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O complexo de Robin Hood

 

A figura do herói não pode ser rotulada como progressista ou reacionária


A nova versão de Robin Hood, dirigida por Ridley Scott e estrelada por Russell Crowe, mostra como o tema é persistente. Começou a ser explorado ainda no tempo do cinema mudo (Douglas Fairbanks, em 1922); o herói já foi vivido por Errol Flynn, em 1938, por Kevin Costner, em 1991, entre outros. Tanto mais surpreendente quando se considera que Robin Hood nunca existiu; é uma figura lendária, embora heroica (ou exatamente por ser heroica), um fantástico arqueiro e espadachim, sempre acompanhado por seu alegre e pitoresco bando, executando assaltos audaciosos, para desespero do inimigo, o inescrupuloso xerife de Nottingham. E, aí vem o detalhe principal, Robin Hood roubava dos ricos para dar aos pobres. O que, durante séculos arrebatou corações e mentes; o medieval herói configurava-se como um exemplo a ser seguido. Aliás, e certamente não por acaso, no lançamento do filme Russel Crowe deu mil libras para uma instituição de caridade. Ainda recentemente, foi detido pela polícia inglesa o jovem (23 anos) Stephen Jackley, que assaltou numerosos bancos e agências de apostas em Herefordshire; seu objetivo era arrecadar cem mil libras e doá-las para instituições de caridade (talvez abatendo o montante do imposto de renda). Não por outra razão, psicólogos falam de um complexo de Robin Hood, que pode ser encontrado em pessoas ou em grupos.


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Será que a esquerda se enquadra, ou se enquadrava, nessa situação? A resposta não é clara, porque a própria figura de Robin Hood não pode ser facilmente rotulada como progressista ou reacionária. De um lado, o herói parecia um pioneiro, ainda que heterodoxo, da redistribuição de renda, coisa que sempre foi bandeira dos reformadores sociais; de outro lado, contudo, faltava-lhe um projeto ideológico de tomada do poder, de instauração do socialismo: Robin Hood nunca falou na mais valia marxista, por exemplo. Resultado: prudente, cauteloso silêncio.


Que agora se revela providencial. É que acaba de aparecer um livro, intitulado Robin Hood, o Templário Desconhecido, do pesquisador John Paul Davis, que se propõe a fazer revelações sensacionais sobre o herói. Os Templários, vamos recordar, eram uma ordem religiosa de cavaleiros medievais que tinham como objetivo conquistar e administrar os lugares sagrados na antiga Palestina, então em poder dos muçulmanos. Era um grupo muito rico que inclusive dedicava-se ao empréstimo de dinheiro, no que aliás se constituíam em exceção, já que a Igreja proibia tal prática. Pois Davis achava que Robin Hood foi um Templário. Baseia-se numa antiga balada, A Saga de Robin Hood, segundo a qual o bandoleiro teria emprestado 400 libras a um senhor feudal, que devia dinheiro a um rico abade. A dívida é paga no prazo estabelecido de um ano, e Robin Hood, além de receber o que emprestou com bons juros, aumenta seus ganhos, assaltando o abade. Este último detalhe pode mostrar um componente antirriqueza e anticlerical que certamente satisfaria qualquer revolucionário, mas não obscurece o fato de que Robin Hood, ao menos segundo a balada, tinha uma indisfarçável vocação para banqueiro.


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A julgar por esta teoria, estava certa a esquerda, ao ignorar a lenda. Porque a verdade é que o comunismo de hoje já oferece dores de cabeça em quantidade suficiente para atormentar qualquer ideologo marxista, a começar pelos investimentos chineses nos Estados Unidos, um poderoso sustentáculo para o capitalismo mundial e uma contradição embaraçosa.

Robin Hood? Só no cinema. E haja pipoca.


Zero Hora (RS), 23/5/2010