Mesmo que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Celso de Mello vote a favor dos embargos infringentes, permitindo que alguns dos condenados do mensalão tenham um novo julgamento, não deixará de ser o juiz que pronunciou um dos votos mais importantes da história do STF ao dizer que “o Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe e nem admite o poder que se deixa corromper”, definindo as condenações como necessárias à preservação da República.
Quando votou a favor da acusação de formação de quadrilha, Celso de Mello comparou a “ameaça à paz social” representada pelos bandidos comuns à insegurança provocada “por esses vergonhosos atos de corrupção de parlamentares profundamente levianos quanto à dignidade e à responsabilidade Congresso Nacional”.
Foi por sua atuação decisiva que surgiu na internet um apelo para que ele não se aposentasse antes do fim do julgamento, como estava sendo especulado. Da mesma forma, agora surgem notícias de que mais uma vez o decano do STF estaria pensando em se aposentar nos próximos meses. Seria uma decisão que, embora pessoal e intransferível, teria conseqüência política grave, abrindo mais uma vaga no plenário do Supremo para o novo julgamento do mensalão.
O Ministro Celso de Mello tem razão quando esclarece que a aprovação dos embargos infringentes não significa a análise do mérito, e não é possível, portanto, alegar que o novo julgamento dos condenados por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro virá necessariamente livrá-los das penas a que foram condenados.
Eu mesmo cometi o erro aqui de dizer que os novos ministros Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki haviam mudado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dando a maioria aos que não viram crime de quadrilha no caso do mensalão.
No julgamento do senador Ivo Cassol, que foi absolvido dessa acusação, várias razões levaram ao veredicto. A relatora ministra Carmen Lucia simplesmente retirou a acusação de formação de quadrilha por ser um crime em que são exigidas mais de 3 pessoas para cometê-lo, e ela absolveu todos os empresários envolvidos nas fraudes de licitação, restando apenas 3 acusados: o próprio Cassol, o presidente e o vice-presidente da comissão de licitação.
O ministro Teori Zavascki foi um dos que concordaram com seu voto, e, portanto, não se pode saber como votará no caso do mensalão. Já o ministro Luis Roberto Barroso seguiu o voto do revisor Dias Toffoli que, mesmo condenando os empresários, não viu uma união estável e permanente entre os réus para a prática de crimes.
Dias Tofolli é um dos quatro ministros que votaram nessa mesma linha no julgamento do mensalão, mas não se pode garantir que o mesmo acontecerá com o ministro Luis Roberto Barroso.
Se no rejulgamento, no entanto, prevalecer a tese de que não houve crime de quadrilha, o ex-ministro José Dirceu se beneficiará, com a condenação passando de regime fechado para semi-aberto, o mesmo acontecendo com Delubio Soares e outros réus condenados pelo mesmo crime, com exceção daqueles como o lobista Marcos Valério que têm uma pena tão alta que não fará muita diferença.
Dirceu, condenado a 2 anos e 11 meses por crime de quadrilha, ficaria com uma pena de 7 anos e 11 meses. Já Delúbio Soares, teria sua condenação de 8 anos e 11 meses revertida para 6 anos e 8 meses. Há outra possibilidade, porém,l: a prescrição das penas pela sua redução a um período inferior a 2 anos. Devido ao tempo transcorrido entre a apresentação da denúncia, em 2006, e o julgamento em 2012, o crime estaria prescrito se as penas forem reduzidas àquele nível.
Os novos ministros Teori Zavascki e Luis Roberto Barroso já se pronunciaram contra as penas, que consideram excessivamente duras. Zavascki, inclusive, votou na análise dos embargos de declaração pela sua redução.
Se os veredictos forem alterados com os votos dos novos ministros e, mais que isso, se ainda por cima um novo membro for indicado para o lugar do ministro Celso de Mello e ajudar a formar a nova maioria, será inevitável a percepção de que manobras na formação do plenário foram realizadas para beneficiar os condenados, especialmente os do núcleo político.
O Globo, 17/9/2013