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Guerra retórica

 

O ex-presidente Lula aproveitou-se da retórica agressiva do Procurador Delton Dallagnol para politizar sua resposta, e assim como os Procuradores de Curitiba não apresentaram a denúncia de que Lula é o chefe da quadrilha, ele também não se dignou a responder às acusações sobre sua relação com a OAS e os favores que teria recebido da empreiteira.

Os Procuradores claramente anteciparam uma acusação que está sendo preparada pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot no processo conhecido como “quadrilhão”, que é o principal de todos os que estão em andamento.

Todas as provas indiciais mostradas na entrevista coletiva de quarta-feira fazem parte de um esquema que é apoiado por provas testemunhais e indiciais, da mesma maneira que no mensalão as provas contra José Dirceu foram aceitas pelos ministros do STF.

Ao decidir, no desempate dos embargos infringentes, que não havia formação de quadrilha naquela ocasião, o Supremo livrou Dirceu da acusação de chefe da quadrilha. Por métodos indiretos, acabou acertando, pois agora a força-tarefa da Lava Jato está acusando Lula de ser o chefe da quadrilha, desde o mensalão.

O exagero da retórica dos Procuradores abriu uma brecha para que Lula e seus aliados insistissem na tese do golpe continuado, colocando na conta do suposto golpe parlamentar que depôs Dilma as acusações, que têm claras provas indiciárias que já haviam sido apontadas na investigação da Polícia Federal.

Não há quem não saiba, em boa-fé, que aquele tríplex do Guarujá era de Lula, tanto que o Globo deu uma notícia em 2010 indicando que, com a falência do Bancoop, até mesmo o tríplex de Lula estava atrasado, e ninguém negou a posse. O Palácio do Planalto, ao contrário, achou que a notícia era uma demonstração de que o então presidente recebia um tratamento igual aos demais cooperados.

Foi justamente quando a OAS assumiu o empreendimento que Leo Pinheiro, segundo sua delação premiada que foi anulada pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, procurou o tesoureiro do PT João Vaccari e disse que o tríplex de Lula seria abatido do dinheiro de propina a que o PT tinha direito por ter concedido à empreiteira negócios na Petrobras.

As provas indiciárias, como fotos de Lula e dona Mariza visitando o imóvel, as reformas que foram feitas, os documentos da Bancoop mostrando a alteração de propriedade, da cota de um apartamento comum para o tríplex, tudo indica que o imóvel era realmente da família Lula da Silva, que só desistiu dele depois que em 2014 o mesmo Globo mostrou que vários cooperados não receberam seus apartamentos, mas a família Lula da Silva recebeu o tríplex com várias melhorias, como um elevador privativo e uma cozinha Kitchens, igual à que a mesma pessoa ligada à OAS comprou para o sitio de Atibaia.

Lula ontem se disse mais uma vez a pessoa mais honesta do mundo, se comparou em popularidade a Jesus Cristo, mais comedido do que o Beatle John Lennon, e chorou diante das câmeras de televisão. Mas não explicou porque a OAS pagou durante 5 anos o armazenamento de pertences seus na transportadora Granero.

O que intriga é que Lula, acusado pelos Procuradores de ser o chefe da quadrilha, até agora só é acusado por desvios tidos como pequenos, diante dos milhões de dólares que os principais acusados da Lava Jato já confessaram ter desviado. Mas a pouca monta dos desvios de que Lula é acusado até agora, cerca de R$ 3 milhões, não pode ser a razão de sua absolvição.

Se o que valeu para formalizar a cassação do ex-presidente Fernando Collor foi a compra de um Fiat Elba por um “fantasma”, bastaria o armazenamento de pertences pessoais pagos pela OAS para culpabilizar o ex-presidente. O festival que os Procuradores fizeram para acusá-lo no dia anterior, porém, foi aproveitado por Lula para também se apresentar como vítima de perseguição política, um festival político do mesmo tamanho do anterior.

O problema, para os Procuradores, é que Lula é um político experiente, enquanto deles não se esperaria arroubos retóricos, bastando que baseassem as denúncias nas provas testemunhais e indiciárias que já colheram, especialmente nas delações premiadas.

O Globo, 16/09/2016