Como não existe almoço de graça, a conta começou a chegar. O resultado da Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD) referente a 2013 mostra aumento da desigualdade de renda, que estava estagnada em 2011 e 2012, e aumento do desemprego no país, o que não acontecia desde 2009.
Os críticos da atual política econômica se utilizam de uma definição sarcástica, em linguagem vulgar, para relacionar a crise que vivemos com a sucessão presidencial. Se referindo ao governo Dilma, dizem que “não há dúvida de que a vaca está indo para o brejo. A questão é saber a distância do brejo e a velocidade da vaca”.
Isto é, os resultados negativos desses quatro anos de desaceleração econômica são inevitáveis, o que não se sabe é se sua concretização no dia a dia do eleitor se dará a tempo de afetar a possibilidade de reeleição da presidente, ou se os efeitos perversos do baixo crescimento dos últimos anos, com inflação em alta, só se farão sentir num próximo governo, talvez com a própria Dilma à frente.
Para o economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, a trajetória de distribuição foi influenciada pela conjuntura internacional favorável, entre 2003 e 2008, e a partir da crise internacional, desacelerou no Peru, interrompeu no Brasil ou reverteu, no Paraguai, a tendência de redução da desigualdade na América Latina, fenômeno praticamente generalizado na região nesse período.
O Brasil experimentou melhora apenas marginal na sua posição no ranking mundial dos países com maior grau de desigualdade, entre meados da última década do século XX e meados da primeira década do século XXI, já que saiu da 4ª posição no ranking mundial dos países mais desiguais para a 5ª posição.
No conjunto dos países que mostram melhores resultados quanto à redução da desigualdade, o Brasil ocupou, enquanto esse processo esteve em curso, a 3ª posição, atrás da Venezuela (projeto de orientação socialista) e do Peru (projeto liberal), o que, para Gonçalves, demonstra que os programas sociais não encontraram barreiras ideológicas à sua execução.
Na redução da desigualdade de renda brasileira de 2001 a 2009, o fator fundamental foi que a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou apenas 1,5% ao ano, e a dos 10% mais pobres, 6.8% por ano, o que era motivo de orgulho para os técnicos do governo.
A piora em 2013 se deveu ao fato de que, ao contrário do que aconteceu até 2009, o aumento na renda dos 10% mais ricos ocorreu com mais velocidade do que entre os 10% mais pobres. Os rendimentos dos que ganham em média R$ 11.758 cresceram 6,3%, enquanto os com renda inferior a um salário mínimo avançaram apenas 3,5%.
A Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios mostra que o índice de Gini, indicador usado pela ONU para medir a desigualdade de renda nos países que quanto mais próximo de zero indica melhor distribuição de renda, se mantém estagnado desde 2011, tendo mesmo caído ligeiramente em 2013, após avanços continuados nos anos anteriores.
Para Reinaldo Gonçalves, não será surpresa se, no futuro próximo, ocorrer a reversão, ou seja, o aumento dos índices de desigualdade da renda no Brasil. Ele elenca uma série de razões para que isso possa acontecer: a distribuição da renda foi incipiente no século XXI na América Latina; a redução da desigualdade refere-se, em grande medida, aos rendimentos recebidos pela classe trabalhadora, e não ao capital; não há registro de mudanças, nem mesmo incipientes, na distribuição funcional da renda (salários, lucros, juros e aluguéis); na ausência de mudanças na distribuição da riqueza e da renda (distribuição funcional), o poder econômico e o poder político continuam extraordinariamente concentrados e, de modo geral, alimentam sistemas políticos patrimonialistas, nepotistas e corruptos e geram subdesenvolvimento social e institucional em muitos países.
Segundo Reinaldo Gonçalves, a queda da desigualdade foi determinada, em grande medida, pela interação dos seguintes fatores: transferências públicas de assistência social; política de salário mínimo; crescimento econômico; expansão do mercado de trabalho, num contexto internacional favorável até 2008.
Na fase descendente da economia mundial pós-2008, o Brasil tornou-se vulnerável aos efeitos da situação econômica externa, que um dia o ex-presidente Lula classificou de “marolinha”, por uma razão, segundo Gonçalves: “Não há registro, pelo menos no Brasil, de mudanças estruturais”.