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Voto útil

 

A pesquisa eleitoral com a presença de Marina Silva suscita discussão interessante sobre o voto útil. A perspectiva de que a presidente Dilma seja derrotada no segundo turno, possibilidade que já se observava em várias pesquisas anteriores, que chegaram a dar a Aécio Neves, do PSDB, um empate técnico com ela e registravam um crescimento potencializado de Eduardo Campos, abre caminho não apenas para o movimento “volta Lula”, que parece inócuo a essa altura da campanha, como mesmo para um realinhamento de apoios na base aliada.

A decisão do senador Romero Jucá, o líder de todos os governos, de anunciar seu apoio a Aécio Neves, abre mais uma brecha no PMDB e prenuncia alguma mudança de ventos. O receio de que Marina possa chegar ao segundo turno derrotando Aécio Neves, com chances de vencer Dilma, pode desencadear uma espécie de “voto útil” daqueles que não estariam confortáveis com sua vitória.

O vídeo de campanha de Eduardo Campos que vazou na internet é de uma rispidez verbal contra líderes do PMDB raramente vista em programas políticos nos últimos tempos. Agora, com a assunção de Marina à posição de candidata, ganha mais eficácia e produzirá um movimento de defesa desse grupo político.

Com a perspectiva de derrota de Dilma por Marina, alguns poderão permanecer no barco governista tentando uma reação, mas muitos outros começarão a procurar pontos de apoio na candidatura do PSDB. O mesmo pode acontecer com candidatos ligados ao agronegócio que ainda estão coligados com o PSB graças aos esforços que Campos fez para montar acordos regionais que viabilizassem sua candidatura.

Marina dificilmente manterá esses acordos, por mais que o PSB precise deles para fortalecer sua representação no Congresso. É bom lembrar que concorrendo pelo Partido Verde em 2010, Marina não agregou um só deputado à bancada do partido, mesmo tendo tido quase 20% dos votos válidos.

Partindo-se do pressuposto de que mais do que nunca Marina representará a oposição nesta eleição, há ainda a possibilidade de o voto útil trabalhar a favor de Aécio Neves a partir da inexperiência de Marina na administração pública. Mas a campanha do PSDB vai ter que buscar um eleitor que não se entusiasmou ainda com a eleição e só saiu de sua letargia diante da realidade de Marina vir a ser candidata.

Uma desconstrução da candidata do PSB pode fazer esse eleitor desiludido voltar a se encolher, e não a trocar de candidato. Daí que a capacidade de convencimento de que ele é mais capaz de realizar as mudanças necessárias será fundamental. Já são 76% dos eleitores detectados pelo Datafolha que querem mudanças na condução do país, o que não favorece a continuidade.

Mas o voto útil também pode beneficiar a candidatura de Marina, na medida em que ela surja como a única que pode derrotar Dilma num segundo turno. Caso Aécio não cresça a ponto de também surgir como uma alternativa no segundo turno, ele pode perder eleitores ainda no primeiro turno para Marina, num voto útil contra o PT.

A tarefa de Marina Silva é mais árdua do que a de Aécio Neves, pois o candidato tucano tem mais espaço para crescer, já que é o mais desconhecido dos candidatos, tem uma estrutura partidária mais forte e turbinada pelas dissidências regionais de partidos da base governista e mais tempo de propaganda que Marina. A disputa com Marina minimiza o menor tempo de televisão em relação à candidata à reeleição Dilma Rousseff.

Cada um dos dois oposicionistas terá que correr mais que o outro, como naquela piada do caçador fugindo do leão. A princípio, a disputa com Dilma se dará no segundo turno, mas também não é possível deixar de marcar um triplo na definição de quem estará lá. Embora seja improvável, até mesmo por que a presidente vem se recuperando na aprovação do governo, o voto útil pode feri-la de morte.

A possibilidade de uma cristianização da presidente pelos partidos da base aliada, que sempre preferiram ganhar com Aécio do que com Dilma, está viva no novo quadro eleitoral em que a sua derrota surge pela primeira vez como possibilidade. Torna-se mais possível do que a vitória de Dilma num primeiro turno, hipótese que ainda existe se ela continuar tendo sua avaliação reavaliada para cima.

O Globo, 20/08/2014