O julgamento do caso do mensalão não está tirando o sono apenas dos cidadãos que temem as manobras protelatórias dos 38 acusados, entre eles figuras de influência política como José Dirceu, ex-chefe do Gabinete Civil de Lula e importante liderança petista, (corrupção ativa de outros políticos, formação de quadrilha e peculato) e o deputado federal petista João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara (corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato).
Também os ministros do Supremo Tribunal Federal estão preocupados com as manobras protelatórias que volta e meia são especuladas na imprensa, como a possibilidade de o julgamento não se realizar este ano devido às eleições municipais.
Nunca essa questão foi discutida entre eles, asseguram os ministros, preocupados em afastar ligações políticas das decisões do Tribunal. É majoritária a percepção entre eles de que o caso tem que ser julgado logo, para que não pairem dúvidas sobre sua condução.
O atraso do julgamento, que já não deve se realizar em maio como previsto, tem interessados diretos, como o deputado João Paulo Cunha, que pretende se candidatar a prefeito de Osasco.
Se for condenado no processo do mensalão, ficará impedido de concorrer, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados por colegiado.
Mas se o julgamento acontecer apenas em agosto, ele poderia disputar a eleição, já que o registro da candidatura precisa ser feito até o dia 5 de julho, e é concedido de acordo com a situação do político naquela data.
Mas ainda assim Cunha correria riscos, pois há interpretações de que, condenado no processo do mensalão, ele não poderia tomar posse mesmo se eleito.
Com a Lei da Ficha Limpa, não há necessidade de a sentença transitar em julgado. Para João Paulo, portanto, o ideal é que o julgamento seja adiado para o próximo ano, depois de sua eventual posse na Prefeitura, caso vença a eleição.
Mas a Lei do Ficha Limpa já teve efeitos entre os mensaleiros. Vários deles, inclusive o tesoureiro Delubio Soares, desistiram de se candidatar às eleições municipais.
Para sorte da cidadania e azar dos mensaleiros, a partir de 18 de abril estaremos entrando em uma fase em que o Poder Judiciário estará sendo comandado por dois ministros do Supremo que, pelos seus votos e posicionamentos anteriores, têm a mesma percepção quanto a necessidade de reforçar a ética nas relações sociais: a ministra Carmem Lucia assume o Tribunal Superior Eleitoral e o ministro Carlos Ayres Brito o Supremo Tribunal Federal.
Como a Lei da Ficha Limpa tem um nítida correlação com o julgamento do mensalão, o empenho dos dois será para que o processo entre em pauta a tempo de deixar livre o caminho para a realização das eleições sem questões jurídicas pendentes. Pelo noticiário, a ministra Carmem Lucia já vai ter muito trabalho para implementar a legislação pela estrutura frágil da Justiça Eleitoral.
A preocupação sobre a prescrição das penas para os acusados de formação de quadrilha está superada pela jurisprudência.
Embora seja o de menor prazo para a prescrição – oito anos a contar da data do crime -, a interpretação mais acatada é que o prazo para a sua prescrição é contado a partir do momento em que cessa a associação, o que teria acontecido apenas em 2005, quando o então deputado Roberto Jefferson denunciou a existência do mensalão, ou do recebimento do processo no STF em 2007. Nesse caso, a prescrição será em 2015.
Na primeira interpretação, a prescrição seria apenas em 2013, e não em agosto deste ano, como sugeriram os advogados dos acusados e até mesmo o Ministro Ricardo Lewandowski em entrevista já famosa em que admitia que alguns crimes prescreveriam antes do julgamento.
Lewandowski, aliás, é peça fundamental nesse julgamento. Como revisor do voto do Ministro Joaquim Barbosa, depende dele a data do seu início.
Há um outro complicador para o julgamento: ele deve durar pelo menos um mês. O processo tem 50 mil páginas, divididas em 233 volumes e 495 apensos, com 38 réus, cada um com direito a apresentar sua defesa oral por uma hora.
Em setembro, o atual presidente do Supremo, Cesar Peluso, fará 70 anos e terá que se aposentar. Em novembro, será a vez do ministro Ayres Brito se aposentar por idade.
Por isso, ele quer que o julgamento comece ainda no primeiro semestre, para que possa finalizá-lo antes de encerrar sua carreira no Judiciário.
Nos dois casos, se as manobras protelatórias surtirem efeito, o julgamento será paralisado para a nomeação pela Presidente Dilma do substituto, já que é consenso que um processo dessa importância não pode se dar sem a presença dos 11 ministros no plenário.
Há outros obstáculos. O ex-ministro da Justiça Marcio Thomas Bastos, por exemplo, está tentando levar o julgamento para a primeiro instância, retirando o foro privilegiado de seu cliente, um diretor do Banco Rural envolvido no escândalo.
Há ainda a dificuldade de compatibilizar as agendas dos ministros. As sessões normais de quartas e quinta-feiras podem não ser suficientes para concluir o julgamento em um mês, e o funcionamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não poderá ser interrompido nesse período importante do calendário eleitoral.
Há a possibilidade, já admitida pelo futuro presidente Ayres Britto, de utilizar o recesso de julho para apressar o julgamento, mas certamente os que são favoráveis a um adiamento da decisão se oporão a isso.
É provável que nem todos os réus serão condenados por todos os crimes de que são acusados. Mas o certo é que os crimes não prescreverão antes de um julgamento, e a tendência é que dificilmente algum dos réus escapará de pelo menos uma condenação.
Segundo a Constituição, constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
O Globo, 25/3/2012