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A marcha da História

 

As manifestações marcadas para todo o país darão hoje a dimensão da crise que estamos vivendo, e o tamanho das massas nas ruas será decisivo para os desdobramentos políticos, mas não definitivo.

Os políticos no Congresso, os membros do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que têm nas mãos processos que podem levar à interrupção do mandato da presidente Dilma, estão ansiosos para ver materializar-se nas ruas o tamanho da indignação da sociedade civil, já medida pelas pesquisas de opinião num número impactante e recordista na história recente: 71% de rejeição ao governo Dilma.

A voz rouca das ruas, na feliz expressão de Ulysses Guimarães, é um fator fundamental na decisão política por trás dos julgamentos dos órgãos de controle que representam justamente essa sociedade que se movimenta pelo país em busca de uma solução para a crise em que estamos metidos.

Mas nada é automático no jogo político, e mesmo que as manifestações de hoje superem as anteriores, não é líquido e certo que a presidente Dilma não terminará seu mandato antes do tempo previsto, assim como não é possível dizer que ela estará garantida no cargo se as manifestações forem menos expressivas.

Manifestações vigorosas, mesmo que menores, confirmarão a percepção já detectada pelas pesquisas de opinião de que há uma maioria ampla contrária ao governo, mas isso por si só não é suficiente, numa democracia como a nossa, para derrubar uma presidente eleita pelo voto popular.

A comprovação das ilegalidades cometidas no ano eleitoral para conseguir a vitória nas urnas, ou a confirmação de que o financiamento de campanhas eleitorais foi feito com dinheiro desviado da Petrobras no esquema de corrupção montado pelo governo para se perpetuar no poder, isso sim justifica um impedimento, e ele poderá sair desses processos que estão em tramitação no TCU e no TSE ou de outros que aparecerem, frutos de investigações em curso, como a Operação Lava-Jato, que está chegando muito perto de desvendar o esquema corrupto petista.

O jogo político tem diversos desdobramentos, e a influenciá-lo a movimentação de rua é uma das variáveis importantes, mas não a única, nem a decisiva. O senador José Serra pretende desenvolver uma análise pessoal das grandes manifestações de que participou em sua vida política, que o levou a estar, aos 22 anos, no palanque do Comício da Central do Brasil em 1964 como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

O senador tucano hoje acusado de querer entregar o pré-sal às companhias estrangeiras, naquela noite defendeu ardorosamente a encampação das refinarias privadas, apoiando a medida anunciada pelo presidente João Goulart.

No exílio no Chile, nos anos 70 do século passado, participou de manifestações a favor do governo Allende, e lembra-se de uma em especial que encheu de gente 1,5 quilômetro de avenidas. 

Na Marcha dos Cem Mil, em 1968, Serra estava no exílio, mas a história afirma que não havia cem mil pessoas na Rio Branco, o que importa menos do que o sentido daquela manifestação, um marco no combate à ditadura. Os comícios pelas Diretas Já em 1984 contaram com o apoio da maioria dos governadores pelos Estados, pareciam uma pressão insuperável sobre o Congresso, mas a emenda Dante de Oliveira acabou sendo derrotada por pequena margem.

Mas a marcha batida para o fim da ditadura prosseguia, mesmo que tivesse durado muito mais tempo o que se previa. As manifestações de hoje são a continuidade das que começaram em 2013, marcando o início do fim da hegemonia petista, sabe-se agora, baseada em um monumental esquema de corrupção que começou a ser desvelado em 2005, com a descoberta do mensalão, e continua sendo destrinchado pelas investigações da Operação Lava-Jato.

O processo da história está em marcha irreversível, e as manifestações de hoje são um elemento a mais nesse intrincado jogo político. Ao contrário das similares anteriores, as manifestações dos últimos anos contra o governo Dilma são fruto da convocação pelas redes sociais e não obedecem a comandos partidários, mesmo que partidos de oposição tenham aderido a elas. 

Mas há comandos partidários tentando ajudar o governo Dilma atrapalhando as manifestações. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PMDB, por exemplo, manteve para hoje eventos testes da Olimpíada 2016, fechando diversas ruas da Zona Sul, depois de ter sido anunciado que eles seriam adiados por causa das manifestações.

O Globo, 16/08/2015