A decisão do plenário do STF foi uma surpresa para mim e certamente para o ministro Edson Fachin, que baseou seu voto num consenso que supostamente haveria no plenário, tanto que mudou muito do que já havia anunciado logo que deu a liminar suspendendo o processo em andamento na Câmara.
Na verdade havia uma tendência de mudar pouca coisa no rito de 1992, quando do impeachment do ex-presidente Collor. O ministro Fachin manteve esse rito, com duas mudanças que, pelas circunstâncias políticas atuais, mostraram-se cruciais: manteve a escolha da Comissão da Câmara já feita, e mudou o entendimento de que o Senado poderia não aceitar a denúncia da Câmara.
O ministro Fachin achou que esses pontos deveriam ser atualizados. A Câmara já tinha resolvido internamente o seu rito para a escolha da Comissão e embora em 1992 a escolha tenha sido por voto aberto, e a lista tivesse sido feita pelos líderes, a maioria desta vez decidira pelo voto secreto e Fachin achou que o STF não deveria se imiscuir em decisões internas da Câmara, no que acho que ele tem razão.
Na questão do papel do Senado, ele mudou o entendimento de 1992 para se ater ao artigo 86 da Constituição, que diz que o Senado “julgará” o impeachment depois de autorizado o processo pela Câmara. Os ministros de 1992 entenderam que o texto de outro artigo, o 52, em que está dito que o Senado “processará e julgará”, significava que ele tinha condições de recusar a decisão da Câmara, em vez de entender o “processará” como uma ação burocrática de encaminhamento do processo ao julgamento.
Essa interpretação foi ratificada pela maioria do plenário atual, liderado pelo ministro Luis Roberto Barroso que abriu a divergência. A diferença é que em 1992 não havia disputa política, e tudo foi feito quase que no automático. Não houve nenhuma discussão sobre o papel do Senado por que não havia dúvida de que o Senado também aprovaria, como aprovou em questão de horas.
A Comissão da Câmara foi eleita por aclamação, e os líderes indicaram os componentes da chapa sem brigas políticas. Fachin entendeu que num momento de disputa política intensa, o Supremo teria que tomar algumas providências para evitar que o presidente da República use seu poder para influenciar na decisão do Congresso.
Vários juristas defenderam essa tese, como Diego Werneck Arguelhes e Thomaz Pereira, professores da FGV Direito Rio, em artigo publicado no site jurídico Jota, chamam a atenção para questões políticas envolvidas na decisão: “Para um deputado, votar contra a presidente com a certeza de que em seguida ela seria afastada é muito diferente do que fazê-lo sabendo que ela poderá, ainda com poderes de presidente, tentar evitar o recebimento pelo Senado. Para um senador, decidir votar contra a presidente em exercício é muito diferente do que fazê-lo contra uma presidente afastada”.
O ministro Luis Roberto Barroso explica assim a decisão sobre o papel do Senado: “O rito do impeachment perante a Câmara, previsto na Lei nº 1.079/1950, partia do pressuposto de que a tal Casa caberia, nos termos da CF/1946, pronunciar-se sobre o mérito da acusação. Estabeleciam-se, em virtude disso, duas deliberações pelo Plenário da Câmara: a primeira quanto à admissibilidade da denúncia e a segunda quanto à sua procedência ou não”.
“Essa sistemática foi, em parte, revogada pela Constituição de 1988, que, conforme indicado acima, alterou o papel institucional da Câmara no impeachment do Presidente da República. Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do processo”.
Os ministros que votaram contrariamente o relator podem certamente alegar que o Supremo não tem que ver aspectos políticos, mas apenas os técnico-jurídicos. O rito de 1992, agora referendado pelo plenário do Supremo atual, segundo depoimento do ex-ministro Sidney Sanchez, que presidiu o processo por ser o presidente do STF, saiu basicamente do trabalho do ministro Celso de Mello, que já fazia parte do STF à época do impeachment de Collor.
Portanto, ele, mais do que ninguém, tinha condição de assegurar que o rito aprovado pela maioria correspondia ao que daria a segurança jurídica ao processo.