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Além dos caças

 

Eduardo Brick, especialista do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial da Universidade Federal Fluminense, em vez de comemorar ou criticar a compra dos novos caças Grippen suecos pela Aeronáutica, prefere uma visão pragmática e de longo prazo. Por mais paradoxal que a afirmação possa parecer, diz ele, essa decisão não será importante para a defesa do Brasil nos próximos 20 anos, mas, sim, para daqui a 30 a 50 anos.

Nesse raciocínio, o país simplesmente não tem no momento recursos humanos, tecnológicos, industriais e financeiros para se opor a eventuais ameaças. Mas pode aproveitar a oportunidade para desenvolver sua Base Logística de Defesa (BLD). Esse, diz ele, pode ser um dos principais benefícios da escolha do Grippen - a ampliação da capacitação industrial e tecnológica, não só da Embraer, mas de muitas empresas de sua cadeia produtiva, em produtos cuja tecnologia o Brasil ainda não domina.

Portanto, Eduardo Brick acha que o planejamento de hoje deve visar, prioritariamente, um horizonte mais longínquo, não importando se o Grippen não é uma das mais eficazes armas existentes hoje. “O que importa é que essa aquisição pode ser um importante instrumento para o Brasil se capacitar para conceber e desenvolver aeronaves de combate amanhã”.

Do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social, a BLD, apesar de sua finalidade precípua não ser essa, ressalta Brick, é instrumento importantíssimo de política industrial, por vários motivos:

a) Atua no limiar do desenvolvimento tecnológico;

b) Políticas industriais de conteúdo nacional para defesa são necessárias por questões de garantia de suprimento de itens críticos (que são cerceados pelos países que detêm essas tecnologias) e não oneram a economia como um todo.

c) A capacitação industrial construída têm uso dual. Ele cita o exemplo da Embraer que, após décadas procurando se capacitar com produtos de uso militar, conseguiu desenvolver jatos comerciais e ser importante ator no mercado internacional de produtos civis.

Para o especialista da Universidade Federal Fluminense, a defesa nacional na era pós-industrial depende de dois instrumentos fundamentais: as Forças Armadas (FFAA) e a Base Logística de Defesa (BLD). A construção de qualquer uma delas é uma tarefa de décadas, mas a criação da BLD pode ser mais difícil devido à aceleração do desenvolvimento tecnológico, que causa obsolescência rápida de qualquer produto de defesa.

Portanto, diz Brick, não é sensato, nem financeiramente exequível, manter grandes estoques de produtos de defesa, exceto, evidentemente, se houver iminência de conflito, mas, sim, de capacidade industrial para inovar continuamente.

A Estratégia Nacional de Defesa define, muito apropriadamente diz ele, que a construção e sustentação de uma BLD adequada às necessidades brasileiras é um dos seus eixos fundamentais. Não se pode esquecer, ressalta Eduardo Brick, que o FX é apenas um projeto de cerca de 11 bilhões de reais, em um programa de 1 trilhão de reais, valor estimado para o Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED), em 20 anos.

Na sua avaliação, com a atual estrutura de governança da BLD brasileira, o país corre um sério o risco de sofrer um "apagão de gestão" se o orçamento aumentar e o PAED realmente deslanchar.Há nada menos que seis ministérios envolvidos, "numa estrutura caótica".

No caso de recursos humanos, a necessidade monta a vários milhares de profissionais, principalmente engenheiros, altamente qualificados e experientes em definição de requisitos e especificações, teste e avaliação de sistemas, gestão de projetos complexos, negociação de contratos, entre outras coisas.

 

O Globo, 28/12/2013

O Globo, 28/12/2013