O senador e ex-presidente eleito Tancredo Neves tinha uma premissa que fazia questão de destacar nas negociações políticas: existe um programa para ganhar a eleição, e outro para governar. Premissa semelhante à prática de partidos de esquerda, que “tocam violino”: pegam o governo com a esquerda, mas governam com a direita.
Nada a ver, diga-se, com estelionatos eleitorais como os de Dilma, que simplesmente colocou de cabeça para baixo tudo o que defendeu na campanha. A frase de Tancredo propõe apenas certa cautela nos arroubos eleitorais. É uma falsa controvérsia, portanto, essa entre PMDB e PSDB, que estariam disputando entre si o nicho de eleitores liberais para as próximas eleições.
A diferença entre os dois é que o PSDB se prepara para uma disputa eleitoral nas urnas nos próximos meses, caso a chapa Dilma-Temer seja impugnada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico, ou em 2018.
E o programa do PMDB visa exclusivamente ter o apoio de setores econômicos na eventualidade de o impeachment tirar Dilma do governo.
O PMDB não está em busca, neste momento, de votos, mas de apoios políticos. O documento lançado pela Fundação Ulysses Guimarães como um projeto para o país é, de fato, mais liberal do que se poderia esperar de um partido que é a principal sustentação quantitativa do governo Dilma, pelo número de prefeitos e vereadores, e por dominar o Congresso.
E até surpreende ao defender, por exemplo, a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria, medida urgente para equilibrar a Previdência Social, mas polêmica, que tira mais votos do que dá. Outras medidas diametralmente opostas ao pensamento predominante no PT constam do programa do PSDB, inclusive o apresentado durante a campanha presidencial do ano passado.
O texto da Fundação Ulysses Guimarães defende uma política que já foi definida por Dilma como “rudimentar”, isto é, o estabelecimento de um limite para as despesas de custeio que seja inferior ao crescimento do PIB. Mas o PSDB não chega a defender, embora possa adotar uma vez no governo, o fim das vinculações orçamentárias para Saúde e Educação, por exemplo.
O apoio às privatizações e concessões não é diferente do do PSDB, e nem a volta do modelo de concessão para a exploração de petróleo. São temas que têm apoio de um eleitorado liberal, mas não retiram votos dos partidos que os defendem. Os eleitores que discordam já estão decididos a votar em partidos de esquerda.
O PMDB, apesar de sua postura pragmática e de valorizar os cargos governamentais como instrumentos de fazer política, tem pontos em comum com o PSDB que podem fazer com quer atuem juntos em eleições vindouras, já que as diferenças com o PT estão ficando cada vez mais explícitas.
Essas diferenças não se referem a questões éticas, mas à valorização da democracia representativa e a defesa das instituições, que estão no DNA do partido. Além dessa tradição, vinda dos tempos gloriosos do MDB de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, há ainda aqui um aspecto pragmático: o PMDB sabe que num governo autoritário do PT não terá força política.
A idéia de que ninguém consegue governar sem o apoio do PMDB está se provando verdadeira nos dias de hoje, e pressupõe um governo democrático. Por isso, qualquer tentativa do PT de ultrapassar os limites de um governo democrático esbarra sempre no PMDB.
O primeiro caso de predominância do espírito autoritário no partido deu-se agora com a aprovação de uma legislação de direito de resposta que na prática é um cerceamento da liberdade de expressão. Foi proposta por um senador peemedebista, e não chamou a atenção até que estivesse aprovada, e agora caberá ao Supremo Tribunal Federal dar um tom de equilíbrio a essa legislação.
Esse cochilo dos democratas do PMDB pode significar que o partido, enfraquecido pelas acusações a suas principais lideranças, está precisando fazer concessões, o que é um mau sinal.