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Dificuldades da nova política

 

Para se opor à onda de ataques que vem saindo das campanhas adversárias, Marina resolveu subir o tom e reassumir uma temática que sempre foi muito cara a Eduardo Campos: a de que sua candidatura está sendo levada pelas forças da sociedade para acabar com a polarização entre PT e PSDB.

Aécio Neves ressalta o quanto pode que Marina fez toda sua carreira política no PT, e, sugere, continua tendo uma alma petista. Eduardo Campos, com o seu PSB, podia levantar a bandeira da terceira via através de um partido político que tem história na política brasileira. Já Marina, ao contrário, quer mexer na estrutura partidária vigente no país a partir de políticos virtuosos que, com sua chegada ao Palácio do Planalto, ganharão força política para intervir na estrutura de seus partidos e levá-los a novas práticas.

Cita os senadores Pedro Simon e Jarbas Vasconcellos no PMDB como os que passarão a ganhar espaço interno no partido para destronar políticos da “velha política” como José Sarney ou Renan Calheiros. Não parece provável, pois os dois senadores citados fazem parte há anos de uma dissidência do PMDB que nunca teve vez, só voz nas tribunas, e não nos fóruns partidários.

Mas de qualquer maneira Marina espera que das urnas saiam também novos políticos, escolhidos pelos mesmos eleitores que querem vê-la no Palácio do Planalto para iniciar as mudanças ansiadas. Tem lógica, embora nem sempre o resultado das urnas seja compatível com a lógica. No caso de São Paulo, por exemplo, Marina está à frente nas pesquisas para presidente, mas quem vai ganhar para o governo do Estado é o governador Geraldo Alckmin, uma figura política que Marina não se abstém de atacar.

Ontem mesmo, na sabatina do Globo, ela fez sérias críticas à política de abastecimento de água do governo paulista, que está sob o comando do PSDB há 16 anos. Os deputados que sairão das urnas em São Paulo, e em todos os estados brasileiros, serão os que as máquinas partidárias levarão ao Congresso, e é com as máquinas, e não com os indivíduos, que ela terá que se ver na hora de negociar apoios.

É interessante notar que a entrada de Marina na disputa presidencial desmontou o esquema que as máquinas partidárias prepararam para mais uma vez levá-la à polarização entre PT e PSDB, mas não tem a força para levar essa mudança para o Congresso.

O voto no Brasil é ainda muito personalista, mas a legislação eleitoral impõe uma disciplina partidária que termina por privilegiar aqueles que controlam as máquinas, tanto na indicação dos candidatos quanto no funcionamento interno do Congresso. Só os apadrinhados são nomeados para comissões importantes, para as lideranças.

Muito dificilmente um deputado ou senador que não esteja em sintonia com a direção partidária terá condições de exercer seu mandato eficazmente, a não ser aqueles que têm luz própria, mas farão sempre vôos solitários. Têm poder de influência na sociedade, suas vozes ecoam, mas não têm poder internamente para mudar as diretrizes partidárias.

A escolha da presidência da Câmara é uma disputa que pode ser exemplar dessa dificuldade. O PMDB, que deve fazer a maior bancada, prepara-se para lançar o deputado Eduardo Cunha, representante por natureza do que Marina chama de velha política. No campo marinista há um candidato natural, o deputado Miro Teixeira, que se lançaria com o apoio do Palácio do Planalto.

É claro que se houver um governo disposto a estabelecer novas regras para o convívio congressual, contará com o apoio desses “escoteiros” e provavelmente da sociedade, mas terá que usar pressões externas para conseguir algum resultado. O coordenador de sua campanha, o ex-deputado Mauricio Randt, aventou outro dia a possibilidade de, eleita, Marina buscar forças nas ruas para aprovar medidas que considere necessárias. Recebeu diversas críticas, inclusive por que esse tipo de ação pressupõe passar por cima dos partidos e, portanto, do Congresso.

É o que o governo petista pensa em fazer há muito tempo, mas encontra firme reação na sociedade. Os conselhos populares criados por decreto da presidente Dilma seriam meios de exercer essa pressão, mas a democracia direta não pode se sobrepor à democracia representativa, sob pena de colocar em risco a democracia em si.

Marina passeia entre os dois tipos de representação buscando uma terceira via que transfira ao Congresso valores de que a sociedade se sente órfã nos dias de hoje: honestidade, transparência, política com ética, combate à corrupção. Talvez a principal tarefa da presidente Marina Silva, caso venha a ser eleita, seja essa mesma, restaurar os valores republicanos há muito perdidos nessa luta de foice em que se transformou a política brasileira, onde o que passou a valer é a esperteza e o salve-se quem puder.

O Globo, 19/09/2014