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Quem tem a força?

 

Continua tensa a relação do Palácio do Planalto com os presidentes das duas Casas do Congresso, que buscam novos meios para reduzir o poder da presidente Dilma. Por que será que os presidentes da Câmara e do Senado estão apresentando uma proposta de controle pelo Congresso da indicação dos dirigentes de empresas estatais se a lei já prevê isso, pelo menos para todas as instituições financeiras públicas como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)?

Segundo a lei 4595/64, no artigo 21§ 1º “A nomeação do Presidente do Banco do Brasil S. A. será feita pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal”. O artigo 22§ 2º estende a exigência a todas as demais instituições financeiras públicas.

Por outro lado, se a maior parte dos dirigentes das estatais não fosse indicada por políticos, até que haveria algum sentido na proposta que os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, apresentam repentinamente para colocar sob o controle do Congresso a nomeação dos presidentes das estatais, reduzindo ainda mais o poder do Palácio do Planalto.

Se os escândalos da Petrobras que estão sendo descobertos fossem obra apenas dos tecnocratas da estatal, os políticos poderiam agora assumir o papel de salvadores da pátria, garantindo à sociedade que uma sabatina severa poderia controlar os desmandos que escandalizam a todos.

Mas foi um ex-presidente da Câmara, o indigitado Severino Cavalcanti, quem cunhou a melhor frase para revelar as entranhas do submundo político que engendrava tenebrosas transações na máquina pública inchada por estatais. “Quero aquela diretoria que fura poço”, bradou Cavalcanti, explicitando grotescamente o interesse pelo petróleo brasileiro.

Os dois atuais presidentes das Casas do Congresso, por sinal, são useiros e vezeiros em indicar nomes para a direção das estatais. Por 11 anos ininterruptos um indicado de Calheiros, o ex-senador Sérgio Machado, dirigiu a Transpetro, subsidiária da Petrobras.

Já Eduardo Cunha, através do PMDB do Rio, participou da escolha de dirigentes de Furnas durante muitos anos. Sem falar na influência que os dois têm (ou tinham) em diversas diretorias de estatais, como a Petrobras, razão pela qual estão sendo investigados na Operação Lava-Jato.

É claro que o Congresso pode criar a tal Lei da Responsabilidade das Estatais, e é bobagem da presidente Dilma dizer que “a nomeação de estatais, de ministérios e de autarquias é prerrogativa do Executivo". O Artigo XIV da Constituição diz que é atribuição do presidente: “nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei”.

Pois a lei já determina esse procedimento para os dirigentes de instituições financeiras. Bastaria ao governo, se tiver maioria para tanto, aprovar legislação que inclua as outras estatais nesse mesmo rol, mas nesse caso sempre o Senado terá que ser ouvido. A sabatina é que não é costumeira.

O projeto que Cunha e Calheiros apresentaram tem uma determinação positiva: proíbe que ministros participem dos Conselhos de Administração. Além de a maioria dos ministros, e não apenas os da área econômica, ganhar jetons para complementação salarial com essa participação, o conflito de interesses é evidente, como ficou claro nas gravações das reuniões do Conselho da Petrobras, onde os ministros Guido Mantega e Miriam Belchior impediram que a então presidente Graça Foster incluísse no balanço o valor dos prejuízos que considerava correto.

Com a nova diretoria chefiada por Aldemir Bendine, o prejuízo oficial caiu pela metade em relação àquele que Graça queria colocar. “Não poderão integrar o Conselho de Administração agentes políticos vinculados à União, em especial Ministros de Estado e titulares de cargos até o terceiro escalão no âmbito dos respectivos ministérios”, diz o texto, que também exige que o indicado prove ter pelo menos um ano de experiência no mercado onde atua a estatal. 

Bendine, por exemplo, não poderia estar presidindo a Petrobras. Se o Senado passar a cumprir a lei já existente, muita coisa já melhorará. O importante é se criar uma barreira entre as estatais com ações na bolsa e o governo. A fratura desta vez ficou exposta com os escândalos da Petrobras. Qualquer coisa que afaste o político de uma empresa de capital aberto é saudável e valoriza a companhia. E as estatais puras deveriam ter regras mais rigorosas para suas direções.

O Globo, 03/06/2015