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Reflexos da crise

 

Não foi uma simples mudança de humor da população que levou multidões às ruas e fez a popularidade dos governantes cair a níveis inimagináveis, sobretudo a presidente Dilma, que do céu de uma aceitação espetacular quase foi à nocaute em junho e só agora começa a se recuperar, lentamente.

Os ecos do crescimento do PIB de 1,5% no segundo trimestre deste ano certamente ajudarão nessa tentativa de recuperação, mas tudo indica que o terceiro trimestre que termina mês que vem vai cobrar de volta o resultado positivo.

Os movimentos que invadiram as ruas desde junho deixaram um legado que não se deve ignorar: a consciência de boa parte da população de que o Estado aplica mal os recursos obtidos com a arrecadação de impostos. Nas grandes metrópoles, o recado das ruas se mostra ainda mais claro: há uma enorme insatisfação da população com a baixa qualidade de vida.

As deficiências ficaram mais evidentes devido ao baixo crescimento econômico do país, que deve ficar em torno de 2% na média do governo Dilma, uma das mais baixas taxas de todos os tempos.

O professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, fez um ranking dos governos brasileiros com base apenas na avaliação econômica desde Deodoro da Fonseca e classifica aqueles que tiveram um crescimento do PIB abaixo de 2,3% como os piores: além dos governos com queda do PIB durante os mandatos, Collor (- 1,3%) e Floriano Peixoto (-7,5), compõem a lista Venceslau Brás (2,1%) e Dilma Rousseff (2,0%), com a previsão de crescimento de 2,1% -2,2% em 2013-14.

Para comparação, governos "medíocres" em termos econômicos foram aqueles que tiveram crescimento do PIB entre 2,3% (Fernando Henrique) e 3,1% (Campos Salles). Entre eles estão Afonso Pena (2,5%), João Figueiredo (2,4%). A taxa média anual de crescimento do PIB brasileiro é 4,5% no período republicano, a taxa de crescimento médio anual do PIB mundial é 3,5%.

Para o governo Dilma chegar à classe “medíocre” seria necessário que as taxas de crescimento médio anual do PIB fossem maiores do que 2,8% em 2013-14, proeza considerada impossível pela maioria dos analistas econômicos.

A súbita descoberta de que a má gestão ocasiona serviços públicos de péssima qualidade, afetando o cotidiano dos cidadãos, trouxe ao debate a necessidade de os governos serem bons gestores, uma tese muito cara a dois dos principais candidatos a adversários de Dilma na corrida à presidência da República em 2014: o ex-governador de Minas, senador Aécio Neves do PSDB e o governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Esse debate, que sempre foi ridicularizado pelo ex-presidente Lula (classificado como um governo “fraco” no ranking dos presidentes, com um crescimento do PIB de 4% ao ano) e menosprezado pelo PT, passou a ser um dos pontos importantes da disputa política.

Em recente estudo sobre a gestão das grandes cidades brasileiras a consultoria Macroplan, especializada em cenários prospectivos e planejamento estratégico, fez uma radiografia das 100 maiores cidades do país - 1,8 % do total de municípios do território nacional.

Juntas elas respondem por mais da metade de tudo que é produzido no Brasil (53% do PIB), concentram 40% da população, 42% dos trabalhadores, 48% das empresas e 51% dos empreendedores individuais do país. O grupo reúne 36% dos estudantes do ensino básico, 48% dos leitos hospitalares, 47% das habitações e 47% da frota de ônibus.

Nestas cidades se gera ainda 64% de todo o esgoto do país e é nelas que ocorrem 52% dos homicídios registrados no Brasil. Representam, assim, praticamente toda a engrenagem deste país. Localizadas em regiões pobres ou prósperas, de um canto a outro, as cidades brasileiras, é certo, já não são as mesmas de algumas décadas atrás.

O Brasil exibe um acelerado desenvolvimento urbano (a urbanização já alcança 84% da sociedade), a cobertura da educação fundamental praticamente foi universalizada - embora perdurem problemas de qualidade - e o acesso à informação se ampliou radicalmente, ancorado em boa medida nos efeitos da privatização da telefonia e das novas formas de comunicação.

Nesse novo cenário, a população passou a exigir cada vez mais acesso a bens e serviços de qualidade, especialmente serviços públicos. Ao mesmo tempo em que fazem girar o motor da economia, as cidades estudadas têm um aspecto intrigante. Olhar para o grupo das 100 cidades é como olhar para um copo cheio pela metade – há inúmeros exemplos de quase sucesso e quase fracasso em áreas estratégicas para o desenvolvimento. (Amanhã, uma radiografia das cidades)

O Globo, 31/8/2013