Meu caro Paolo dall’Oglio, escrevo-lhe esta carta aberta porque não sei de seu destino, após um ano de sequestro nas mãos do Estado Islâmico da Síria e do Levante, que hoje se proclama como um califado de sangue e horror.
As notícias são confusas: ora você aparece vivo, ora morto, ora fuzilado em Raqa, ora supliciado nos porões do regime de Assad, em Damasco.
Um emaranhado de hipóteses, piedosas ou conspiratórias, criam uma nuvem de angústia. Os que desejam realmente a paz no Oriente Médio, sem vitoriosos e perdedores, lamentam sua ausência, pois você tem sido um farol neste mar de sangue e atrocidade, um arauto da paz em meio a crimes de guerra e terrorismo, praticados pelo estado ou a varejo, com apoio mais ou menos direto das grandes potências e com o assistencialismo das Nações Unidas, que parecem bombeiros que chegam tarde, para receber sua parte da herança dos mortos, na maior parte velhos, mulheres e crianças.
Paulo, meu caro amigo, sucedem-se limpezas étnicas brutais, a olhos vistos, outras sutis, quase imperceptíveis. Que deus abominável seria capaz de justificar o sangue derramado no Oriente Médio? Leio em seu livro “A Cólera e a Luz”: “quando é que a não violência se transforma numa resignação culpável? E quando é que a violência, assumida como legítima defesa, se transforma numa agressão culpável?”
Eu o conheci na comunidade ecumênica de Mar Mussa, no deserto da Síria, no final dos anos 90. Não esqueço o diálogo fraterno entre cristãos, judeus e muçulmanos, naquela paisagem de pedra e areia. Era o deus da paz e da hospitalidade, jamais o deus da máquina de guerra, do ódio e do extermínio, dos grupos radicais islamitas e da ultradireita de Israel. E você falava, ao cair da noite, sobre a dimensão da esperança na Torá, no Alcorão e no Evangelho. Uma esperança também política. Pois, se defendemos o estado de Israel, é insuportável adiar o estado palestino. Nada justifica a morte de civis em Gaza. É uma afronta ao mundo civilizado. Sinto falta de um Yitzhak Rabin, que não abriria mão da diplomacia em prol de uma guerra absurda.
Sua pátria, querido Paolo, é a Síria. Assisti à sua entrevista para um conhecido canal de televisão do Oriente. Que domínio da língua árabe, Paolo! Língua que você aprendeu em Beirute, nas páginas do Alcorão e nas ruas, o árabe clássico e o da gente simples, tal como estudou o hebraico. Você chegou a dizer que “a comunidade muçulmana não é externa à minha consciência mais íntima, ela é minha carne, o corpo humano a que pertenço, minha comunidade, minha identidade. E a guerra civil na Síria me é insuportável. Preciso fazer algo para interrompê-la”.
Meu corajoso amigo, lembro-me com emoção quando você me disse pelo telefone que a Síria seria conhecida no futuro como terra da ressurreição. Espero a sua volta para logo. Você escreveu uma página soberba no livro da paz. Com a esperança de abraçá-lo, eu me despeço, com a mais viva admiração.