processo ou ter uma condenação anterior. Essa definição de culpas vai clarear um pouco a situação política. Assim como não pode haver crime sem que esteja previamente previsto na legislação, todo crime deve ser punido de acordo com a sua gravidade.
Interpretação
O historiador José Murilo de Carvalho, meu colega na Academia Brasileira de Letras, citado pelo ministro Gilmar Mendes em seu voto no julgamento do TSE, me mandou o seguinte comentário: “Não assisti ao julgamento no TSE da eleição da chapa Dilma/Temer. Só mais tarde fui alertado de que fora citado em seu voto pelo ministro Gilmar Mendes.
Ouvi a gravação e confirmei; a referência a trabalho meu que diagnosticava a crônica instabilidade de nossas instituições. Mas não usei, nem nunca usaria, essa premissa, como fez o Ministro, como argumento para justificar a absolvição de políticos praticantes de malfeitos, mesmo em se tratando da presidente e do vice-presidente da República”.