Um aplauso efusivo e demorado selou a cerimônia de adeus a Evaristo de Moraes Filho no São João Batista. Gesto de catarse e homenagem a um dos últimos varões da República. Aquele aplauso traduziu um sinal de comunhão, síntese de contrários, com pessoas tão diversas que acorreram para homenageá-lo, pois a presença de Evaristo era um centro que congregava a muitos. Um ecumenismo inverso à cultura da intolerância, armada na trincheira do irracionalismo que hoje divide a nação.
Evaristo foi um intelectual pleno, erudito esclarecido, jamais aprisionado pela cultura oceânica da biblioteca. Ele impôs àquelas águas densas de conteúdo o fio de ouro de uma sabedoria transparente, ocupado com a inteligência do processo, entre a parte e o todo, num corte fundamental, ao longo de múltiplos saberes,
Foi dos pensadores mais refinados sobre a democracia no Brasil porque não se ateve às práticas formais, à superfície do sistema político, a um conjunto de práticas litúrgicas. Evaristo compreendeu desde cedo que não bastava pensar a democracia fora da dignidade do trabalho, de um conjunto de leis, como ele mesmo insistia, capaz de criar um país mais solidário, na linhagem de um Tavares Bastos, a quem dedicou páginas admiráveis. Uma democracia não inclusiva que não realize a correlação assimétrica de forças, entre o capital e o trabalho, não passa de mera ficção, de puro formalismo, de uma forte descontinuidade entre os princípios básicos da Constituição e o mundo real das populações mais vulneráveis. Eis por que Evaristo lutou pela emancipação dos trabalhadores do campo e da cidade, a partir do sindicato e da reflexão dos mecanismos de proteção ao trabalho.
Dele guardo algumas cartas, raras conversas telefônicas, desde meados da década de 1980. Eu lhe mandava meus livros mais jovens e ele respondia com palavras generosas. Comentei com ele a releitura que fiz das Reminiscências de um rábula criminalista, de seu pai, o patriarca Evaristo de Moraes, essencial à pesquisa de famoso crime ocorrido na Corte. Um de meus trabalhos antigos está em suas mãos na foto que integra a capa do livro E.M.F: um intelectual humanista, de 2005. Não há vantagem pessoal nesse caso, pois estamos todos inelutavelmente nas páginas de sua obra, em cujas linhas passa o Brasil.
Em 2015, quando protocolei petição na Procuradoria-Geral da República para que esta oferecesse denúncia ao STF contra o ex-presidente da Câmara, Evaristo, naquela altura com 101 anos, foi o primeiro a assinar, com absoluta adesão, como pode confirmar a socióloga Regina Morel. Não imaginávamos que a PGR contasse com um ‘timing’ estranho e que o Planalto, nesse mal afamado mês de Agosto, envidasse esforços para salvar o mandato do senhor Cunha.
Contra o déficit moral e intelectual, que hoje nos aflige e dilacera, nesse imenso deserto de mediocridades, a figura de Evaristo se agiganta solitária, como um oásis perdido.