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Disputa de poder

 

O que está acontecendo hoje no Rio de Janeiro se resume a uma disputa de poder pelos espaços perdidos. Os bandidos, desde que o programa de polícia pacificadora foi colocado em ação, vêm perdendo o controle de grande parte do território em que atuavam, expulsos que foram das favelas, e buscam retomar o que já foi seu.

Os políticos, da mesma maneira, buscam se recolocar num território eleitoral em que tudo parecia dominado pelo grupo político do governador Sérgio Cabral, do PMDB. Reeleito com 70% de aprovação, tudo indicava que Cabral faria seu sucessor, o vice Pezão, assim como ajudara a eleger o prefeito da cidade, Eduardo Paes.

O que aconteceu para mudar o ambiente político e social do Rio, que tinha claramente um viés de pacificação, para transformá-lo novamente em lugar sitiado por assaltos, tiroteios e arrastões? A revelação das relações promíscuas do governador e seu grupo político com empresários e empreiteiros, especialmente Fernando Cavendish, da famigerada Delta, pode ser dado como o ponto de partida para reversão de expectativas.

A partir daqueles filmes vazados pela internet o que era boato transformou-se em realidade, os rumores ganharam substância, e o que era negado como fruto de intrigas políticas passou a ser a verdade dos fatos incontestáveis.
As noitadas nababescas em Paris em grandes restaurantes, a dança dos guardanapos, todo simbolismo daquelas cenas fez desmoronar a estrutura política do governador Sérgio Cabral, com repercussão direta na política de segurança pública. No momento em que o comandante do projeto é colocado em xeque, desnudado diante da opinião pública, sua capacidade de enfrentar os percalços, que são muitos, fica reduzida ao seu tamanho político real.

As obras já realizadas, os bem-feitos inegáveis de uma administração bem avaliada, a recuperação econômica do Rio, nada é suficiente para sustentar a imagem, que julgava eterna, de jovem político dinâmico que se transformou em amigo do Rei (Lula).

O político que tinha a chave do futuro – tanto podia apoiar Dilma quanto Aécio Neves, seu contraparente – o provável ministro, ou até mesmo vice-presidente em alguma chapa para, quem sabe, surgir mais adiante como um jovem líder candidato à presidência, transformou-se em refém de sua própria culpa.

Os erros, antes neutralizados pelos êxitos, ganharam nova dimensão. O caso do pedreiro Amarildo foi emblemático. Acontecer essa tragédia em uma Unidade de Polícia Pacificadora na Rocinha, uma das principais favelas do Rio, não apenas revelou os pontos fracos do projeto de pacificação do governo como, mais que isso, a perda de controle sobre as estruturas policiais montadas nos territórios recuperados.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, que a certa altura passou a ser o fiador do projeto de segurança quando o prestígio do governador começou a falhar, perdeu aquela aura de herói carioca diante da brutalidade ocorrida em suas fileiras.

Ele já havia ficado devendo nas manifestações de junho, quando a polícia carioca demonstrou uma incapacidade assustadora de atuar com firmeza dentro da lei. Tanto na repressão às depredações na cidade durante as manifestações, quanto na atuação das UPPs nos territórios retomados pelo Estado, ficou evidenciado o treinamento insuficiente dos policiais envolvidos nos processos.

Já vinha acontecendo há muito o recrudescimento de acusações de arbitrariedades policiais nos territórios recém-ocupados e, sobretudo, o choque dos moradores ao constatarem, em muitos casos, que apenas trocaram de algozes. Com a tragédia que se abateu sobre o pedreiro Amarildo, uniram-se, e às vezes não apenas metaforicamente, os políticos que haviam perdido a influência eleitoral no Estado, e os bandidos traficantes que tentam retomar seus antigos redutos.

O que está em curso é uma disputa de poder. Os traficantes querem aproveitar esse momento do governo do Estado fragilizado para retomar suas atividades criminosas em maior escala. E os políticos, irresponsavelmente, estão dando corda para essas atividades criminosas, a fim de debilitarem mais ainda o governador Sérgio Cabral.

O Globo, 22/11/2013

O Globo, 22/11/2013