Sempre me bati contra o ódio na política e o nefasto exercício da calúnia. Tampouco defendi a defenestração da presidência da República, quando não houvesse comprovadamente crime de responsabilidade. O impeachment é um remédio perigoso, quando não letal, pois longe de ser a solução pode representar o início de um problema insolúvel, abismo que se abre de repente e que produz o fim do diálogo político minimamente razoável entre situação e oposição. Sobretudo com a irresponsabilidade de muitos senadores e deputados que o deflagraram recentemente.
Conheci pessoalmente a presidente eleita Dilma Rousseff no dia 20 de setembro, num apartamento da zona sul do Rio. Foi a primeira vez que a encontrei e confesso minha surpresa. Aceitei o convite pela gratuidade, pela simpatia por uma mulher honesta sobre a qual recaiu toda a espécie de insulto, agressões verbais, gestos de vergonhosa misoginia. Fui porque ela não teria nada a oferecer, cargos ou nomeações, que jamais pleiteei, porque sou escritor e a vocação que me habita espraia-se num horizonte de extrema liberdade. Fui como quem leva flores invisíveis da mais sentida simpatia e gesto solidário, correndo o risco, gentil leitor, de ser inclusive mal interpretado. Fui com minha mulher Constança Hertz.
Contrariamente ao que se disse em todos esses anos, a presidente eleita não se mostrou distante ou insensível, autossuficiente, fechada hermeticamente em sua suposta majestade. Nada disso. Encontrei em Dilma uma figura notável, sem o mínimo traço de ressentimento ou de obscuro desejo de revanche. A defesa no Senado deu-lhe nova liderança, independente de qual seja a avaliação dos possíveis erros e acertos de seu governo. Dilma faz uma leitura serena do que se passou de 2014 até hoje, desde a recontagem de votos à abertura do processo de impeachment com as vestais da Câmara, lideradas pelo probo Eduardo Cunha. Uma leitura sem mágoas, lamentando apenas o desmanche de um projeto de fundo republicano, o traço de união inseparável entre democracia e justiça social, tão duramente conquistado no Brasil. Tal diagnóstico se faz sentir entre as camadas populares, o sinal da injustiça.
Como dizia Murilo Mendes sobre Pasolini: é uma alma! Seja como for, a figura da presidente readquire contornos humanos. Eu mesmo não a imaginava tão delicada, simples e aberta para o outro. Sem dúvida, uma das mais preparadas leitoras do Brasil. Imagino que voltará como senadora em 2018 para qualificar os debates daquela Casa, com o seu sentido cívico de responsabilidade com os destinos de nosso país.