Curiosamente, a presidente Dilma Rousseff começa seu segundo mandato provocando as mesmas incertezas que desafiavam seus interlocutores durante a campanha presidencial de 2010, muito embora não haja motivos para se acreditar que ela tenha mudado.
Se naquela época havia o exemplo da sua postura controladora e invasiva como Chefe do Gabinete Civil, mas não uma certeza de como agiria se chegasse ao Palácio do Planalto, hoje há toda uma história de intervenções e decisões autoritárias que já não permitem imaginar que a Dilma reeleita não será a mesma dos últimos anos.
Mas, assim como em 2010 ela aceitou ter como seu Chefe do Gabinete Civil o ex-ministro Antonio Palocci, com quem se desentendera no governo Lula, hoje ela aceitou convocar para o ministério da Fazenda o economista ortodoxo e fiscalista Joaquim Levy, que sinaliza uma gestão totalmente distinta daquela do ex-ministro Guido Mantega, que esses anos todos aceitou ser uma espécie de laranja da presidente, que era quem realmente definia as diretrizes do governo.
O episódio em que desautorizou o seu novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que revelara a jornalistas que o governo enviaria ao Congresso uma nova regra para a fixação do salário mínimo, mostra, no entanto, que ela não está disposta a ceder um milímetro do que considera ser sua autoridade, mesmo que com isso possa colocar por terra todo esforço para recuperar a credibilidade da economia.
Palocci, enquanto foi coordenador da campanha de Dilma em 2010 e depois, ao ocupar o Gabinete Civil, era o fiador do compromisso de Dilma com o tripé que sustentava a política econômica desde o segundo governo de Fernando Henrique: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal (superávit primário) e metas de inflação, com um Banco Central operacionalmente independente. Dilma, que havia se colocado como o "contraponto" a Palocci quando este estava no Ministério da Fazenda e ela, no Gabinete Civil, parecia ter mudado de opinião.
A famosa discussão entre os dois — quando Dilma, em uma entrevista ao "Estadão" em 2005, classificou de "rudimentar" a proposta que ele e o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, faziam de limitar a longo prazo o crescimento do gasto público ao crescimento do PIB — marcou-a como defensora da gastança governamental: "Despesa corrente é vida", disse Dilma na ocasião. Hoje, esta mesma proposta voltou à tona com a nova equipe econômica, e deve orientar a nova estratégia.
Bastou, no entanto, que Palocci saísse do governo para que surgisse com toda força a presidente Dilma que não levava em conta a necessidade de conter os gastos públicos, com os resultados que todos conhecemos: economia estagnada, inflação no teto da meta, déficits generalizados nas contas públicas.
Mais uma vez agora Dilma teve que recorrer aos métodos tradicionais para inspirar confiança nos mercados, e chamou para seu principal assessor um economista ortodoxo, e o que se perguntava a boca pequena era qual seria o grau de autonomia da equipe econômica.
O ministro Barbosa, é evidente, falou além do que devia e demonstrou não ter sensibilidade política para saber onde, como e quando dar declarações delicadas num momento sensível da vida nacional. Mas a presidente Dilma poderia ter superado esse mal entendido sem provocar uma desconfiança de que os novos ministros não terão espaço próprio para fazer o que se propõem, cortar custos e equilibrar as contas públicas.
Até parece que a presidente Dilma aproveitou esse episódio para delimitar o campo de ação dos novos ministros. O mundo financeiro pelo menos teme isso, e as conseqüências não são nada boas. Tudo indica que vamos assistir a uma queda de braço esquizofrênica entre a presidente e seus ministros da área econômica. Até quando?