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Na linha de tiro

 

Ao denunciar o presidente da Câmara Eduardo Cunha na primeira leva de acusações, sem que nenhum petista tenha entrado na lista por enquanto, o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot deu margem a que Cunha desse curso à sua teoria conspiratória de que o Palácio do Planalto estaria agindo em conluio com o Ministério Público para enfraquecê-lo.

É uma retórica previsível, de fato, e não deve dar-lhe muita sustentação nem provocar comoção entre os deputados, mas é um fôlego desnecessário para quem busca apenas um pretexto para prosseguir no seu projeto de fazer-se de vítima de um governo corrupto.

Na sua nota, Eduardo Cunha cerra fileiras contra o PT e o governo Dilma, contra quem já se anunciara na oposição, e a previsão de que a partir de agora dará vazão à sua vingança atemoriza o Planalto e anima a oposição, que erroneamente insiste em preservar Cunha, na esperança de que detone um processo de impeachment.

Não parece uma possibilidade real que isso aconteça, mesmo por que ainda não estão concluídos os processos no Tribunal de Contas da União (TCU) e tampouco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A partir daí é que se poderá ter elementos concretos para tal manobra política, agora enfraquecida pela situação de denunciado do presidente da Câmara.

Como seu caso será analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo que o ministro Teori Zavascki prometa ser rápido no encaminhamento do caso, ainda teremos muito tempo para especulações e jogadas políticas. Até mesmo a possibilidade de o Procurador-Geral da

República vir a pedir a saída de Cunha da presidência da Câmara, alegando que ele usa o cargo para prejudicar as investigações, está entre as conseqüências da denúncia.

A denúncia não é apropriada para o pedido do afastamento, e sim a inicial de um processo cautelar, pleiteando-se uma liminar. Provavelmente, o Procurador Geral da República aguardará o recebimento da acusação pelo Supremo para dar esse segundo passo, se é que dará.

O embasamento legal do pedido seria o artigo 312, caput, combinado com o artigo 319, inciso VI, ambos do Código de Processo Penal. O artigo 312 permite a prisão preventiva em várias hipóteses, entre elas a “conveniência da instrução criminal”.

Não pode ser imposta prisão cautelar (preventiva e temporária) ao parlamentar, que só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável ou por decisão criminal transitada em julgado, por força no disposto no artigo 53, § 2º, da Constituição da República.

Entretanto, o capítulo V do citado diploma legal, intitulado “Das outras medidas cautelares”, prevê sucedâneos da prisão preventiva, entre eles a “suspensão do exercício de função pública”, nos termos do artigo 319, inciso VI, inserido naquele capítulo “quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.

 Presente o risco, próximo da certeza, de Eduardo Cunha vir a cometer - e já cometeu -, o crime de coação no curso do processo, previsto no artigo 344, do Código Penal, especialmente ameaçar testemunhas, o seu afastamento da presidência se impõe, sob o fundamento da “conveniência da instrução criminal”.

Nesses casos, temos dois fatos que podem influir na decisão, um especulativo que não deve ser usado pelo Procurador, a denúncia da advogada Catapreta de que teria sido ameaçada depois que o empreiteiro Julio Camargo denunciou Eduardo Cunha, base para a acusação do Ministério Público.

Embora não tenha acusado diretamente Cunha, ele era o envolvido no caso. O outro motivo, este concreto, é a acusação do Procurador de que Eduardo Cunha já usou as prerrogativas do cargo para se proteger, tanto quando acionou a Advocacia Geral da União, quanto ao se utilizar de uma deputada sua aliada, também denunciada, para fazer pressão sobre empresas como a Mitsui e a Samsung para pagarem propina.  

O afastamento de Cunha, no entanto, é uma medida amarga demais, e provavelmente o STF entenderia se tratar de uma questão interna da Câmara, resguardando a independência do Poder Legislativo. Mas esse debate pode levar a que a própria Câmara assuma o ônus de tirar Eduardo Cunha da presidência, como aconteceu em diversos outros casos.
 

O Globo, 21/08/2015