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Disputa perigosa

 

A disputa corporativa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é exemplar do baixo índice de republicanismo que nossas instituições possuem. Nesses casos, como sempre, quem sai ganhando são os bandidos, enquanto os supostos “mocinhos” brigam entre si para ver quem recebe os louros de uma ação que tem o apoio da sociedade, mas pode ir por água abaixo devido a esse tipo de mesquinharia.

A base da divergência é um projeto de emenda constitucional (PEC) 412, que transforma a Polícia Federal em agência autônoma, com independência administrativa e orçamento próprio. Mesmo ainda não aprovada, os policiais já estariam agindo como se estivesse em vigor, o que incomoda os procuradores do Ministério Público.

A Associação dos Delegados da Polícia Federal, em nota, assume que a discordância é sobre quem manda na Operação Lava-Jato, alegando que o Ministério Público, sob o comando do Procurador-Geral Rodrigo Janot, “promove o esvaziamento e o enfraquecimento da Polícia Federal com o nítido objetivo de transformá-la de uma polícia judiciária da União em uma verdadeira polícia ministerial”.

Tudo se resumiria a disputas mais ou menos permanentes de corporações, cada qual em busca de maior independência, se não fosse a ação de representantes da Polícia Federal no Congresso, fazendo lobby para que a PEC 412 seja aprovada. O perigo de promiscuidade ficou claro quando o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio, se reuniu com o senador Humberto Costa do PT, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, e com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Artur Lira, do PP, todos acusados na Operação Lava-Jato.

É claro que no mínimo o momento não é apropriado para pedir favores a parlamentares, muito menos àqueles investigados pela corrupção na Petrobras. E o que fizeram os procuradores? Passaram a boicotar a ação da Polícia Federal, chegando mesmo a telefonar para os investigados dizendo que eles não precisavam fazer depoimentos na PF, poderiam depor ao Ministério Público diretamente.

Os parlamentares investigados passaram a ter uma posição privilegiada, podendo barganhar com as duas instituições. A disputa, assim, passou a afetar a atuação de ambas, a ponto de um delegado da Polícia Federal que faz parte da Operação Lava-Jato em Curitiba, Eduardo Mauat da Silva, ter insinuado que o Ministério Público está atuando politicamente para atrapalhar as investigações da Polícia Federal, e acusado até mesmo o governo de não repassar as diárias dos policiais, que estariam tendo que pagar suas despesas do próprio bolso.

Cada instituição tem uma autoridade federal para chamar de sua, a PF subordinada ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, e os procuradores ao Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, ambos acusados de tentar sabotar as investigações. O Ministro Teori Zavascki, relator do processo do petrolão no Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a pedido do Ministério Público e suspendeu o depoimento de parlamentares em sete inquéritos.

A definição de quem é o autor do processo já está feita pelo STF, é o Ministério Público. Mas isso não quer dizer que a Polícia Federal tenha que atuar como mera colaboradora, não tendo liberdade para definir seus próprios procedimentos. Saber lidar com essas delicadezas institucionais sem colocar todo o trabalho a perder é fundamental.

A sociedade, que acompanha e apóia a Operação Lava-Jato, saberá repudiar os responsáveis por eventuais atrasos, ou até mesmo deslizes técnicos que prejudiquem a apuração.  Os advogados dos investigados, de outro lado, estão de olho em possíveis falhas para tentar anular o processo.

É preciso que Ministério Público e Polícia Federal entrem em acordo o mais rápido possível para não passarem de responsáveis pelo sucesso da operação, louvados pela opinião pública, a culpados por seu fracasso, que será um pouco o da democracia brasileira.

O Globo, 18/04/2015