O que esta crise política está demonstrando, mais uma vez, é que o modelo de “presidencialismo de coalizão” que montamos no Brasil é na verdade distorcido por adaptações que acabam transformando-o em um “presidencialismo de cooptação”, como definiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente.
O que começou com a compra de votos em dinheiro, denunciado o esquema do mensalão que recentemente foi a julgamento e saiu condenado moral e criminalmente, passou a se dar através da entrega de ministérios e cargos em órgãos públicos.
A migração de políticos da oposição para siglas da base, que cresceram à custa desses expedientes, enquanto a oposição míngua, é o resultado dessa distorção. Hoje temos a menor oposição numérica desde a volta da democracia, apenas três partidos assumem esse papel: PSDB, DEM e PPS e, pela esquerda, o PSOL. Os demais estão na base governista.
A desestruturação cada vez maior dos partidos políticos, e a sempre ampliada base governista, formam um agrupamento político sem coesão programática que classifico de uma "maioria defensiva" para evitar convocações de CPIs ou comissões de fiscalização. Como vemos agora, uma rebelião permitiu a convocação de uma comissão para analisar o escândalo da refinaria da Petrobrás em Pasadena, nos Estados Unidos.
Mas a maioria governista já recomposta domina a comissão, o que garante a proteção aos responsáveis, entre os quais se encontra a própria presidente Dilma Rousseff, que aprovou a compra. A desculpa de que não tinha as informações completas sobre o negócio coloca em xeque a atuação do Conselho da Petrobrás, que ela comandava.
O próprio aumento do número de ministérios colaborou para a redução da importância deles, que se transformaram em grande medida em fontes de negociatas. A utilização de parlamentares nos ministérios, prática exacerbada em nosso "presidencialismo de coalizão", é um desvio de finalidade, como se fossemos um país parlamentarista, onde os programas de governo são defendidos pelos partidos que ganharam a eleição.
Um parlamentar que vai para o Ministério abre mão de exercer seu mandato como membro de um dos Poderes da República geralmente para aceitar papel secundário no outro poder, a maioria das vezes com interesses subalternos, como está se revelando rotineiramente no governo Dilma.
Todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam, em teoria, renunciar aos mandatos, como acontece na maioria dos países democráticos.
O que parece uma vitória dos políticos ou recuos do governo central, nada mais é do que resultado de negociações por baixo do pano que inflam ou esvaziam “blocões” à medida que os interesses de grupos são satisfeitos ou não. E o que está sendo negociado hoje vale muito pouco adiante, pois as decisões formais de apoio a este ou aquele candidato à presidência podem ser contornadas regionalmente de acordo com interesses locais.
A máquina partidária do PMDB do Rio já está trabalhando para a candidatura de Aécio Neves, mas o governador Sérgio Cabral e seu candidato Pezão garantem que apóiam Dilma. Também o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, monta uma aliança com PSB e PSDB no Rio Grande do Norte, mas diz que apóia Dilma.
É possível que a presidente Dilma venha a ganhar os minutos de propaganda eleitoral deste ou daquele partido, mas perca a máquina partidária no campo de batalha eleitoral.
Da mesma maneira, os candidatos de oposição podem também começar a campanha com o apoio velado de grupos políticos estaduais, mas se não demonstrarem capacidade de aglutinar a opinião pública, perderão esse apoio em meio à campanha eleitoral.
Começa a se delinear no horizonte uma traição em massa.
O Globo, 20/3/2014